Carta de amor à Bárbara Bandeira

À Leonor, amor da minha vida

Olá Bárbara.
Pensei muito em declarar-me. E apesar de teres Holanda no nome, acabei por escolher o dia da França, 14 de Julho, para fazê-lo.
A verdade é que te amo.
Ouvi falar de ti pela primeira vez num programa da RTP, o “Cosido à Mão”, em que participaste como convidada.
Valha a verdade que não despertaste grande interesse na Leonor, por isso em mim também não.
Os meses passaram e em meados de 2019 voltei a ouvir falar de ti como cabeça de cartaz das festas de S. Bento das Peras. Apesar de morar em Rio Tinto, não fui. A Leonor nada sabia de ti, por isso eu também não.
Parece que chegaste muito atrasada ao concerto. Ainda hoje, a D. Cátia da minha rua diz mal de ti por causa desse atraso. A D. Cátia é a mãe do Serginho, um amigo da Leonor.
Foi poucos dias depois que o nome Bárbara Bandeira passou a ser uma presença assídua cá em casa.
Era tarde e Inês era morta. Ainda hoje a Leonor, então com 10 anos, lamenta não te ter conhecido alguns dias antes, por isso eu também lamento.
Mas não tivemos de esperar muito tempo. Em Dezembro, voltaste a Rio Tinto, desta vez ao Parque Nascente, para um showcase seguido de sessão de fotografias.


Foi a primeira de muitas longas esperas por ti. Quatro horas antes, já lá estávamos para ficar bem à frente. E a primeira desilusão – a Leonor estava na segunda fila, mas quando as da primeira se levantaram, ficou a ver zero.
Valeu a pena, mini-concerto e no final o primeiro abraço – o primeiro de muitos – e a almejada fotografia.
A Carolina, a minha mais pequena, também foi e também tirou a foto. Sabes, ela diz que não gosta de ti. Mas é só para chatear a irmã, porque até sabe as músicas e tudo.
Depois de te ter conhecido nesse dia, passaste a ser um ídolo. Mais do que um ídolo, passaste a ser tudo para a Leonor. Penso que terá sido nessa altura que nasceu o meu amor por ti.
Entretanto, veio a pandemia e os concertos desapareceram. Mas a Leonor, que começava a desenvolver uma aversão à comida, não abrandou. Músicas, directos, um e outro story, entrevistas, redes sociais. Páginas no Instagram. Tudo. Aprendeu tudo sobre ti. Desde os tempos de “Uma Canção para ti” em que cantavas um fado. Desde uma entrevista com um brasileiro totó em que dizias gostar do forró. Desde o “Voice Kids” a que a Leonor também chegou a concorrer. Desde o “Crazy” que agora renegas nos teus concertos.
A Leonor sorvia, voraz e em loop, cada uma das palavras que tu dizias e que era dita sobre ti. Eu também sorvia. Tempos de confinamento, em que a Leonor abandonou tudo. Só não te abandonou a ti.
Acabado o confinamento, fomos a Aveiro. Concerto desconsolado, todos sentados, distanciados e com máscara. Era o regresso após dois anos de saudades.
Dois meses depois, já depois de Vila Praia de Âncora, estávamos em Águeda para a Feira das Lambarices. “Recorriendo Portugal”, vimos o Álvaro de Luna a falar da “chica” que vinha a seguir – e logo ali, apaixonei-me pelo Álvaro de Luna também.
A Leonor estava impaciente, eu estava orgulhoso: a nossa Bárbara já tinha alguém que lhe fazia a primeira parte.
O melhor ficou para o fim. Recebeste cada uma das fãs que esperou na fila para estar contigo. Abraçaste a Leonor e assinaste o cartaz que ela empunhara durante o concerto. Viraste-te para mim e agradeceste-me por tê-la levado ao concerto. Quis então dizer-te tudo o que estou a escrever, mas só me saiu um “obrigado, Bárbara”.
Para não perderes demasiado tempo comigo, queria abreviar e ir directo ao Coliseu.
Mas passando ao lado Vila do Conde, não posso deixar passar Miranda do Corvo. Para a Leonor, por motivos financeiros, o limite dos concertos é Coimbra, mas nesse dia fui mais além. Um pai vai sempre mais além.
Foram horas de temporal. Sem telemóvel, sem saber onde estava, a chuva a cair a pique no vidro da frente do carro. Sem escovas. Que temporal incrível!
Mas chegámos. Fomos os primeiros, a um auditório onde lentamente começaram a chegar velhinhos alquebrados que nada tinham que ver com o teu público habitual. A Leonor e mais meia dúzia de fãs salvaram-te a noite. Que cena, Bárbara!
Devo confessar-te um segredo. Não fui ao concerto, fiquei lá fora e aproveitei para comer uma sandes de leitão. Como em Estarreja, onde fiquei a comer uma francesinha. Por favor não me leves a mal.
Vamos então ao Coliseu. Depois de três adiamentos e muitas lágrimas da Leonor, lá fomos para Lisboa. Eu não fui, que não podia faltar ao trabalho, mas a mãe esteve lá.
Passei esse dia muito feliz pelo teu sucesso e pelo da Leonor. Vivi aquele dia hora a hora.
Levei a Leonor a Campanhã às 5 da manhã e às 9 horas já ela estava à porta do Coliseu. Tirando as tuas mais indefectíveis, a Leonor foi a primeira. Viu a Carminho a chegar, viu o Tiago, viu a tua mãe, viu aqueles a quem ela chama de famosos. E tirou fotografias com todos.
Gostava de ter estado lá. Gostava de ter gozado com o teu sucesso, que é um bocadinho o sucesso de todos nós. A Leonor diz que foi incrível e eu acredito. É sempre incrível!
No fim, a Leonor e as quatro amigas que fez graças a ti, quase todas de Condeixa e arredores, uniram-se num abraço que tu acolheste. Nesse dia, as amigas deixaram de ser virtuais.
Veio o Inverno pleno e a formiguinha Bárbara recolheu-se ao lar, ansiando pelos dias em que voltaria a ser uma cigarra.
A Leonor não sabia como ia conseguir resistir até Março, por isso eu também não. Mas só não acredita no Natal quem não acredita no amor e o presente chegou em forma de um concerto no Pombal.
Estava quase a começar a Primavera quando vieste finalmente ao Porto, a minha terra. Casa da Música. Dessa vez, a Leonor exagerou e chegou 5 horas antes. Eu também. Estivemos com o Maninho e estivemos contigo. A fotografia do costume, ainda de máscara, e mais um abraço. Missão cumprida, deixei-a feliz e fui embora. Dessa vez, troquei-te pelo FC Porto, que nesse dia jogava com o Tondela. Visto à distância, até parece mal!
Ainda não sabia, mas a anorexia já tinha entrado na nossa vida. Silenciosa, insidiosa. Desinteressada de tudo e de todos, a Leonor manteve o teatro – o sonho de ser actriz – e manteve-te a ti. Nada mais lhe interessava. A não ser, claro, não comer para emagrecer.
A partir daí, a Leonor esteve mais algumas vezes nos teus concertos. Vejo os últimos meses algo enevoados, pouco nítidos, mas recordo com muito amor Vilela (por ser a terra dos meus antepassados) e Amares, a terra do António Variações (que falta nos faz!, que avançado que esteve para a sua época – é do meu tempo – por mais que não gostem da expressão). Recordo com menos alegria Felgueiras – por culpa exclusivamente minha, a Leonor não ficou pela primeira vez na primeira fila. Um pai existe para proteger os filhos e se nem para isso serve… está tudo dito. Viu-te um bocadinho à saída, falaste com ela já dentro do carro. Estivemos com o Foka. Foi bom.
Pelo meio, Junqueira – Vila do Conde.
Sei que te lembras. A Leonor tinha sido internada dois dias antes, de Urgência, no S. João. Já não comia há três dias e, desesperado, levei-a para o hospital. Estava mais morta do que viva, quase a desfalecer. Ficou logo lá e eu com ela. No remanso do quarto privado que o nosso excelente SNS nos proporcionou, tive muito tempo para pensar durante as 12 horas em que a Leonor esteve a soro.
Escrevi o texto que já publiquei no Aventar. Pensei em ti e de que forma poderias ajudar a Leonor. Pensei em tudo o que tinha acontecido desde que ela nasceu. E culpei-me. Culpei-me muito por ela ter chegado àquele ponto.
E chorei – não tanto como na véspera. Ali, sabia que ela ia ficar bem, que estava em boas mãos. Mas no dia anterior, segundo dia sem comer, último dia de aulas, desabei. Fingi indiferença – «não queres comer, não comas, quero lá saber, vou levar a tua irmã à escola».
E fui. Mas mal entrei no carro, o rádio não quis saber de falsas indiferenças. Nas ondas do éter, ecoava a tua voz e a da Carminho. «Vai acabar sempre por doer mais». «Foda-se, não acredito» – pensei para mim. E ali, na presença da irmã da Leonor, eu que nunca choro à frente delas, deu-me o maior ataque de choro da minha vida. O carro deve ter ido em piloto automático até à escola, porque não me lembro de nada. Chorei sem parar até ao fim da música, só queria desaparecer dali e dizer à minha mulher «acorda-me quando acabar».
Por isso, quando dizes nos teus concertos que o «Onde vais» é transversal a todas as idades e gerações e que é uma música para os pais que levaram os filhos, é mesmo… Não falas de cor.
No dia seguinte, no hospital, enquanto era picada para lhe tirarem sangue e colocarem o catéter, a Leonor só chorava. Não de dor, mas porque não poderia ir ao concerto de Junqueira, Vila do Conde. Já mais calma, meia hora depois: «Ó pai, se começar a comer, posso ir ao concerto de Felgueiras?»
Nessa noite, sentado no cadeirão do quarto do S. João, comecei a escrever. E tu leste. E mesmo sem te pedir nada, disseste que querias estar com a Leonor e tentar ajudar. Que fosse a Junqueira e faríamos uma surpresa à Leonor. Quando souberam, os meus irmãos choraram. E ganhaste, logo ali, mais meia dúzia de fãs.
Dois dias depois, lá estávamos a caminho de Junqueira sem dizer à Leonor onde íamos. Nesse dia, o primeiro que a Leonor passara em casa depois do internamento, já se recusara a tomar o pequeno-almoço e já começara a fazer cenas para comer qualquer coisa ao almoço.
Quando viu no final da recta que leva a Junqueira, um palco, a bola insuflável que está no meio e meia dúzia de pessoas à espera, a Leonor até saltou no carro. Os olhos dela brilharam como há muito tempo não brilhavam. E ainda não sabia da surpresa maior.
Depois de chamarmos o Foka, a Leonor foi conduzida ao teu camarim. «Onde estamos, pai, onde é que me estás a levar?« Quando a porta do camarim se abriu e a Leonor te viu… Nunca vou esquecer aquele momento.


O resto já sabes tu melhor do que eu. Fechaste-te com ela durante uns bons 20 minutos, levaste-a a conhecer a banda e a comer qualquer coisa (guarda religiosamente o chocolate que então lhe deste), voltaste lá dentro para uma sessão fotográfica. Não sei do que falaram, porque ela não conta nada, mas sei que fizeste a Leonor prometer que não voltava a deixar de comer. No final, abraçaste-a, abraçaste-me e foste preparar-te para subir ao palco.
A Leonor saiu de lá a chorar. «Como é que conseguiste, pai? A Bárbara é a melhor psicóloga do mundo».
Quase um mês depois, a Leonor continua a cumprir a promessa que te fez. Percebo que vacila, percebo que por vezes faz um sacrifício enorme, mas ainda ontem disse à mãe: “Não vou deixar de comer, prometi à Bárbara”.
Sabes, hoje a Leonor faz 14 anos. No dia da França de 2008, a nossa Leonor de la Bastille nasceu para nos trazer uma enorme felicidade. Menina aparentemente frágil, mas com muito mais força do que pensa – foste tu que lhe disseste.
Cheguei a temer que, no dia do aniversário, a Leonor estivesse internada. Mas um anjo desceu sobre Junqueira e mudou o mundo da Leonor. O nosso mundo.
A Leonor está na fase dos ídolos, das paixões pelos famosos. Um dia vai passar, porque se é normal aos 14 anos, daqui a uns 5 ou 6 já não será. Outros desafios esperam a Leonor e quem sabe se um dia vocês se irão encontrar num qualquer palco deste mundo.
Aqui chegados, devo pedir-te desculpa pelo atrevimento, Bárbara. Sabes que te adoro por tudo o que fizeste pela Leonor. Vais ficar para sempre no meu coração.
Mas apesar de tudo o que sinto por ti, já deves ter percebido que a destinatária desta carta de amor é outra.
A minha Leonor, amor da minha vida. Que um dia, também com a tua ajuda, vai ficar bem.
Vemo-nos em Condeixa, minha querida.

Comments

  1. Armindo de Vasconcelos says:

    Como te entendo! Mas ficas proibido de me fazer passar por piegas e chorar, mesmo sozinho comigo! Grande abraço, pai!

  2. Eduardo Duarte Campos says:

    Caro Ricardo
    O seu exemplo no que tem passado e tem escrito é algo que não consigo classificar, isto é não tenho adjectvos.Um grande abraço solidário com a sua luta
    Para terminar queria dizer-lhe aqui de Coimbra que muitos homens com H grande como o Ricardo mereciam viver num país muito diferente do nosso.QualÉ triste, mas não tenho um nome para lhe indicar tal a desilusão que sinto há já bastantes anos
    Muitas felicidades para si e para a sua família
    Duarte Campos

  3. António Fernando Nabais says:

    Porra, Ricardo, vem um tipo comer um cachorro másculo e emborcar uns finos e dá por ele ao balcão cheio de lágrimas nos olhos. Sorte têm os que são amados por ti. Sorte têm, entre outras, a Leonor e a Bárbara.

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