A China e as matérias primas

É verdade que as fábricas estiveram paradas por causa da pandemia de Covid-19. É verdade que a guerra na Ucrânia está a trazer problemas nos fluxos comerciais e o acesso a determinadas matérias-primas. Tudo isto é verdade. O problema é que existe um outro motivo, um pormenor segundo alguns. Um “pormaior“, segundo outros. Chamado China.

E qual é o problema chamado China? Já em Julho do ano passado as sirenes tocavam: a China estava a comprar matérias-primas em vários sectores em quantidades astronómicas e nada comuns. Estavam a ser criadas as condições para uma tempestade perfeita, diziam em Julho os especialistas. E em Novembro de 2020, já se falava sobre esta política chinesa: “En las últimas semanas hemos visto como el Gobierno Chino ha empezado a estar muy activo en los mercados de carne y granos. Los contratos de futuros de Soja, Aceites y los futuros de Cerdos se han vuelto muy agresivos“. Ora, a escassez de matérias primas a que estamos a assistir é um problema anterior à invasão da Ucrânia e fruto da política seguida pela China. Obviamente, a guerra só está a piorar uma situação que já era grave.

Por sua vez, Pedro Guerreiro já o tinha sublinhado no Observador em Fevereiro deste ano:

Este equilíbrio de transição de ciclo deve assegurar o maior desafio que a Europa (e Portugal, mais ainda) enfrenta: estar esmagado entre os EUA e a China, que têm uma política pensada a 100 anos para assegurar todos os recursos e matérias-primas que as suas economias exigem e que não deixam margem a uma Europa habituada a um estilo de vida que vai ter dificuldade em manter. A China está a açambarcar as produções futuras em determinadas áreas e vai dominar os preços de mercado. A tecnologia europeia terá concorrentes ferozes. A inteligente aposta na economia circular é uma panaceia, que não resolve problemas de fundo no acesso aos recursos. E não temos autonomia energética. Os próximos tempos são extraordinariamente exigentes e ninguém discute a estratégia a seguir, a não ser com medidas avulsas.

Agora, a Europa já fala na necessidade de voltar a “industrializar-se”. Falta saber se é só conversa. E não o sendo, convém que saiba que hoje já é tarde. O aumento brutal dos preços das matérias primas não se resolve de um dia para o outro. A “reindustrialização” da Europa vai demorar muitos anos e a tradicional lentidão política dos organismos europeus é uma preocupação. Aparentemente a guerra está para durar. Ora, perante semelhante cenário, os próximos anos vão ser difíceis. Muito difíceis.

Será que a pandemia e agora a guerra vão ser o catalisador necessário para a Europa mudar de vida? Será que os seus dirigentes vão saber estar à altura da situação? Ficam as perguntas onde faltam respostas. Respostas e optimismo.

 

Comments

  1. Paulo Marques says:

    Depois de semear os ventos do caminho único com fugas para a frente, está na altura de colher o resultado, com dirigentes sem um mínimo de vontade ou preparação.
    A culpa é do marxismo cultural, só pode.

  2. Rui Naldinho says:

    “ Será que a pandemia e agora a guerra vão ser o catalisador necessário para a Europa mudar de vida? Será que os seus dirigentes vão saber estar à altura da situação? Ficam as perguntas onde faltam respostas. Respostas e optimismo.”

    A II Guerra Mundial começou em parte pela falta de respostas económicas e sociais, onde uma alta inflação minou tudo à sua volta. Não haverá provavelmente uma III Guerra, pelo menos com a abrangência mundial da anterior, caso contrário acabamos todos incinerados.
    Se não houver bom senso dos dirigentes políticos, e esta guerra na Ucrânia é um bom exemplo disso, bem podem comprar iates, mansões e clubes de futebol, que não vão ter tempo de os desfrutar. Acaba tudo esturricado no meio de meia dúzia de bombas nucleares.
    Há uma realidade que hoje nos ultrapassa, como Europeus. Com excepção talvez da Alemanha, a Europa desindustrializou-se.
    Já dizia alguém que a França estava na verdade falida. Não é só a França. É a maioria dos países que aderiu à moeda única, com excepção dos germânicos. Vivemos de artimanhas financeiras, como a emissão de dívida, por exemplo.
    Os centros de produção industrial estão na Ásia, vão da Índia à China, rodando pelo Bangladesh, Tailândia, Camboja, Vietname, Filipinas, Japão, Coreia do Sul e Taiwan. Alguns, em menor número, na Turquia e no Norte de África.
    Não quiseram uma globalização a qualquer preço? Nomeadamente as grandes multinacionais ocidentais, ávidas de lucros fáceis em países sem regras de qualquer espécie?
    Viver em sociedades evoluídas e estabilizadas socialmente dá muito trabalho, e para encher os bolsos é preciso alguma inteligência e paciência. Tem é uma vantagem. Não trazem surpresas desagradáveis.

    • Paulo Marques says:

      Não é uma artimanha financeira; se os outros nos querem dar bens materiais em troca de bits no computador, que, por sinal, podem ser impedidos de aceder a qualquer momento, é lá com eles. Um estado pode sempre adquirir qualquer coisa disponível na moeda que controla.
      Connosco ficou o resto do problema, ficar confiantes e dependentes de que o façam para sempre com as mesmas condições. É uma chatice que queiram ser agentes autónomos.

  3. JgMenos says:

    Tudo traduzido é que a Europa trocou o imperialismo que só um forte capitalismo apoiado em acção estatal pode exercer eficazmente, por um consumismo que a prazo a levará à dependência e à miséria.

    E tudo isto com a esquerdalhada a rufar os tambores da felicidade pelo consumo e da imoralidade de pensar um futuro de competição entre autarcias e poderes democráticos.

    Porque é o que são a Rússia e a China: dois exacerbados capitalismos enquadrados por autarcias impiedosas: imperialismo sem liberdades..

    • Paulo Marques says:

      O Menos a defender a regulação do empréstimos ao consumo e o controlo dos preços, ou a dizer coisas?

  4. O grande problema do empresário capitalista é a vaidade e a preguiça. Quando consegue um bom negócio o empresário capitalista muda logo de carro como meio caminho para engatar uma boa amante. Planificação? O que é isso? Garantir emprego aos jovens universitários? Isso é uma utopia, cada um que se desenrasque como o empresário capitalista se desenrascou sabe-se lá à custa de quem e de quê. Isso é que é liberdade, isso é que é progredir na vida, mais nada.

    • JgMenos says:

      Estás provavelmente a falar do proletário que saiu dessa condição e se deslumbrou com o dinheiro que lhe passa pelas mãos; mas uma coisa é certa:
      o cretino criou alguma utilidade ou não haveria quem lhe entregasse dinheiro.

      O capitalismo também é isso porque liberdade significa ser isso possível.

      • POIS! says:

        Pois criou!

        Criou, pelo Menos, uma utilidade cretina.

      • Não é só o “novo rico” quem tem esse tipo de atitudes.
        Vejo muito empresário bem nascido que faz exatamente isso.

      • Paulo Marques says:

        Ai já não é empreendedorismo consumista, este faz bem em incentivar o consumismo, que é útil, mas que não deve ser realizado, porque é inútil.
        Ufa.

  5. POIS! says:

    Não sei qual a admiração pelo “açambarcamento” de matérias-primas por parte da China. “Antes da guerra”? “Novembro de 2020?

    Há dezenas de anos que isto está em curso!

    Desde compras de terras (que não foram assim tantas como alguma propaganda tentou fazer crer, porque há outros meios de as usar sem ter de ser dono), empréstimos a países produtores de matérias-primas a acordos comerciais para transações que não passam pelo dólar nem pelos sistemas de pagamentos internacionais tudo tem sido planeado para possibilitar as “novas rotas da seda”.

    É uma economia planificada, estúpidos!

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