Abstenção e responsabilidade

São insuportáveis os devaneios argumentativos de justificação da abstenção eleitoral. Tudo serve para responder a este mistério: a culpa é dos partidos, da meteorologia, dos astros, do karma. Tudo se invoca menos a responsabilidade – eu não disse culpa – e a deliberação dos próprios abstencionistas. Temos de deixar de vez este ângulo de análise que parece reduzir as pessoas, os cidadãos, a meros títeres de obscuras forças manipuladoras. Não se pense que ignoro a complexidade que envolve a formação das visões do mundo e idiossincrasias de cada um, bem como do papel dominante da ideologia. Mas o que nos resta de liberdade e autonomia individual tem de se erguer em nós e, chamado à decisão, tem de ser chamado à responsabilidade. Sob pena de questionarmos os próprios fundamentos e possibilidade da democracia, tenha ela a forma que tiver.

A abstenção é, pois, quer se queira quer não, um acto de escolha, por muito diversas que sejam as razões que a fundamentam, o grau de consciência que a informa, os efeitos vários que venha a ter. Mas não podemos omitir a responsabilidade, para que não se desvaneça a liberdade.