A Cultura Andalusa

O Al-Andalus foi um espaço de convivência de povos e identidades, onde nasceu, desenvolveu-se e se afirmou uma cultura própria.

Resultado da influência da cultura Oriental, trazida no século VIII pelos Árabes do Médio Oriente, aliada à cultura Berbere, inicialmente do Rif e do Médio e Alto Atlas, e posteriormente Sub-Sahariana, cruzada com a cultura dos Hispano-Romanos, Hispano-Godos e dos Judeus, alimentada por trocas e experiências de séculos de contacto entre o Al-Andalus e o Magrebe, regressa ao Norte de África em três grandes vagas, nos séculos XIII, XV e XVII.

Essa cultura está viva, faz parte da identidade de Países como Marrocos, Argélia e Tunísia e tem um nome _ Cultura Andalusa.

Estima-se que só no Reino de Marrocos vivam cinco milhões de descendentes dos Árabes Andaluses que levaram consigo a Cultura Andalusa e a perpetuaram até aos nossos dias.

Influenciou decisivamente a própria identidade cultural das duas Nações Ibéricas em aspectos tão variados como a língua, a música, a arte, a arquitectura, os usos e costumes, as ciências, o pensamento.

O Alhambra de Granada

O século XIII marca a conquista do Sul da Península pelos reinos cristãos do Norte.

Exceptua-se o Reino de Granada, que se manterá nas mãos dos Nassirís por mais dois séculos, onde afluem milhares de muçulmanos que buscam protecção, apesar de muitos permanecerem inicialmente nos locais onde habitavam e da grande migração que se verifica neste período para o Norte de África.

No século XV o rei Boabdil assina a rendição do Reino de Granada com os reis católicos, ficando garantidos determinados direitos aos muçulmanos, entre os quais “ que os mouros poderão manter a sua religião e as suas propriedades.”

A queda do Reino de Granada marca o segundo grande período de êxodo de refugiados para o Norte de África.

A tolerância inicial face aos direitos dos muçulmanos e judeus vai progessivamente desaparecendo, levando inicialmente á sua conversão forçada ao catolicismo, à escolha entre conversão e expulsão, à posterior obrigatoriedade de abandono da sua vestimenta e costumes e à proibição da língua Árabe.

O estabelecimento da inquisição em Castela e Aragão no século XV e em Portugal no século XVI, aparentemente com motivações religiosas, mas na realidade com reais motivos políticos e económicos, que não cabe aqui analisar pela complexidade do problema, conduzirá à instalação de um clima de perseguição e terror e consequente estalar de revoltas.

As Alpujarras, na Serra Nevada

A rebelião das Alpujarras de 1568, que começou no bairro de Albaicín em Granada e se estendeu às aldeias das Alpujarras na Serra Nevada e às cidades de Almeria e Ronda são o argumento para a denúncia do pacto pelos cristãos e decisão de expulsão de todos os mouriscos em 1609.

Mourisco ou Mudéjar (do Árabe mudajan ou domesticado) são os nomes dados aos muçulmanos que tinham sido forçados à conversão ao cristianismo.

A entrada dos refugiados Andaluses no Magrebe faz-se sobretudo através do estreito de Gibraltar e tendo Tetuan como primeira cidade de acolhimento, onde se fixam numerosas famílias de Mouros e Judeus Sefraditas.

Muitos refugiados partem de Tetuan para outras cidades, nomeadamente Chefchauen, Fés, Meknés, Asilah, Rabat e Salé.

Mas é em Tetuan e Chefchauen que as características das cidades andalusas perduram desde os tempos da sua fundação até aos nossos dias, com as suas ruas estreitas e sinuosas, o seu casario organizado em torno de um pátio interior, os seus telhados de telha mourisca, muitas vezes vidrada a azul ou verde, as paredes caiadas e as portas e janelas pintadas de azul.

A cidade de Tetuan, conhecida como “a pomba branca”

Com origem num pequeno aglomerado berbere, Tetuan estrutura-se enquanto cidade e tem um grande crescimento a partir do século XV quando 80 famílias vindas de Granada, lideradas por Sidi Ali Al-Mandari, se fixam no local.

O nome Tetuan vem do berbere Titawni, que significa literalmente os olhos e figurativamente as nascentes.

No sec XVII tem um grande desenvolvimento urbano, com o estabelecimento de milhares de mouros e judeus expulsos da Península.

Este desenvolvimento também está relacionado com o facto de ser uma base da guerra contra Ceuta e do seu bloqueio terrestre, cidade ocupada pelos portugueses desde 1415.

Tetuan é servida pelo porto de Martil, no Mediterrâneo, que se torna num importante centro de corsários, juntamente com outros portos da costa marroquina, como Larache, Salé e Anfa, a partir dos quais se faz a guerra no mar aos cristãos.

Aliás, a ocupação de grande parte dos portos de marrocos pelos portugueses aumenta a importancia de Tetuan-Martil enquanto principal porto do Norte, responsável pelo escoamento das mercadorias provenientes de Sijilmassa e Fés.

Chefchauen, a “pérola do Rif”

Muitos andaluses exilam-se em Chefchauen, cidade fundada em 1471 por Mulay Ali Ber-Rachid no local onde existia uma pequena povoação berbere, para garantir uma segunda linha de defesa contra os ataques dos portugueses a partir de Ceuta.

O nome Chefchauen significa os cornos, referência às duas montanhas onde se implanta, o Jebel Tissouka e o Jebel Magou.

Foi inicialmente colonizada por andaluses muçulmanos e judeus, razão pela qual apresenta as características de uma cidade do Al-Andalus.

Á semelhança de Tetuan, Chefchaouen sofre um grande desenvolvimento com a chegada de mais andaluses no século XVII, no seguimento da expulsão dos mouriscos de Espanha.

A cidade é famosa pela coloração azul das suas ruas, resultado da utilização do anil como pigmento da cal, que se destina a afugentar os insectos.

Até ao ano de 1920 o acesso a Chefchauen estava interdito aos europeus, situação que só se alterou com a instituição do protectorado espanhol.

Chefchauen

A arte Andalusa é uma arte essencialmente urbana e que se reflecte na arquitectura e nos seus elementos decorativos.

Como já foi referido anteiormente a casa andalusa baseia-se na organização espacial em torno do pátio, local onde se desenvolve a vida familiar em privacidade.

A casa em torno do pátio é uma característica introduzida pelos romanos na Península e foi desenvolvida pelos andaluses, criando ambientes de frescura e calma, com as suas fontes e vegetação.

Pátio andalus

Aliás a presença da água é uma das características da arquitectura andalusa.

São a origem dos Riads (riadh em Árabe significa jardim) e dos conhecidos Pátios Andaluses, com as suas arcadas e varandas em vários pisos.

Arco em ferradura simples e polilobulado

Na arquitectura são muito utilizados o arco em ferradura e o arco ogival, simples, lobulados ou com estalactites.

Os arcos são apoiados em paredes ou em colunas ou conjuntos de colunas, inicialmente com capitéis coríntios e mais tardiamente decorados com folhas de palmeira.

Estuques com decoração epigráfica

As estalactites são muito frequentes na decoração de cúpulas, executadas com estuques monocromáticos.

Os trabalhos de estuque são utilizados na decoração de paredes e tectos, com base em elementos abstractos, geométricos, vegetais ou epigráficos.

Painéis de azulejo

O azulejo andalus é um dos elementos mais utilizados no revestimento de lambrins.

Contrariamente ao azulejo europeu, fabricado em peças de forma quadrangular pintadas, o azulejo andalus é constituído por peças individuais, de diversas formas, e cada uma de sua cor, que são aplicadas na parede uma a uma, formando o desenho pretendido, à semelhança da técnica do mosaico.

Chama-se a esta técnica “embrechamento” e tem como resultado uma superfície com mais unidade, mais colorida e ao mesmo tempo maior realce na peça individual.

Também tem o nome de azulejo alicatado, pelo facto de ser cortado com alicate ao ser trabalhado.

Os motivos são geométricos, com predominância dos polígonos estrelados.

Trabalhos de ferro e madeira

A arte andalusa também utiliza muito a madeira, não só na execução de tectos gravados ou pintados, mas também como material de transição dos paramentos de fachada com as coberturas, dando uma ilusão de leveza aos telhados.

As janelas de entrelaçado de madeira projectadas, concebidas para permitir a visão do exterior sem devassamento do interior, ainda se observam na actual Andaluzia espanhola e subsistem nas portadas de reixa algarvias.

O metal é aplicado nos gradeamentos de proteção das janelas, sob a forma de ferro forjado e em chapa para conferir maior resistência às portas.

A música Andalusa é também conhecida por Al-Andalussia, AL-Ala, Al-Maaluf ou Gharnati.

É um dos pilares da identidade cultural marroquina e herdeira da música praticada na Península antes da conquista Árabe.

A sua origem remonta ao século IX, quando um músico persa de nome Ziryab começou a criar um estilo musical próprio na corte de Abd Ar-Rahman II de Córdoba, baseado na música Árabe erudita.

Esta música terá sido posteriormente combinada com estilos musicais locais e com a música Afro-Berbere do Magrebe e a música Judia Sefradita, por Ibn Bajjah de Saragoça, nascendo assim a música Andalusa.

Existem três grandes escolas da tradição musical andalusa _ a escola de Granada, a de Córdoba/Valência e a de Sevilha, das quais se reclamam os actuais centros culturais do Magrebe, desde Marrocos à Líbia.

Refira-se que é em Marrocos que a musica Andalusa conserva a sua pureza original, tendo em conta que este país não esteve sujeito à influência do Império Otomano.

Para além de cantada, utiliza como principais instrumentos musicais o alaúde, a rabeca, a darbuka, o pandeiro, a cítara e o kamancheh.

Apesar de se ter disseminado pelo Magrebe desde a fundação do Califado de Córdoba, foi a partir do século XV que a sua implantação se acentua no Norte de África, com a chegada em massa de Mouriscos e Judeus Sefraditas exilados.

Esta música influenciaria posteriormente as correntes musicais da Península Ibérica e França _ “foi uma das fontes para as Cantigas de Santa Maria de Afonso X, do flamenco e dos trovadores.”

Comments

  1. Luís Moreira says:

    Belo texto.Serviço público, dada a matéria e a qualidade.Abraço,Frederico.

  2. ahmed says:

    Grande Fredrico,outra vez com um texto mais lindo do outro..estas fazer justiça á civilzáção islamica e para reconhecer esses fatos.Estou de acordo com o senhor Luís..guarda todos os textos Fredrico para o livro que sera uma bomba..obrigado

  3. joão Nunes says:

    Mantenho o que disse.
    Censura, só a usa quem não tem argumentos, é prepotente e não quer saber da democracia para nada.
    As ditaduras são prepotências.
    A ignorância é o seu sustentáculo.

  4. Frederico Mendes Paula says:

    João Nunes. Não aceito que os meus textos sejam um espaço onde pessoas com ideias racistas e xenófobas tenham voz. Mantenho estes comentários até logo á tarde e depois apago-os. O seu e o meu.

  5. joão Nunes says:

    Nem sou racista nem xenófobo. Tenho o direito de discordar, se não gosta de quem discorda paciência. É problema seu. Claro que não ter oposição é, do seu ponto de vista, mais confortável. As ditaduras são assim.
    Se tivessem oposição não eram ditaduras, eram democracias.
    Discordar, não é outra coisa que ser livre.
    Mesmo preso, amordaçado e ameaçado posso continuar a ser livre.

  6. Frederico Mendes Paula says:

    Olhe João Nunes. Tenho a maior consideração por quem discorda de mim, mas está no mesmo barco que eu, que é o do respeito pelas diferenças. A liberdade para insultar os outros só porque são diferentes é inaceitável. Mas vou fazer fé no que diz, quando diz “nem sou racista nem xenófobo”. Não vou apagar os seus comentários e fico à espera da sua discórdia em termos democráticos.

  7. Amadeu says:

    Decreto-Lei Nº 111/2000 de 4 de Julho
    (…)
    Artigo 2º
    Práticas discriminatórias
    1 – Consideram-se práticas discriminatórias as acções ou omissões que, em razão da pertença de qualquer pessoa a determinada raça, cor, nacionalidade ou origem étnica, violem o princípio da igualdade, designadamente:
    (…)
    m) A adopção de acto em que, publicamente ou com intenção de ampla divulgação, pessoa singular ou colectiva emita uma declaração ou transmita uma informação em virtude da qual um grupo de pessoas seja ameaçado, insultado ou aviltado por motivos de discriminação racial.

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