Nêsperas

Enredados no embrulho dos dias, tendemos a esquecer-nos que existem coisas verdadeiramente importantes que nos parecem menores.

Mas não, nem menores, nem dispensáveis, bem pelo contrário. A nespereira que tenho no quintal está vergada sob o peso delicioso das nêsperas. Eu vou-as comendo com parcimónia, apenas porque não consigo resistir-lhes. É que gosto mesmo, mesmo, quando começam a enrugar ligeiramente e a enegrecer suavemente por fora. Então sim, é estender a mão, descascá-las e comê-las imediatamente, ali mesmo, debaixo da árvore.

Menores? Neste caso as menores são as melhores, mais doces e com os perfumes mais concentrados. Sabem que mais? Que se lixe a Troika, diria Pessoa, se tivesse conhecido a nespereira do meu quintal, e acrescentaria:

Come nêsperas, pequena;
Come nêsperas!
Olha que não há mais metafísica no mundo senão nêsperas.

E eu, que não o deixaria sozinho a acabar-me as nêsperas do quintal, responderia com a boca cheia, cuspindo caroços:

-No tempo delas, Fernando, no tempo delas!

nêsperas