A burocratização dos adeptos

Hoje vamos falar de JPR. Infelizmente, não é João Paulo Rodrigues, mas sim João Paulo Rebelo. Se fosse o primeiro, podíamos rir por competência do próprio nas suas funções. Quer dizer, com o segundo também podemos rir, mas por incompetência do próprio nas suas funções.

João Paulo Rebelo é Secretário de Estado do Desporto. Depois de uma breve pesquisa, vim a saber que o deputado socialista é licenciado em Gestão. Bem, isto é o mesmo que ser muçulmano e trabalhar numa rulote de bifanas. João Paulo Rebelo, na verdade, pode ser excelente a gestão, no entanto, não faz a mínima ideia do que é melhor para o desporto. Na sua entrevista ao Record sobre a implementação do Cartão do Adepto para membros de claques, JPR diz que vem em linha com o que são as melhores experiências a nível internacional. O típico “lá fora é que é bom”, não apresentando qualquer argumento concreto. Mas o melhor é ir a factos, visto que o Secretário de Estado do Desporto não pode ter falado sem a certeza absoluta.

Itália implementou o cartão de adepto, a Tessera del Tifoso, no início da década. No entanto, já retirou a obrigatoriedade do tal cartão. Ao longo dos anos, esta repressão sobre os ultras italianos apenas resultou em dois pontos: menos vida nos estádios e maior descontentamento por parte das claques. Gostava de saber onde é positivo marginalizar um grupo de pessoas. Mas a esse ponto moral apenas iremos no fim de tudo.

Inglaterra ficou conhecida por ter acabado com as claques. Inglaterra é, provavelmente, o maior mito da segurança no futebol. Basta um insulto a um árbitro, que já há alguém a dizer que em Inglaterra não há nada disto, porque acabaram com as claques. Primeiro, em Inglaterra nunca houve claques como em Portugal, por uma questão de cultura, não de repressão. E quando dizem que a violência acabou em Inglaterra, é motivo para rir. Segundo os dados do Governo britânico, entre 2014 e 2018, apenas por violência, clubes como o Millwall (56), Birmingham (54) e Portsmouth (51) ultrapassaram os 50 detidos. Apenas na época 2018/2019, houve 1007 incidentes com adeptos. Portugal, ao lado de Inglaterra, é um oásis de serenidade.

Talvez o senhor Secretário de Estado do Desporto esteja a falar da Alemanha. Ainda há poucas semanas, pudemos ver jogos a ser interrompidos por um protesto partilhado por várias claques contra o dono do Hoffenheim. Não é a primeira vez que os ultras alemães se unem contra algo. É recorrente protestarem contra donos de clubes e até mesmo decisões da Federação. Por exemplo, uma das grandes lutas é contra o futebol à semana e já houve claques a não comparecerem a jogos quando estes são realizados a dias da semana. Portanto, a Alemanha também não é um bom exemplo para defender a repressão de liberdades dos adeptos. Continuamos à procura?

Talvez por competições internacionais também se queira referir à Liga dos Campeões e à Liga Europa. Não tenho muito a dizer, pois trata-se de uma mentira. Nos últimos dois anos, desloquei-me a três países diferentes e nunca fui obrigado a fazer um cartão que me diferencia dos outros adeptos.

Terminou a busca. Voltemos à questão moral que se levanta em relação a este cartão. Temos exemplos por todo o mundo que mostram que a repressão não é solução. Em nada, muito menos no futebol, algo que envolve paixões. Mas não há nenhuma desculpa para defender um projeto que diferencia os membros de claques dos restantes adeptos e que os marginaliza. Os adeptos que pertencem a claques serão, literalmente, colocados à parte. Tal como nunca acabarão os assaltos, os assassinatos, e todo o tipo de violência, também não acabará a violência especificamente no futebol por decreto. As liberdades individuais das pessoas estão a ser, mais uma vez, colocadas em segundo plano. A solução passa pela responsabilização individual e não pela burocratização da paixão à volta do futebol. E neste ponto, todos os adeptos deveriam estar unidos, mas infelizmente, em Portugal, a maioria colocou o espírito crítico de parte em prol da sua cor clubística. Portugal é o país em que clubes que sobem de divisão administrativamente dizem que é justo e o melhor para todos, mas que os que descem dizem que é uma injustiça. Isto não é querer saber do futebol nem de valores, é apenas querer ganhar a todo o custo. Portugal está a ultrapassar uma fase difícil. Numa altura destas, será o retomar das competições uma prioridade. Chega a ser insultuoso para quem salva vidas todos os dias. Se continuarmos assim, vamos continuar a deixar que o futebol se perca no bolso de meia dúzia. Se continuarmos mais preocupados com coisas efémeras como lutinhas por campeonatos, subidas e descidas, vitórias e derrotas, não faltará muito até perdermos totalmente o que isto significa e transformar-nos-emos em meros clientes. Não queremos isso para os adeptos.

Comments

  1. xico says:

    “João Paulo Rebelo é Secretário de Estado do Desporto. Depois de uma breve pesquisa, vim a saber que o deputado socialista é licenciado em Gestão. Bem, isto é o mesmo que ser muçulmano e trabalhar numa rulote de bifanas”. Não vejo porque um muçulmano não possa trabalhar numa roulotte de bifanas, desde que as não coma, mas isso serve para todos os empregados que lá trabalhem. Portanto, no seu entender um licenciado em Gestão fica automaticamente desqualificado para o desporto. É isso?

    • Rui Naldinho says:

      O que Francisco Figueiredo disse, foi mais ou menos isto:
      “Quem te manda a ti sapateiro tocar rabecão”
      Aquilo do muçulmano e das bifanas foi só para baralhar as contas.
      Agora que o Secretário de Estado do Desporto tem cara de totó, lá isso tem. Deve ser mais um boyzinho da Jota. São mais que as mães. E é transversal.

      • xico says:

        Isso do sapateiro e do rabecão tem que se lhe diga. Rossini era um excelente cozinheiro, enquanto que o sapateiro de Trancoso era profeta e trovador. Que um gestor ganhe o céu eu até posso duvidar, agora que possa gerir uma secretaria de estado não vejo por que não. Quanto a totós, aquela fotografia do totó Einstein de cabelo ao vento, sandálias e calções, não o recomendariam para ocupar a cátedra de física de Coimbra. Cara de totó tinha o Hitler e veja lá a competência do moço em dar cabo da Europa.

  2. Paulo Marques says:

    Infelizmente, é mesmo a única maneira de se conseguir politicamente banir inergúmenos à procura de violência dos estádios. Por outro lado, vindo do governo que vem, espera-se que a não-claque continue impune.

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