O horrível equipamento da selecção e outras questões menores

O equipamento da selecção para o Mundial é horrível?

Talvez seja.

Ainda assim não tão horrível como os 6500 trabalhadores que morreram na construção dos estádios do Mundial, explorados, traficados, sem condições de segurança, mínimos de dignidade e não raras vezes em regime de escravatura.

Nem tão horrível como a legitimação de uma monarquia absoluta e totalitária que em pouco ou nada se distingue do Kremlin nos métodos, onde ser mulher é não ter direitos, ser homossexual é ilegal e assumir uma religião que não o Islão dá pena de prisão até 10 anos.

Ou tão horrível como a hipocrisia daqueles que se indignam com regimes onde a sharia é lei, excepto quando estão em causa ditaduras como a Qatari, onde a sharia também é lei e prevê penas como a flagelação e a lapidação.

A diferença?

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Bidonville-sur-Odemira

Em Odemira, Portugal olhou-se ao espelho e contemplou um dos resultados de anos de abandono e negligência a que o país profundo foi condenado pelo eucalipto centralista, comandado por um centrão incompetente que se está nas tintas para aquilo que se passa para lá da sua bolha, com uma ou outra excepção pontual.

Poderíamos falar sobre os danos profundos que alguma daquela agricultura intensiva causa nos solos, esgotados e envenenados por fertilizantes cancerígenos, ou na quantidade absurda de água que algumas daquelas culturas consomem, que aprofundou a sua escassez, num distrito onde sempre falta água e pouco ou nada chove.

Poderíamos falar sobre o abandono e o esquecimento a que está entregue o Alentejo, seja Beja ou o monte mais recôndito, com uma população envelhecida, empobrecida e que se sente invadida – e é manipulada a senti-lo – por imigrantes mais novos, diferentes, com uma língua e uma religião diferente, e tudo isto no quadro de uma estrutura social incapaz de absorver o impacto da nova realidade populacional, sem forças de segurança, cobertura de serviços de saúde ou infraestruturas básicas adequadas. [Read more…]

Odemiração

Um dos meus melhores amigos vive na minha memória. Tinha idade para ser meu pai e foi, durante vários anos, companheiro de tantas conversas. O Manuel Dias, velho jornalista prestigiado, andou pelo mundo inteiro. Contou-me que esteve na Cidade do México, em trabalho. Perdido na metrópole, a caminho de uma sessão com gente fina, deu por si, bem vestido, a entrar num tasco muito pobrezinho, para beber uma cerveja. Não me lembro das palavras exactas, mas o Manuel fez-me ver que tudo ali era miséria, pobreza, fome, os mais pobres dos pobres. Acrescentou: “Nestes momentos, um tipo é obrigado a pensar na sua camisa, na sua gravatinha, nas desigualdades.”

Nem sempre pensamos nas desigualdades. A maior parte das vezes, não pensamos nisso, por um egoísmo que, em parte, é saudável – com tanta miséria e tanta exploração que há pelo mundo, não teríamos tempo para sermos felizes ou, no mínimo, inconscientes ou ignorantes (condições necessárias para se ser feliz). Não teríamos tempo nem descaramento para apreciar a gravata, as jantaradas, os inúmeros privilégios com que somos cumulados, porque a vida que temos não resulta só do mérito, mas sobretudo de uma série de acasos, por muito que os portadores de certezas absolutas, sectários religiosos e políticos, acreditem no merecimento.

O triste espectáculo da escravatura em Odemira não é novidade. Há quem fique admirado por se saber. Fico espantado (até comigo) por não se pensar nisso, por acreditarmos que não é possível no nosso mundo, na civilização europeia. A exploração é tão antiga como a humanidade ou é a maneira de exercermos a nossa selvajaria essencial, lobos uns dos outros. É uma pulsão, é o poder a corromper-nos. [Read more…]

O Brasil real é brutal

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[Sotero]

O mito do Brasil cordial, sem violência foi criado e perpetuado ainda no século 19 e os quadros pintados, bem longe daqui, foram financiado por uma elite que queria passar uma imagem nova da identidade brasileira. Como este quadro do Victor Meirelles de 1860 que “retrata” a primeira missa no país como um momento mágico com indígenas dóceis sendo meros espectadores da luz do homem branco colonizador. O próprio pintor era um dos artistas preferidos de D. Pedro II.
Nesta edição do Café Filosófico o historiador Jorge Coli disserta sobre esses mitos criados no Brasil, até hoje, mesmo no cinema brasileiro, contribuem para uma percepção muito limitada do que é o Brasil de verdade: um país violento, dominado por boçais racistas, sinhás, fanáticos e lacaios que mantém as estruturas que lhes convém.
O BRASIL REAL É BRUTAL.

 

Novo Banco brinca às avaliações

A avaliação do trabalho seja de quem for deve basear-se em critérios bem definidos aplicáveis a cada indivíduo. A partir do momento em que uma avaliação esteja dependente de quotas, deixa de ser avaliação e passa a ser um processo de afunilamento de subidas de carreiras. Uma frase como “as avaliações têm de ser baixas” só faz sentido num mundo em que o sentido deixou de existir. Imagino o que (me) aconteceria, se dissesse aos meus alunos “Ó meus ricos meninos, 80% das notas têm de ser baixas!”

Podemos, até, aceitar que uma instituição, por variadíssimas razões, não queira permitir que a maioria dos trabalhadores tenha direito a aumentos salariais. Nesse caso, um mínimo de honestidade obriga a que se declare que, na realidade, não há avaliação. Não é difícil.

Quando o inaceitável se torna normal e ninguém se escandaliza, temos a prova de que a sociedade está doente e, de caminho, confirma-se que um dos grandes objectivos dos poderosos continua a ser o mesmo se sempre: desvalorizar o preço do trabalho, sempre em direcção à escravatura. [Read more…]

Salazar vive!

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Eu já não sou do tempo em que, no Minho, famílias inteiras sobreviviam única e exclusivamente daquilo que a terra dava.

Nos tempos do outro senhor, dizem-me, os caseiros habitavam umas casas rodeadas de muita terra arável. Tinham como posses algumas juntas de bois, algumas vacas leiteiras e muitos filhos – uma benção, porque alguém tinha que trabalhar as terras e os filhos não regateiam salário e outros luxos. Deixá-los ir para a escola era perder de amealhar umas arrobas de batata e milho, uns carros de pão. Dócil o gado e os filhos assim educados para o trabalho.
No final de cada temporada, o servo da gleba entregava ao senhor metade ou dois terços da produção da terra. Batata, cereal, vinho. Era dele para comerciar o restante.
Noutros contratos de sobrevivência, o caseiro comprometia-se entregar ao senhor dadas quantidades de produtos agrícolas. Havia anos maus, com uma produção abaixo do estipulado e havia senhores que não perdoavam os seus servos. A miséria perpetuava-se.
A miséria e a subserviência medievais duraram para lá de muito. No Minho, somos todos filhos ou já netos desse tempo.
No Minho isto é passado. No Alentejo, parece que ainda dura o regime do trabalho em troca da luz do dia seguinte.
Atente-se no anúncio da Associação de Defesa do Património de Mértola. [Read more…]

O Mito do Português em Marrocos

Ponte Afoullous

Ponte de Afoullous, Khemisset. foto Mustapha El Qadery

O tema da influência portuguesa em Marrocos ultrapassa em muito os simples testemunhos edificados, assumindo aspectos pouco esclarecidos, por vezes mesmo desconcertantes, mas sobretudo pouco estudados.

Existe uma conotação do português com o inexplicável, com diversos mitos que fazem parte do imaginário marroquino, por razões mais ou menos compreensíveis, às quais não serão alheios os factos de se encontrarem enraizados em comunidades rurais, com base em histórias com origem suficientemente remota para darem largas à imaginação popular, mas de memória suficientemente recente para que os mais idosos as transmitam de geração em geração.

Podemos dizer que o mito do português “L-Bartqiz”, com surpreendentes referências a habitantes portugueses de grutas nos confins do deserto ou nas montanhas mais inacessíveis, a autores de pinturas rupestres em tempos imemoriais, a pontes construídas em locais longínquos que os portugueses nunca ocuparam, a prisões de cativos portugueses e até a uma condessa sedutora com pés de camelo, é tão fascinante para o senso comum marroquino, como o mito das mouras encantadas, dos piratas ou dos tapetes voadores é para o senso comum português. [Read more…]

Curiosidades silenciadas

Portugueses, espanhóis, franceses, holandeses, nórdicos, americanos  e  ingleses, eis os habituais maléficos personagens em filmes dignos de Óscares, lágrimas e obras literárias que nos obrigam a um questionar da natureza humana. Este video mostra outra vertente universalmente conhecida, mas normalmente silenciada nesta época de todos os medos e comprometedor silêncio.

Porque será então importante uma reflexão? Porque a escravatura é uma realidade em alguns países, curiosamente podendo-se contar uns tantos prevaricadores entre as embaixadas em serviço na capital portuguesa.

A Escravatura é uma Oportunidade?

O desemprego não é mau, “é uma oportunidade para mudar de vida“.
E com a ajuda do IEFP, é fácil encontrar um emprego de futuro, justamente remunerado e sem ter que comer brioches de manhã à noite, que isso são proteínas a mais.
Melhor mesmo a “ardiúmes na pachacha” é ser engenheiro mecânico, com experiência, desenhador e com conhecimentos avançados em duas línguas estrangeiras, e trabalhar meio ano à recompensadora paga de 3 moedas de euro por cada uma de 160 horas de trabalho.
Sempre é melhor que nada, e há enfermeiras a ganhar menos!

É a economia estúpida

Segundo o que é possível apurar a partir da leitura desta notícia, a freguesia de Atenor, no planalto mirandês, é afectada pela desertificação e tem uma população envelhecida e, em muitos casos, solitária. Até há pouco tempo, havia várias valências nos centros de saúde da região que desapareceram, “em nome da contenção de custos.”

A mesma notícia permite-nos ficar a saber que todas essas valências são, afinal, necessárias, mas, na mentalidade contabilistóide dos últimos governos, os desfavorecidos não contam como seres humanos e são apenas parcelas a abater, pelo que ficam entregues à sua sorte. [Read more…]

Cama, mesa e roupa lavada

Nada de salários. O sonho do verdadeiro empreendedor. É bom que os esclavagistas se assumam.

É trabalhar, vilanagem!

Aproveitando o facto de estar aprovada a meia hora de trabalho extraordinário no sector privado, resolvi publicar este texto meia hora mais tarde do que estava a pensar, o que se traduziu num ganho imediato de produtividade para o Aventar.

Ainda assim, penso que esta medida peca por defeito e defendo que estas decisões deviam estar completamente liberalizadas, dando aos patrões total autonomia para obrigar os trabalhadores a oferecerem mais horas de trabalho, porque só assim é que a produtividade aumentará. Para além disso, deviam acabar com as férias pagas, os intervalos para almoço ou a segurança social, até porque foi assim que a maior parte da humanidade trabalhou, desde o início dos tempos. E construíram as pirâmides e o Convento de Mafra, não construíram? Afinal, é fácil resolver o problema da produtividade.

O valor do salário

No actual debate público em torno das políticas económicas e financeiras, quer em Portugal quer pela Zona Euro em geral, torna-se evidente que os ditames ideológicos do pensamento económico dominante, enquadram o salário com um mero custo. Por cá, chega-se mesmo a entender que fazem parte de gorduras a eliminar tanto quanto possível.

Esquece a lógica neo-liberal – para quem o lucro é sagrado e o mercado é tudo – que a saúde de qualquer economia se afere pela distribuição da riqueza que se concretiza pelos salários e pelos impostos. Uma economia com algumas grandes fortunas à custa de muitos assalariados remediados não é economia saudável: é escravatura contemporânea. [Read more…]

ROOTS, residência artística

Para seguir através do blogue, do site do Laboratório de Actividades Criativas (LAC), ou do BUALA.

Reportagem fotográfica do dia-a-dia aqui e amizades feicebuquianas carregando na próxima palavra: esta.

A indigência é apenas dos indigentes?

Desta vez as palavras não são minhas, são citadas do Público e dizem tudo, a começar pelo título:

 

Portugal, século XXI: há escravos levados das Beiras para Espanha

Os novos “negreiros” são famílias que encaminham indigentes para explorações agrícolas espanholas. Dormem acorrentados, passam fome e não recebem.

“Dormiam em velhos colchões retirados do lixo, no chão, sendo presos pelos pulsos, por uma corrente de ferro e cadeado, todos aqueles que os arguidos António, Francisco e Maria suspeitassem que pretendiam fugir, sendo ainda o armazém fechado pelos mesmos arguidos, para que nenhum daqueles trabalhadores pudesse sair”.

 

No séc. XXI, perante situações que permanecem e se arrastam no tempo, perante o desaparecimento físico de pessoas pouco habilitadas a viajar, perante a repetição de cenários e a indiferença de vizinhos, empregadores e autoridades, a indigência é apenas dos indigentes?