A propósito das praxes académicas

Luís Manuel Cunha

enjoy-praxeDe momento, é o que está a dar. Bater nas praxes académicas exigindo a sua extinção tornou-se o objectivo principal do lixo jornalístico chamado Correio da Manhã, da esquerdalhada convertida ex-MRPP (Maria José Morgado, por exemplo), dos resquícios intelectualóides de outros ex-esquerdistas agora refundados no PSD (Pacheco Pereira) ou do snobismo queque da inutilidade autoconvencida do eixo Lisboa-Cascais (Paulo Teixeira Pinto, Constança Cunha e Sá), sem esquecer o moralismo “fracturante” da “esquerda caviar” em que se transformou o BE. Para citar apenas alguns destes “actores” de opereta convertidos em corifeus da “sua” moralidade e dos “seus” bons costumes. Sem deixar de referir os audiovisuais nomeadamente a TVI, que deveria preocupar-se mais em resguardar os telespectadores (se bem que estes, se calhar, até sejam os mais culpados) da exposição pública dessa verdadeira “sala de ordenha” que é a Casa dos Segredos – Desafio Final, um exercício de voyeurismo de um bordel em plena laboração 24 horas sobre 24 horas, um verdadeiro lupanar com “meninas” a “quecar” (releve-se a originalidade do neologismo utilizado por uma dessas “meninas” intervenientes activas na queca visualizada) perante um país inteiro que só não assiste se não quiser! São estes alguns dos novos moralistas reguladores dos bons e maus costumes, das boas e das más práticas públicas. Este exercício controleiro do que, no entendimento destes “puros de coração”, pode/deve ou não ser feito é execrável, nojento e demonstrativo destas cabeças formatadas na defesa de uma pureza comportamental com contornos de moralismo fascista.

E tudo isto veio ao de cima porque ocorreu uma tragédia na praia do Meco em que morreram seis jovens estudantes universitários e que, pelo que tem sido dito, teve a ver com rituais praxistas a cargo de alunos da Universidade Lusófona. Só que diabolizar as praxes académicas e pugnar pela sua extinção pura e simples só porque há alguns psicopatas que delas se servem, é um notório abuso. Porque, distingamos: a praxe académica nada pode ter a ver com certas demonstrações animalescas de “doutores” frustrados, em rituais de humilhação a que outros, alguns “caloiros”, se prestam em atitudes de cobardia submissa e que, quando muito, são meros casos de polícia puníveis pelas leis comuns contidas no código penal. Será eventualmente o caso da tragédia do Meco e de outros abusos que, a ocorrerem, devem ser imediatamente denunciados e severamente punidos.

Como é sabido, a praxe tem origens seculares em tradições académicas da Universidade de Coimbra, hoje considerada património da humanidade. O resto não passa de cópias, de imitações de qualquer universidadezeca de vão de escada, daquelas que dão cursos aos jotinhas do PSD, do PS e do CDS que imitam, ou pretendem imitar, o que em Coimbra era e é uma tradição secular. Vivida pela Academia e cultivada em espaços de tertúlia intelectual que não existe em mais nenhum espaço universitário – as “repúblicas”. Pelo menos, assim era nos tempos que por lá passei, na década de 60 do século passado. Um relatório da Unesco dado à época, afirmava que as palavras chave em relação à juventude eram estas: contestação, transgressão, contra-cultura, contra-poder, cultura dos jovens. As praxes representavam então uma, mais uma, forma de vivência em comunidade (a que as “repúblicas” nunca foram alheias) a que a vida dos estudantes dava forma com grande significado cultural e intelectual. Praxei e fui praxado. Nunca humilhei ninguém e jamais me senti humilhado, mesmo quando recitava um soneto de Camões à estátua de Minerva à hora de saída das meninas da Faculdade de Letras ou quando, na Real República Trunf’é Copos, fui “convidado” a ler (e a repetir sempre que o “doutor” o solicitava) 20 páginas da Sebenta de Direito Administrativo, eu que era aluno de letras! Sendo que, por norma, caloiros e doutores acabavam em noites “republicanas” intermináveis num escandaloso delírio anárquico onde se discutia tudo – filosofia, política, literatura, religião, futebol. E onde não raramente se fazia jus ao lema da referida “república”, assente numa paráfrase de inspiração camoniana: “Aqueles que por copos volumosos / se vão da lei da sede libertando”. Já aqui afirmei que foi em Coimbra que aprendi praticamente tudo – aprendi a ler o mundo, aprendi a ser, aprendi a pensar, aprendi a viver. Nos anfiteatros da Faculdade de Letras é certo, mas também nas serenatas na Sé Velha, nas “latadas”, no Calhabé a ver a Académica e na vivência das praxes “republicanas”.

Hoje, tudo mudou. As palavras que descrevem a juventude são desemprego, precariedade, sobrevivência, emigração. As praxes exercem-se no mais completo vazio, o que pode explicar a violência de algumas delas. Mas não queiram exorcizá-las a todas, em nome de um snobismo intelectual imbecil ou de uma higiene pública a roçar o fascismo comportamental. Isso nunca.
in Jornal de Barcelos de 5 de Fevereiro de 2014.

Comments

  1. Maquiavel says:

    Um belo texto. Que o odeiem muito é bom sinal!

  2. Nightwish says:

    A diatribe esperada de quem se acha acima dos outros, que é incapaz de perceber que a praxe não tem nada de secular e que são sempre rituais de humilhação.

    • as claques também são sempre sinónimo de violência, não são? e os políticos de corrupção, já agora.
      mais alguma coisa, sr taxista?

      • Nightwish says:

        São, mas com esses temos que viver, porque as alternativas que se conhecem são piores.
        Qual é a desculpa da praxe num país civilizado?

        • desculpa? a praxe não tem que pedir desculpa por nada excepto pelos abusos feitos em seu nome. mas isso é do que mais há em quase todas as actividades humanas (lembro-me agora de uma história de um director de um ballet russo ter sido assassinado por um rival, proíbimos o ballet?) . negas a capacidade da praxe de produzir cultura? negas a sua capacidade de organização dos estudantes (para o que é que andam a ser organizados é outra história e as razões nada têm a ver com a praxe, como a história o demonstra)? negas a mentalidade/perspectiva colectiva existente na praxe que se opõe e sempre se opôs ao mercantilismo, individualismo, ultra-especialização e competitividade do ensino?
          Quem só sabe Medicina, nem Medicina sabe.
          Isto aprendi na praxe.

  3. Caralhota says:

    Versão Velho de Coimbra de … no meu tempo é que era bom.

  4. mt bom!

  5. Joseph Coast says:

    Convenhamos que as praxes ou são merdosas ou são de bocejar. O pior é que, num caso e noutro, trata-se de uns gajos que querem à força “integrar” jovens que não estão para aí virados. Ou seja, merdosas ou de bocejar as praxes são impostas por gente desmiolada a indivíduos que, provavelmente, até gostam de usar a inteligência. E é este aspeto que torna muitas praxes idênticas ao criminalizado bullying.
    Defendo por isso que se façam testes de QI. Os mais baixos fariam praxes, os outros estudariam. No fundo ficariam todos felizes. 😉

  6. Não há paciência. Acalme-se.

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