A Petrecha – Estórias de gentes do Douro

Maria Manuela Santos de Almeida Ferreira dos Santos*

Chamam-lhe Petrecha talvez devido à sua cor escura, a que o lixo dá uma tonalidade ainda mais acentuada. Ela própria se deve ter esquecido que a madrinha a baptizou de Amélia.
Andrajosa, arrasta pela mão a filha que nasceu da sua miséria.
As duas pedem pelas portas da aldeia o pão nosso de cada dia.
Toda a gente lhe dá num ou noutro dia. São tolas, diz o povo – mas não fazem mal a ninguém.
A Petrecha era filha do coveiro. A mãe morrera quando ela nasceu e o pai vivia com a caridade dos outros e o vinho que comprava quando enterrava os mortos.
Lá passava ele com a filha embrulhada em trapos num braço e a pá no outro. Enquanto abria as covas, deitava-a na campa de mármore mais chique e cantava para ela adormecer.
O cemitério era o domínio de ambos e ali entendiam-se.
O tempo rodou e o coveiro morreu.
Amélia Petrecha, quase indiferente, ajudou a tapá lo.
Quando lhe nasceu aquela filha, repetiu com ela as passadas que tivera. Não conhecia outras.
Ensinou a contar primeiro as cruzes e depois os tostões. No forno do muro do cemitério, guardam a roupa linda que lhes dá a gente rica! Não a usam. Não é delas. É para os amigos do cemitério.
Mas o que mais encanta a pequena Carolina são os retratos. Conhece-os todos. Dos senhores e das senhoras, que para ela têm vida. Já quase mulher, fica triste e amuada no dia dos fiéis, em que toda a gente invade os seus domínios.
Um dia, um senhor com uma máquina fotográfica achou original o quadro de mãe e filha e bate uma foto.
Passado algum tempo, oferece-lha. Ficam admiradas, sorriem, viram e reviram a fotografia.  [Read more…]