A  Sopa e os segredos

Maria de Almeida

tacho

Soava a estranho a ordem de ir buscar dois tijolos e uns pedaços de ferro, restos de um móvel velho, que se havia queimado, já há uns tempos e com eles fazer uma pequena lareira, próxima da escada que dava acesso ao primeiro andar, da casa de “morar”.
Mas não havia muito a fazer. Naqueles tempos em que um não, a um pai ou a uma mãe, valiam por si só, um par de tabefes, que durante uns tempos não se esqueciam, quanto mais não fossem pelas marcas vermelhas que deixavam.

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O Escravo

Maria de Almeida

adenor gondimFoto: Adenor Gondim

As previsões meteorológicas diziam que era o dia mais quente daquele verão. E a verdade é que por muito leve que fosse a roupa, o corpo teimava em produzir água para combater o estio que se sentia.

No mesmo local onde Abdul estivera, destilava-se, naquela tarde.

A porta e a janela aberta, com a pequena corrente de ar que provocavam, não chegavam para fazer baixar a temperatura que se fazia.
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Numa manhã qualquer

Um post da autora convidada Maria de Almeida


Foto: Henri Cartier-Bresson

Num daqueles lugares, que se dizem impessoais, numa repartição pública, o dia, ou melhor a manhã, corria ao ritmo do cumprir dos processos, do atender o público que ia chegando, do toque dos telefones, que, insistentemente, teimavam em não deixar dar sentido e forma, àquilo para quem, os quatro que lá trabalham, são (mal) pagos para fazer.
A porta abre-se uma e outra vez, e às tantas deixa entrar um homem baixo, negro, que fica perdido no meio do corredor, que as secretárias formam.
– Bom dia! Diga….
– Arglh arglh blhark – diz a criatura.
(- A coisa está complicada – penso.)
– O senhor não consegue falar? – pergunto, enquanto reparo no braço direito, que mal dobrado lhe caí ao longo do corpo.
Como resposta recebo um aceno de cabeça que entendo como um não.
– E sabe escrever?
Mais um aceno de cabeça. Um “sim”, entendo.
Passo-lhe, então, um papel e uma caneta para a ponta da mesa, onde, Abdul, chamemos-lhe assim, começa, com dificuldade, e numa letra trabalhada, a rabiscar as razões porque ali se encontrava. [Read more…]