A máquina do tempo: em demanda de Eça* (3)

– Foi, por certo uma época muito interessante.

– Não tenha dúvida. Aquela época foi uma pequena Restauração, tanta era a vida, a seiva espiritual, a vaga convulsão melodiosa da alma. Adorávamos o teatro. O teatro era a paixão, a luta, a dor, o coração arrancado, e gemendo, sangrando, rolando sobre uma cena resplandecente. O nosso teatro – era Shakespeare e Hugo, e os cómicos espanhóis, sombrios e magníficos, do século XVI.

– Que papéis desempenhava?

– A minha versatilidade não foi grande. Era pai nobre. Durante três anos, como pai nobre, ora grave, opulento, de suíças grisalhas, ora aldeão trémulo, apoiado ao meu cajado, eu representei entre as palmas ardentes dos académicos, toda a sorte de papéis de comédias, de dramas – tudo traduzido do francês. Por vezes tentávamos produzir alguma coisa de mais original, de menos visto que a Dama das Camélias, ou o Chapéu de Palha de Itália: reunimo-nos com papel e tinta; e entre aqueles moços, nascidos em pequenas vilórias de província, novos, frescos, em todo o brilho da imaginação, uma só ideia surgia: traduzir alguma coisa do francês.

Um dia, porém, Teófilo Braga, farto da França, escreveu uma drama conciso e violento, que se chamava Garção. Era a história e a desgraça do poeta Garção. Eu representei o Garção, com calções e cabeleira, e foi sublime; mas o Garção foi acolhido com indiferença e secura. E só um grito ressoou nos bastidores: «Ora aí têm… um fracasso! Pudera! Peças portuguesas!…» [Read more…]