Coelhinho, se eu fosse como tu

coelhinho
Se eu fosse como tu, seria um ser do mais abjecto que há, um cara de pau com a cabeça cheia de nada e a boca aberta para dizer coisa nenhuma.
Se eu fosse como tu, marimbar-me-ia para todos os seres humanos que me rodeassem, tratando apenas de me ver no espelho sempre favorável do meu egocentrismo poeirento e bafioso.
Se eu fosse como tu, teria uma vida confortável, rir-me-ia da pobreza alheia, achando-me o maior por ser superior a essa gentalha.
Se eu fosse como tu, seria o responsável por milhares de mortes. Sim, milhares de mortes. Directa ou indirectamente, eu estaria a carregar no gatilho de quem dá um tiro na sua própria cabeça, a empurrar aquelas pessoas das pontes abaixo, a atirá-las, sozinhas ou com os filhos, para debaixo de carros, comboios, para dentro de poços. Mas, claro, não me sentiria nada culpado. As pessoas suicidam-se porque são malucas, que diabos!, e se levam os filhos com elas, isso não é desespero, porque há uma luz ao fundo do túnel e não, não é o comboio, é porque são ainda mais malucas.
Directa ou indirectamente, eu mataria os velhinhos à fome e com falta de medicamentos e cuidados médicos.
Directa ou indirectamente, eu seria responsável por haver hoje muito maior mortalidade infantil do que há dez anos atrás.
Directa ou indirectamente, eu tiraria carne, peixe, iogurtes, leite, fruta do prato dos Portugueses.
Directa ou indirectamente eu tê-los-ia despejado das casas que já não podem pagar. Não podem pagar? Que trabalhem! Ou que procurem casas mais baratas. Não podemos todos viver em casarões. Para que é que uma família precisa de sala? Ou de quartos para os filhos? Basta-lhes dormir todos no mesmo quarto, até é mais aconchegante no Inverno, poupam no aquecimento…
Directa ou indirectamente seria eu quem teria atirado com milhares de conterrâneos para a miséria.
Mas eu não sou um ser tão desprezível como tu és. Não sou uma pessoa ressabiada com um país que fez uma Revolução de flores em Abril e com isso conquistou a liberdade. Uma liberdade que usaste quando te deu jeito para ascenderes as postos de poder e que agora te incomoda, te prende os movimentos.
Orgulho-me de ser quem sou. Ao contrário de ti, faço o que posso pelos outros. Dou-me aos outros, algo que tu deverias experimentar fazer, coelhinho.
Claro que eu sendo eu e não tu, há todo um abismo que nos separa.
Eu, sendo eu e não tu, vivo com dificuldades. Não consigo encontrar trabalho que me permita garantir o pagamento das minhas despesas. Tenho que fazer contas para comprar sapatos ou roupas para as minhas filhas.
Eu, sendo eu e não tu, preocupo-me (apesar dos meus próprios problemas) com os outros. Com os que me rodeiam e estão numa situação muito pior do que a minha.
Eu, sendo eu e não tu, vou ter que fazer mais contas à vida porque vais roubar mais 150 euros do salário do meu marido, que, actualmente, é o único que ganha salário cá em casa. Sim, se lhe vão ser roubados 150 euros é porque ele tem um bom salário. É verdade. Tem um bom salário. Mas é um salário que tem que pagar todas as despesas e, deixa que te diga a ti, que achas que com 600 euros já se é rico, 1100 euros líquidos para pagar casa, alimentação, infantário e todas as outras despesas não são suficientes.
Ainda assim, eu,sendo eu e não tu, não baixarei os braços e, se antes me tinhas nas manifestações a lutar mais pelos outros do que por mim, desta vez vais ter-me a lutar muito pelas minhas filhas.
Não vou deixar que lhes roubes o direito de ser crianças.
Já lhes roubaste algumas coisas, mas também, admito, lhes deste muito. À custa de todo o lixo que tens feito, e à força de ouvir algumas conversas cá em casa, a minha filha mais velha, com cinco anos, sabe o que é ditadura, sabe que o passos coelho, primeiro-coiso de Portugal é um ladrão, sabe que só tratas bem os teus amigalhaços, os palhaços que aí te colocaram, sabe que a mãe vai a manifestações porque é importante lutar pelos direitos dos nossos semelhantes.
As minhas filhas, graças a ti, sabem que em Portugal há muitos meninos como elas que passam fome, que perderam as casas onde viviam. Sabem que, por respeito a essas crianças e porque é preciso controlar o dinheiro, não podem ter tudo o que desejam (isso, é verdade, já acontecia antes de tu começares a tua saga destruidora de uma nação).
Por tudo isto, coelhinho, se eu fosse como tu, começava já a tirar a mão do bolso e a proteger o traseiro. É que isto vai piorar para o teu lado e só espero que se te atravessem não um, não dois, mas vários. Ao mesmo tempo.
Fim!