“Não me deixe morrer, eu quero viver” – José Carlos Saldanha

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Quem viu esta noite nos noticiários este doente de hepatite C, José Carlos Saldanha, certamente ficou chocado e se estavam a jantar ou a esperar pela refeição, certamente perderam a fome.

Sou neto, filho e irmão de farmacêuticos/as e desde miúdo que os temas relacionados com a saúde, a indústria farmacêutica, a política do medicamento e por aí fora são recorrentes à mesa. Histórias de doentes, sobretudo reformados, sem dinheiro para pagar os medicamentos, a contar tostões ao balcão da farmácia e a quem nunca ninguém deixava partir sem a caixa de comprimidos, o xarope ou a pomada naquele que era um verdadeiro serviço público discreto que centenas de farmácias e milhares de farmacêuticos realizavam sem queixume, sem apoio do Estado e sem reservas. Era uma questão de humanidade, de respeito pela vida e de bom senso. Já para não falar de dois conhecidos médicos, vizinhos da farmácia, que não cobravam um tostão pelas consultas aos mais pobres e os enviavam ali ao lado para receberem, gratuitamente, os medicamentos urgentes que tanto precisavam, numa verdadeira rede informal (e discreta) de solidariedade social. É assim quando não existe retaguarda e o Estado é fraco, incompetente e desleixado.

Nesta história do medicamento “Sofosbuvir”, se quisermos ser simplistas, existe um claro vilão: a Gilead, empresa que produz o medicamento. E existem 5000 vítimas e aqui estamos perante factos. Cinco mil doentes cuja cura pode ser o “Sofosbuvir”. Porém, existe muita incompetência, enorme lentidão e populismo em excesso. Incompetência, a ser verdade notícias como esta ou esta. Lentidão, nas negociações entre o Estado e o laboratório em causa provando, uma vez mais, que o Estado é forte com os fracos (basta ver a forma como provocou a lenta agonia e morte de boa parte das farmácias portuguesas) e fraco com os fortes (basta ver ao tempo que se arrastam as negociações com a americana Gilead). E excessivo populismo quando leio nas caixas de comentários dos jornais coisas como: “o custo de cada carro dos vários ministros e das dezenas de secretários de estado que por aí andam já dava para comprar os medicamentos em falta” ou, no sentido oposto, quando governantes afirmam “Pagar uma fortuna para aceder ao medicamento não nos parece uma coisa equilibrada“.

O que aqui está em causa é resolver, urgentemente, uma situação que é dramática. Primeiro salvar as vidas humanas e depois discutir as questões financeiras. O exemplo é dado pelo Estado, todos os dias, na sua relação com os contribuintes: primeiro o contribuinte paga e depois reclama. É natural que, em casos como este, se invertam os papéis: primeiro o Estado garante o fornecimento do medicamento e depois vai reclamar, pelas vias normais, o seu custo a quem de direito e usando todas as vias que o direito lhe fornece. Caso contrário, em toda esta história, vamos continuar, por muito que custe, a ter dois vilões. Um chama-se Gilead e o outro chama-se Governo da República. Cada um à sua maneira, cada um por diferentes motivos