Teatro, lo tuyo es puro teatro

Entretanto, na Madeira, Gonçalo da Câmara Pereira aproveita um momento de distracção dos carcereiros e consegue escapar ao cativeiro.

“Durante 10 anos, fui contratado para ser um machista na televisão, nos programas do Goucha, e transportaram isso para a política.”

História em que não acontece nada

Era um modesto hotel de uma cidade de província. Um desses estabelecimentos semifamiliares, em que o dono parece ter conseguido desenvolver o dom da ubiquidade, não só para controlar os empregados e guardar a sua propriedade, mas também para observar com deleite a nossa cara de susto quando nos surpreendia em cada esquina. Era um homem calvo, de rosto amarelado, com um dente de ouro que reluzia em simultâneo com o relógio de pulso, uma espécie de sincronização prévia à dos smartwatches com os smartphones que me pareceu muito original. Esperava os hóspedes pela manhã, chegava a persegui-los se ousavam esquivá-lo, para indicar-lhes a salinha, mesmo ali ao lado, onde o pequeno-almoço estava a ser servido, como se estivéssemos em Xanadu e houvesse o risco de perder-nos. Desejava que estivesse “tudo de feição” e indagava detalhes sobre a nosso relacionamento com o colchão: demasiado brando, quiçá muito duro? E que tal as almofadas? A mantinha extra está na prateleira de cima do armário, favor não esquecer. Era diligente, atencioso, insuportável. [Read more…]

A verdade anda por aí

The Parallax View (1974)

 

Nos anos marcados pelo escândalo do caso Watergate, produziu-se, nos EUA, uma série de filmes que ficou conhecida como a dos “thrillers paranóicos”, com enredos que lançavam suspeitas sobre poderes tão distintos quanto o Governo (Os Homens do Presidente, Os Três Dias do Condor), a NASA (Capricorn One), interesses económicos diversos protegidos por um sistema de justiça cúmplice (The Parallax View), a corrupção nas forças policiais (Serpico), a energia nuclear (A Síndrome da China), ou o futuro da humanidade num cenário de desastre climático e em que um império corporativo controla a produção de alimentos (Soylent Green).

Os heróis destes filmes são muitas vezes jornalistas (inspirados por Woodward e Bernstein) mas também polícias, detectives, e gente comum, que, no exercício das suas funções, descobre um segredo terrível sobre uma entidade poderosa e arrisca a vida para revelá-lo. Os finais são frequentemente negros, com as forças que manobram na sombra a esmagarem sem piedade os indivíduos que lhes fizeram frente.

Quem cresceu alimentado por semelhante substrato acreditou desde cedo que existe uma verdade ocultada por uma conspiração generalizada, que nenhuma instituição é credível, que tudo depende de alguns indivíduos, uma pequena elite de homens e mulheres corajosos, capazes de enfrentar um poder sem rosto, e que, tomando como certo que todos somos mais ou menos impotentes, é pelo menos possível aspirar à lucidez de saber que nos mentem e dá-lo a conhecer a outros. [Read more…]

Exercícios de aperfeiçoamento

Ontem, pela primeira vez, assisti a um debate com o Ventura, na íntegra, sem ter proferido um impropério sequer.

Para a semana, entro para o mosteiro zen.

O fim do mundo não vai ser assim tão mau

Se quando pensa em “bunker” imagina paredes de betão, tectos baixos, beliches, e gente de pele macilenta e cabelo mal cortado a abrir latas de conserva, esqueça. Isso é tão século XX…

Pelo preço adequado, pode ter um bunker equipado e decorado como um hotel de luxo, com suites, ginásio, área de jardim e horta para cultivar vegetais frescos, poço de águas profundas, sistemas de filtragem de ar, dispositivos de segurança, aquecimento e refrigeração geotérmica, reservas de combustível e alimentos para pelo menos um ano, etc. A ameaça exterior pode ser um ataque nuclear, um cataclismo ambiental, guerras, sismos, migrações massivas, epidemias, ou algo que ainda nem sequer conseguimos imaginar. Como diz uma das empresas que vendem estes bunkers de luxo, a TerraVivos, a Terra é um lugar cada vez mais perigoso e, à nossa volta, não faltam ameaças reais de extinção. [Read more…]

Durão, Sócrates, Passos

Todos no mesmo dia. Nem o Ebenezer Scrooge foi castigado com TRÊS fantasmas do Natal passado.

Reformas

Na nova e sofisticada loja dos CTT, a abarrotar de produtos para turistas (facilmente identificáveis por representarem sardinhas e/ou serem feitos de cortiça) e até “tablets e smartphones recondicionados”, mas em que a mesa de trabalho dos funcionários encolheu de tal modo que já nela não cabem os envelopes maiores, hoje a máquina das senhas avariou.  

De forma que tudo voltou ao sistema que sempre esteve em vigor neste país, o do funcionário que tem de sair do seu lugar, atravessar a sala, agora ampla e moderníssima, para lançar a pergunta ao grupo crescente de fregueses por atender: 

– Vales… reformas… está alguém aqui para receber?  [Read more…]

Harmonia conjugal

Abundance of Fruit (1860) – Severin Roesen

 

Aproveitei a pausa de almoço para ir às clementinas numa das poucas mercearias que por aqui resistem. Ao meu lado, entre os caixotes da fruta, uma mulher ia consultando a estátua maciça que a esperava à porta.

Queres bananas, Zé?

A estátua não se moveu. Silêncio absoluto.

Ela escolheu um cacho e pô-lo no cesto.

Queres ameixas, Zé?

E assim sucessivamente.

Quando o cesto já estava cheio e o Zé na mesma posição, ela mudou de táctica. [Read more…]

Não falha

Se acaso encontramos um conhecido a almoçar num daqueles restaurantes onde se come bem por pouco dinheiro, e de cuja recente descoberta ainda estamos orgulhosos, é certo que quando, um pouco magoados por ele nos nunca ter dito nada, mas capazes de pôr o ressentimento de lado em nome da camaradagem fraterna, nos debruçamos sobre a mesa e lhe perguntamos, muito cúmplices:

Este restaurante é bom, não é?

Ele, muito português, comedido nos entusiasmos, sempre desejoso de mostrar mundo e experiência, invariavelmente nos responderá:

Já foi melhor…

Mandem carta

Foi enquanto lia uma compilação da correspondência entre dois autores que comecei a pensar: “Ah, bons tempos!”, o que nunca augura nada de bom, é certo. Mas reparem: a carta chegava, quase sempre a horas previsíveis, e podia ser aberta de imediato ou guardada para momento mais oportuno. Guardá-la podia ser, aliás, mais saboroso do que lê-la. Talvez a psicologia ainda não insistisse na importância de adiar a recompensa, mas isso já se praticava.

A carta até podia ser lida nada mais chegasse, mas não se lhe responderia de imediato, a não ser que se tratasse de uma urgência ou de uma fase ainda febril do enamoramento. A resposta ficaria para daí a uns dias. Até lá, ia sendo amadurecida, sopesava-se o efeito desta ou daquela frase. Quando chegava o dia da resposta, voltava a ler-se a carta. Descobria-se, talvez, que se tinha treslido alguma passagem, interpretado mal o sentido de uma frase. Escrevia-se um rascunho de resposta, ocorria-nos uma frase espirituosa, passava-se a limpo. Daí a duas semanas, chegaria a resposta. Uma zanga exigia absoluta intencionalidade de pelo menos um dos interlocutores.

Compare-se isto já não com o email, cada vez mais soterrado em spam, mas com o Whatsapp. Sem ter contribuído em nada para isso, a não ser por possuir um telefone e não viver num eremitério, damos por nós a integrar uma infinidade de grupos de contactos: os amigos de X, a turma de Pilates, os pais do 7º B, os condóminos do prédio, os comensais do jantar de aniversário de Y, aqueles que uma desconhecida Kikas reuniu para enviar felicitações de Ano Novo porque teve preguiça de enviar uma mensagem de cada vez. [Read more…]

Vida escravinha

Arquivo Rocha Peixoto, Castro Laboreiro, 1902. Fonte: Rede Portuguesa de Museus. Publicado no Blogue do Minho.

Ouvi, há tempos, a entrevista de Fernando Alves a Maria Antónia Lopes, professora na Universidade de Coimbra e que tem centrado a sua investigação num grupo de pessoas que descreve como “os invisíveis” – os pobres e as mulheres. Contava a historiadora que, à sua cadeira de História das Mulheres, os alunos chegam com a ideia de que o trabalho feminino começou na I Guerra Mundial ou, quando muito, nos começos da industrialização. Isto é, que foi só na ausência dos homens que as mulheres começaram a assumir tarefas fora de casa. Tendemos a esquecer-nos, e não são apenas estes alunos a fazê-lo, que as mulheres sempre trabalharam. As mulheres pobres, com certeza. E que esses trabalhos, invariavelmente árduos, deixam a ridículo a etiqueta “sexo frágil”. Estas mulheres eram lavadeiras, pastoras, artesãs, agricultoras. Cuidavam da casa, dos filhos, dos pais. E se perdiam a capacidade de trabalhar, fosse por envelhecimento, doença ou acidente, restava-lhes apelar à caridade. [Read more…]

Mateus, 7:3

«Porque reparas tu no cisco que está na vista do teu semelhante e não vês a trave que está nos teus próprios olhos?»

(Ambos os artigos foram publicados hoje, na edição online do jornal Público)

A balança

Estranhei, no pomar do bairro, que os quivis tivessem vindo do Chile. Foi um comentário impensado, até porque eu nem gosto por aí além de quivis. Mas a dona da loja embrenhou-se numa história rocambolesca sobre a exportação dos quivis portugueses para França, onde são seleccionados e enviados de novo para Portugal a preços mais altos. Os outros clientes – dois homens que nunca por lá tinha visto – juntaram-se à conversa, cada um com outros exemplos de negócios que acabam invariavelmente na espoliação dos produtores e no enriquecimento das grandes cadeias de distribuição. A dona da loja entusiasmou-se. Os clientes também. Saltaram para os banqueiros, as offshores. A justiça, o Rui Pinto, o Salgado. O Sistema. A pouca-vergonha, a gatunagem, o povo português é muito manso, o isto só lá vai quando o povo acordar. Quem os ouvisse, parecia que iam sair, a qualquer instante, de archote em punho, para erguer barricadas frente ao Parlamento e lançar cocktails molotov ao Sistema. [Read more…]

Uma brecha na realidade

Há quem goste de presumir distracção, como se um certo distanciamento das coisas do mundo, alguma incompatibilidade com o material, conferissem elevação e nobreza de espírito. Eu sou uma dessas pessoas, naturalmente. Nem valeria a pena vir atirar pedras se não me dispusesse a levar com alguma. Mas isto para dizer que, embora uma certa incompatibilidade com aspectos práticos continue a manifestar-se, tenho feito um longo caminho que me permitiu aprender a fazer coisas tão improváveis como verificar a pressão de pneus, abrir tampas de xarope à prova de crianças (não foi fácil) ou usar um ferro de soldar (nem perguntem).  [Read more…]

Um homem fecha os olhos à morte

A natureza dos laços que nos prendem aos outros pode ser estranha. Eu tive, durante anos, uma relação com uma família que mal conhecia, mas a quem me prendia uma circunstância invulgar: tinha sido o meu pai a assistir à morte súbita do pai deles e a fechar os olhos do cadáver. Foi uma cena que assombrou a minha infância e que eu imaginei e reeimaginei vezes sem conta. Um homem que o meu pai conhecia de vista, porque morava próximo, caminha frente a ele. É de manhã cedo, há pouca gente nas ruas. O homem cai, um corpo desamparado no chão. O meu pai corre para ele. O homem não tem pulso nem respira. O meu pai chama alguém (que estava à janela?) e pede-lhe que ligue para o então 115. Pouco depois – quanto tempo? – reconhece que nada mais pode fazer e desliza a mão, imagino que a direita, suavemente pelo rosto do homem, para fechar-lhe os olhos.

A família do morto passou a tratar o meu pai com alguma deferência, o que muito me espantou porque, afinal, ele não tinha conseguido evitar-lhe a morte súbita. Fechar os olhos parecia-me tão pouco. É verdade que tinha acompanhado o homem nesses minutos finais, mas já o tinha encontrado morto, pelo que tampouco teria sido um verdadeiro conforto. É provável que o homem já estivesse morto quando o corpo embateu no chão. [Read more…]

O cliente saiu satisfeito

A bem da retoma económica, a nossa cidade do Porto recebeu um grupo de ingleses em que se incluíam cidadãos cordatos, mas abundavam hooligans ululantes. Entre todos, terão ajudado o necessitado sector da hotelaria e restauração, e rebentado com as reservas dos produtores de cerveja. À parte isso, emitiram muito ruído, ocuparam ruas e passeios, e borrifaram-se com descaro nas três regrazinhas básicas que a Protecção Civil recordava, ainda ontem, aos nacionais, por SMS: usar máscara, manter o distanciamento social, e não consumir álcool na via pública. Em sua defesa, é bem possível que ninguém lhes tenha dito que tais regras estavam em vigor. Para quê incomodá-los? [Read more…]

A Própria

Tive de ir reconhecer a minha assinatura. Eu própria tenho, com frequência, dificuldade em reconhecê-la, por isso sempre me pareceu injusto esperar que outra pessoa o fizesse por mim, mas a 20 euros por reconhecimento, também eu era capaz de pôr mais afinco nesse esforço. A pessoa que deveria reconhecer a minha assinatura nunca me tinha visto mais gorda, nem eu a ela, e quando lhe perguntei se queria que eu afastasse a máscara para comparar-me com a foto do Cartão de Cidadão, negou com um ímpeto como se eu tivesse acabado de propor lançar-lhe gás Sarin para a secretária. Já não insisti.

Como seria de esperar, lançou-me aquela frase tenebrosa:

vVai assinar exactamente como no documento de identidade. [Read more…]

Dignidade

«Aunty», Lee Byford-Daynes

 

As filhas da Dona Graça estavam certas de que a mãe já não tinha idade para dormir com o namorado. “Namorado”. Só o nome que ela lhe dava já lhes parecia ridículo. Uma mulher de 77 anos não tinha namorados. Vê-la de mão dada com ele pela rua era embaraçoso. Parecia-lhes uma manifestação de senilidade, sem dúvida, mas também de bizarria, porque havia algo de animalesco nesses apetites da mãe, e essa animalidade era um vexame para as filhas, ainda que ela parecesse incapaz de entendê-lo. A Mafalda até confessou que sentia a mesma vergonha que a fazia virar a cara quando, em criança, os cães copulavam à porta de casa e era preciso separá-los com um balde de água, mas a Joana achou a comparação excessiva.  [Read more…]

30 mil Tagores numa casa sem campainha

No café dos millennials, onde em cada mesa se encenam pequenos dramas em que só muda o filtro de Instagram, sento-me com uma revista literária espanhola, um número dedicado à loucura. Detenho-me numa história absurda, a de um apartamento em Ourense onde se esconde, não pela intenção de permanecer secreta, mas pelo desinteresse de todos, a colecção de livros de ou sobre o Nobel da Literatura Rabindranath Tagore mais valiosa do mundo. Por cima de uma loja de fertilizantes, adubos e rações, é o único espaço alugado numa galeria comercial em decadência. Grafitis nas paredes, heroinómanos a injectarem-se à porta, casais sem dinheiro para um quarto de hotel. [Read more…]

Raspadinhas

 

O rato é metido numa caixa transparente. Lá dentro, há uma chave ou uma pequena alavanca, que, ao ser accionada, faz cair comida de um alçapão. O animal dá umas quantas voltas dentro da caixa até descobrir a alavanca. A comida cai. A partir de então, não quer outra coisa. Tanto dá se se trata de um hamster ou de uma ratazana de esgoto, o comportamento do animal dentro da caixa é invariável: ver a alavanca, puxar por ela, receber a recompensa. E outra vez, e outra vez, e outra vez. Burrhus Frederic Skinner, psicólogo e professor na Universidade de Harvard, o homem que concebeu esta experiência a que ainda hoje se chama “caixa de Skinner”, chamou-lhe “circuito de reforço continuo”. Quando realiza uma acção que produz uma recompensa, o rato recebe uma descarga de dopamina, o neurotransmissor produzido em situações identificadas como agradáveis (beber quando se tem sede, por exemplo). E desejará mais. [Read more…]

Estes dias

O «Sinais», do Fernando Alves, na TSF, se antes era uma companhia diária, é agora a minha vitamina. A crónica de hoje foi uma saudação especial aos caminhantes. Confinados em casa, ou quando muito reduzidos a uma escapadela em horários pouco concorridos (porque até o nosso passeio higiénico tem algo de traição a todos os que aguentam encerrados), sentimos a falta das nossas caminhadas. Ontem mesmo levei para a varanda o mini-stepper, aquele aparelhinho ridículo para andar a pé sem sair do sítio, e lá fiquei um bom bocado, num caminhar fingido que faz lembrar o correr fingido do hamster na sua roda, mas com a vista posta bem longe, naquela nesga da Torre dos Clérigos que avisto da proa da varanda. [Read more…]

Dia de visita

E se houvesse um dia no ano em que pudéssemos visitar os nossos mortos e encontrá-los vivos? Partiríamos de comboio (vem-me à memória a viagem que fazem os sul-coreanos para visitar parentes e amigos na Coreia do Norte) rumo ao lugar deles, que eu gostaria de imaginar que fosse um bosque de carvalhos e tílias, mas apenas consigo ver um bloco de edifícios de traça austera, funcional, um lugar com longos corredores e salas pequenas, com uma única janela e um aquecedor de parede, e onde nos esperariam, à janela, os nossos mortos, sempre no mesmo dia, uma vez por ano. Ficaríamos todos juntos, cada um no seu cantinho da sala, famílias e amigos, num mesmo espaço partilhado, como nos hospitais e nas cadeias, a ouvir a conversa uns dos outros, a lamentar os que desperdiçam o dia discutindo e os que nada têm para dizer. [Read more…]

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Aos fazedores de opinião: vendo imagens das minhas estantes para cenário de entrevistas na tv.

Bom preço.

Com toda a gente em casa, a factura da luz vai subir

Que fará a EDP?  Vai usar a almofada de 512 milhões de lucro em 2019 para minorar o impacto no bolso dos cidadãos ou facturar como de costume?

Per saecula saeculorum

A pergunta apanhou-me de surpresa:

Sabes de alguém que queira vender um jazigo?

Nascida numa família de campas rasas, um jazigo soou-me sempre a luxo das elites,  vagamente oitocentista, um garante per saecula saeculorum de que não haveria misturas inapropriadas no além tangível das ossadas.

Entendo que se possa buscar conforto na ideia de manter unidos os membros de uma família, enfrentar a morte acompanhado por quem se amou em vida, mas é precisa uma grande dose de pensamento mágico para que esse conforto seja real. E, claro, há o horror à decomposição na terra, mas são assuntos em que se pensa às quatro da manhã, depois de um pesadelo, e se esquece pela alvorada.

Portanto, eu não sabia de jazigos à venda nem estava interessada em sabê-lo, mas a minha amiga estava e não foi preciso muita insistência para que eu acabasse a fazer-lhe companhia num encontro com um vendedor. O meu papel era fazer perguntas inteligentes, tarefa em que manifestamente falhei, e avaliar se o negócio valia a pena, competência para a qual nunca manifestei grande talento, mas é sempre comovedor ver como os amigos acreditam em nós. [Read more…]

A vida humana

Conheci a história do infame Dr. Petiot através de uma obra do historiador David King, que tem explorado de forma mais ou menos ligeira casos reais da Europa das décadas de 1930-1950. Marcel Petiot foi um médico que, durante a II Guerra Mundial, assassinou cerca de 60 pessoas, em Paris. Um assassino em série cujo número exacto de vítimas nunca foi estabelecido e que confessou não saber ao certo quantos tinham sido.

Com o nome de código de “Dr. Eugéne”, prometia ajudar a fugir de Paris todos os perseguidos pela Gestapo e pelo governo de Vichy, fazendo-os chegar até Espanha, daí a Portugal e, finalmente, de barco até à Argentina. Na realidade, recebia os honorários por este serviço e assassinava os seus clientes, desfazendo-se depois dos corpos num poço de cal, esquartejando-os e queimando os restos numa salamandra. Como as vítimas sabiam que não regressariam a Paris, levavam consigo na bagagem (e até escondidos no forro das roupas) maços de nota, jóias, todos os valores que podiam transportar. Em pouco anos, Petiot acumulou uma fortuna. [Read more…]

Como por encantamento

La Belle et la Bête, Jean Cocteau (1946)

A comunicação digital dos objectos com a internet, que permite que estes possam recolher e transmitir dados – a chamada “internet das coisas” – faz lembrar o castelo do Monstro, cujos portões e portas se abriam sozinhos, e em que os candelabros pairavam no ar sem que alguém os sustivesse, e um espelho permitia ver tudo o que se desejasse, por mais longínquo. Tudo isto era possível porque o castelo do Monstro, como a Bela viria a descobrir, estava sob um poderoso encantamento. Uma vez declarado o amor da Bela pelo Monstro, porém, o encantamento desfez-se, pondo fim à bizarria e inaugurando uma era de felicidade monótona. [Read more…]

Regresso às aulas nos EUA

Este vídeo da Sandy Hook Promise, a associação que reúne estudantes da escola de Sandy Hook (Connecticut) e familiares das vítimas do tiroteio que aí aconteceu em 2012, é um murro no estômago.

Só em 2019, houve 28 tiroteios em escolas norte-americanas.

Mais um 5 de Outubro a sós

Depois do presidente que não esteve porque tinha mais que fazer, poderemos ter o presidente que não está porque foi ver o Papa.

Mundinho

Maria de Fátima Bonifácio cita uma “empregada negra” do prédio dela, Helena Matos apoia-a e argumenta que aquilo que a outra escreveu é “o que se vê e ouve na estação de comboios da Damaia”. Aguardo um dossier temático sobre alterações climáticas com informação recolhida no quiosque dos gelados da Praia dos Ingleses.