O perfeito tricot neoliberal

Imagem: SulInformação

A armadilhagem montada pelo modelo neoliberal é tão totalitária, refinada e dotada de meios que indubitavelmente obtém excelentes resultados na persecução dos seus objectivos.
É sabido que a “ligação” (leia-se o conluio) das universidades às empresas, com financiamentos e doutoramentos para servir estas últimas, é, na actual banheira neoliberal em que boiamos, considerada um critério de qualidade e muito acarinhado. Disponibilizam-se “modelos de acordos de transferência de tecnologia e Investigação e Desenvolvimento, para facilitar a criação de parcerias entre universidades e empresas”. Vai longe o tempo em que a independência do conhecimento das universidades era considerada um elevado valor a proteger; hoje, reina a captura dos recursos para a subserviência às empresas. Chamaram-lhe Iniciativa de Excelência e os princípios orientadores passaram a ser a “competição” e a “liberdade”. “Empresas e Universidades, uma relação win-win”. A rede tricotada.
Já uma ligação das universidades a David, ou seja, aos cidadãos, não passa pela cabeça de ninguém. Acordos entre universidades e associações e representantes da sociedade civil? Tá quieto! Se alguém conhecer algum, avise. Quando muito, usam-nas para estudos.
Portanto, fazem-se os acordos com as empresas: partilha de informação, titularidade dos resultados de investigação e definição das regras de exploração. E depois vende-se tudo.
A diligência dos media na divulgação dos spins que convêm ao negócio é garantida. Um exemplozinho: Ligação das empresas às universidades aumenta empregabilidade.
Quando não são as empresas a encomendar e financiar directamente o que pretendem obter das universidades, usam-se fundos públicos ou comunitários. É-nos tudo apresentado como normal.
Mesmo assim, às vezes fica-se chocado com o grau de obliquidade do viés. Vejamos este pequeno exemplo, financiado com fundos comunitários e logo profusamente divulgado por Lusas e mais uma dúzia de órgãos, com o título:
Cerca de dois terços dos cidadãos portugueses residentes no Algarve assumem que uma parte ou a totalidade dos seus rendimentos familiares provêm do setor turístico, de acordo com um estudo divulgado ontem.
1- O artigo informa-nos que: Dos mais de quatro mil respondentes validados pelo projeto RESTUR (Atitudes e Comportamentos dos Residentes: Contributos para o Desenvolvimento de uma Estratégia de Turismo Sustentável no Algarve), 67 % auferem rendimentos que provêm do turismo, 57% desempenham profissões ligadas ao sector e 47% têm familiares diretos a trabalhar nesta actividade económica.
Do que não nos informa o artigo: De que rendimentos estamos a falar? É sabido que os empregos no sector do turismo são maioritariamente precários. Mas isso não dá jeito nenhum saber.
2- O que não foi salientado em título nenhum nas notícias sobre o estudo: “Quanto aos «impactos negativos importantes» a nível económico, 91,5% indicam que a actividade turística faz aumentar o preço das casas e dos terrenos, 86,4% afirmam que o turismo aumenta o custo de vida e 75,5% realçam que os bens e serviços são mais caros.” E “(…) os impactos ambientais são considerados mais negativos do que positivos: 68% especificam os problemas de trânsito, estacionamento e acidentes e 66,2% frisam que o turismo aumenta a poluição, o lixo e o barulho.”
O spin foi prontamente divulgado: O Algarve precisa de mais turismo, é dele que vivem as pessoas, são precisas mais camas, mais alojamento local, mais “Processo de Betonização em Curso”.
O círculo vicioso é perfeito: só no turismo se encontra emprego; abram-se alas a mais turismo.
O que o artigo também não diz, mas o estudo constatou, é que, os residentes manifestam insatisfação com os serviços públicos, como a Educação e a Saúde.
Ora, ora, para os turistas há sete hospitais privados, é quanto baste.
O efeito do artigo foi largamente atingido, a trombeta neoliberal é altissonante e omnipresente.

Comments

  1. luis barreiro says:

    Concordo camarada laica, as universidades deviam de ser proibidas de fazer estudos com empresas privadas, devia de ser apenas permitido servir o estado e o kgb, socialismo ou morte, ainda vives para lá do muro de 89. coitada.

    • Paulo Marques says:

      Há uma ligeira diferença entre fazer estudos com e dirigir os serviços a. E isto não é a América, o capital nem sequer está particularmente interessado em investir e não vai correr a pagar os custos aumentados do que não precisa.

    • POIS! says:

      Pois parece que, ó burreiro…

      Quem vive “para lá do muro” é Vosselência.

      Aliás, até agora não vi ninguém a falar mais desse tal muro que Vosselência. É comentário sim, comentário sim!

  2. Anonimo says:

    Sim, culpa do neoliberalismo. Não era que há umas décadas atrás o Algarve já vivia do turismo (e com preços de estrangeiro, algo que só mudou quando o portuga ganhou algum poder de compra e os camones se bandearam para outros lados) e se construía a torto e a direito, ou em qualquer falésia. Só faltou que a culpa é do Passos.
    E essa percentagem de gente a viver do turismo será bem maior noutros poisos, onde não existe “problema de habitação”, é só escolher entre o AL e a casa vazia.
    Também aprecio a generalização das “universidades”…

  3. JgMenos says:

    Acabar com a precaridade e regressar às hortas, cavando todo o ano como deve de ser.
    Por outro lado, distrair a universidade dos seus jogos de publicações/ citações e graus, com estudos sobre realizações práticas é um atentado ao desenvolvimento do plágio e um favorecimento do neoliberalismo.

    • Paulo Marques says:

      A avaliação da carreira pela quantidade ignorando a quantidade, excepto por o quanto tem títulos que agradam ao capitalisticamente correcto, não é um elogio ao neoliberalismo. Entra lixo, sai lixo, e, no fim ganha a liderança tecnológica chinesa.

      • JgMenos says:

        Que profundidade! Que largo alcance!
        para génios que entendam…

        • POIS! says:

          Pois, e mesmo assim…

          Não chega á profundidade de Vosselência, só batida pelo Canhão da Nazaré e, mesmo assim, só na maré alta!

        • Paulo Marques says:

          Que é que há a entender? Os professores universitários são avaliados pelos kilos de papel que publicam nas revistas a bem da eficiência mensurável.

    • Pimba! says:

      … por acaso faria bem ao Menos pegar numa enxadinha, como sugeriu o seu amado Passos.
      Dar-lhe-ia um bocadinho mais de força nos braços e, quiçá, na verga, que a notar pelos dislates ainda não deve ter ido acima durante este milénio…

      • Tuga says:

        “sugeriu o seu amado Passos”

        Erro

        Para o Salazarento JgMenos, o Passos Coelho é um perigoso esquerdista

    • POIS! says:

      Pois, por este comentário, mais uma vez se prova que Vosselência salazaresca…

      Não dá uma para a caixa!

      Quanto mais duas!

  4. POIS! says:

    Está enganada Ana!

    O turismo não provoca inflação!

    Quem provoca a alta de preços são os criminosos dos reformados e o pessoal do salário mínimo que, mal recebem, vão logo gastar tudo na peixaria, no talho e na farmácia!

    Deus nos livre que sejam aumentados, ou temos aí uma espiral inflacionária a girar a uma velocidade maior que as motas do “poço da morte”!

    Os gastos dos turistas não provocam inflação, porque só compram comida para turistas e só pagam casas de turistas.

    É um mundo aparte! A Impetuosa Liberalesca explica isso tudo. Oiça o Guimarães Pinto. É um ás!

  5. Luís Lavoura says:

    De facto, fazer turismo é neoliberal. E estudar com vista a trabalhar num emprego concreto também é neoliberal. Numa sociedade perfeita, não-neoliberal, as pessoas não fazem turismo e estudam somente pelo amor ao saber puro.

    • Douriense says:

      A demagogia liberoca ao mais “alto nível”.

    • Anonimo says:

      Não era bem esse o tema… mas sim que se 2/3 do All-garve viver do turismo, precisamos é de mais turismo em vez de apostar noutras áreas. E isso é coisa de neoliberal e coiso. Mas sim, há muita coisa em Portugal entranhada há décadas que de repente é “neoliberal”.

    • Paulo Marques says:

      Apostar no baixo valor acrescentado para aumentar o valor exportado, externelizando os custos que alguém paga é o bê-â-bá neoliberal. Piorado por a competitividade estar associada a uma moeda bem acima das nossas possibilidades e bem abaixo dos fornecedores e clientes.

  6. JgMenos says:

    Nada como uma colecção de palavras-chave para todo o cretino se dar ares de uma larga visão estratégica.
    Neoliberalismo é das mais usadas porque diz ser liberalismo novo o que logo aparenta terem alguma ideia do que seja o liberalismo e uma sua qualquer actualização.

    Na prática, tudo o que sabem e querem é decalcar da função pública e, do seu regulamento da cartilha dos direitos e garantias, aquele viver habitual e sossegado onde a mediocridade é de regra.
    Há todavia um senão que os perturba: suspeitam que muito do que têm, e do que ambicionam, não seria produzido por uma semelhante sinecura!

    • Paulo Marques says:

      Pela boca do FMI
      “The neoliberal agenda—a label used more by critics than by the architects of the policies—rests on two main planks. The first is increased competition—achieved through deregulation and the opening up of domestic markets, including financial markets, to foreign competition. The second is a smaller role for the state, achieved through privatization and limits on the ability of governments to run fiscal deficits and accumulate debt.­”

      Só faltou a garantia de rendimentos explicitada pela Ana, mas não diga que não sabe o que é, que sabe muito bem – apoia-o constantemente.

      • JgMenos says:

        Pois é, se a competição interna e externa é acrescida lá se vai o sossego dos medíocres…

        • POIS! says:

          Pois é, ó Menos!

          Compreendem-se as queixas de Vosselência. Precisa é de sossego. E lá se vai! É competição a mais!

          Na época salazaresca é que era um sossego! Grémios, protecionismo, Condicionamento Industrial…

        • Douriense says:

          Por isso é que nunca passaste de legionario do Botas

        • Paulo Marques says:

          Para haver concorrência, era preciso que os neoliberails percebessem que a cartelização e conluio é anti-concorrencial, anti-mercado, e anti-democrática.
          O problema, do ponto de vista puramente capitalista, é que não há competição e ganha meia dúzia.
          Adivinha lá o que diz o paper do FMI de onde tiro a frase, e que só têm acentuado nos últimos anos, completamente ignorado em Bruxelas.

  7. Handa says:

    pois

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