Presidência do Brasil

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O leitor sabe então que Ulisses, reiteradamente qualificado pelo narrador como o mais subtil dos homens, vive a experiência da perfeição, desde o dia em que o acaso dos mares ou a vontade dos deuses marinhos o atiraram para aquela ilha perfeita, para os braços da perfeita Calipso.

Isabel Pires de Lima

 

Segundo o Público, a palavra ‘mentira’ foi a mais frequente durante o debate entre Dilma Rousseff e Aécio Neves.

Ao ler os programas de governo quer destes dois candidatos à presidência do Brasil, quer da candidata que ficou em terceiro lugar na primeira volta (Marina Silva), detectei palavras muito mais interessantes do que ‘mentira’ — caso não saibam, uma variante específica do conceito ‘indiciariamente inverdadeiro‘.

Adiante.

Se algum defensor, promotor e amigo do Acordo Ortográfico de 1990 se der ao trabalho de percorrer as páginas das propostas de Dilma Rousseff, Aécio Neves e Marina Silva, deixo já um aviso: tropeçará inevitavelmente em palavras exóticas, como aspecto, aspectos, concepção, confecções, excepcional, excepcionais, facções, infecciosaspercepção, perspectiva, perspectivas, recepção, receptiva, receptividade, receptivos, receptor, respectivamente, respectivas, respectivo, respectivos, ruptura e rupturas.

Em vez de darmos ao Lince (sim, ao Lince), como Calipso a Ulisses, no conto A Perfeição do Eça, “as comidas mais sãs e mais finas da Terra”, para este “saciar a fome rude”, sejamos mais modestos: limitemo-nos aos programas de Rousseff, de Neves e de Silva e concentremo-nos nos resultados.

excepcionais convertido para excecionais

percepção convertido para perceção

aspecto  convertido para aspeto

aspectos convertido para aspetos

perspectiva convertido para perspetiva

perspectivas convertido para perspetivas

concepção convertido para conceção

respectivas convertido para respetivas

respectivos convertido para respetivos

confecções convertido para confeções

receptivos convertido para recetivos

ruptura convertido para rutura

receptiva convertido para recetiva

facções convertido para fações

receptividade convertido para recetividade

respectivamente convertido para respetivamente

receptor convertido para recetor

infecciosas convertido para infeciosas

excepcional convertido para excecional

recepção convertido para receção

rupturas convertido para ruturas

Lamento imenso, caríssimos defensores, promotores e amigos do Acordo Ortográfico de 1990. Bem sei que vos prometeram “a ilha perfeita” e “os braços da perfeita Calipso”. Contudo, não sendo a culpa nem do “acaso dos mares”, nem da “vontade dos deuses marinhos”, há uma certeza que podeis ter: também não é minha.

Desejo-vos um óptimo fim-de-semana.

***

Imagem criada através da plataforma Tagul.com 
(via Manchetômetro), com foto dos candidatos 
Dilma Rousseff (PT), Marina Silva (PSB) e Aécio 
Neves (PSDB) [© Felipe Cotrim/VEJA.com] e palavras 
incluídas nos respectivos (exactamente: respectivos) 
programas de governo.

Comments

  1. haaler san says:

    Sabes porque mas não dizes.

  2. Mas isso não é uma canção do João Pedro Pais? (quero dizer, a mentira).bfds

    • Não é mentira, é indiciariamente inverdade. Era giro o João Pedro Pais cantar isto. Tal como era giro dar com um pano encharcado na tromba de quem tal aberração escreve.

  3. Então mas são palavras com dupla grafia. É normal. Já agora, no Brasil não são consoantes mudas. Por outro lado, estas são as consoantes que não deviam ter caído em Portugal.

  4. A.M. says:

    Pois. Branco é, galinha o põe…
    Queres ver que é o ovo? E que a terra é redonda? E que eu sou filho da minha mãe?

Trackbacks

  1. […] É esta a opinião do político que há cerca de dois anos assumiu o cargo de Alto Comissário da Casa Olímpica da Língua Portuguesa. Em breve, se tudo correr bem, teremos um amplo debate público sobre este tema e Relvas ficará a saber, por exemplo, que pára e para, coacção e coação ou corrector e corretor deixaram de se distinguir graficamente e são potenciais focos de ambiguidade. Ficará a saber igualmente que os ‘aspetos técnicos’ mencionados por Aznar no prefácio e a “perspetiva de chegar à liderança das secretas” da entrevista ao Expresso são factor de desunião. […]

  2. […] leitores de português europeu, também os falantes, escreventes e leitores de português do Brasil desconhecem o significado de ‘receção’. Efectivamente, não nos esqueçamos do objectivo: “conseguir chegar a uma ortografia […]

  3. […] Exactamente: “de perspectivas“. […]

  4. […] Quanto ao aspecto, Rousseff volta a referi-lo: […]

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