Eu às voltas

Como era bela e única a Linha do Tua…

Estou às voltas com a infantil e deliciosa inocência dos filhos, a prepará-los para uma noite reparadora que amanhã há trabalho. Silencioso, enquanto faço isto e aquilo, penso que eles têm a sorte de ter um pai que lhes vai poder contar na primeira pessoa o que eram aquelas gargantas, aquele serpenteado que vêem na foto antiga de um comboio que mete medo.

Talvez até se interessem por saber mais sobre aquela água vermelha pútrida que estaciona no colo de uma amarra de betão, enquanto nada por lá acontece. Vou poder contar-lhes, fingindo-me culto, que em Portugal há muitos casos singulares de projectos nunca acabados. Vou-lhes referir a ponte (rodoviária) da Régua, aquela que levaria o comboio a Lamego. Vou-lhes mostrar a foto da ponte seguinte sobre o rio Varosa, uma ponte integralmente construída para ficar de testemunho. Vou-lhes referir que Coimbra teve eléctricos e que também acabou com um comboio que trazia, na época, um milhão de pessoas no vai-vem pendular das gentes de Lousã e que também sucumbiu quando se quis travestir de metro de superfície, e os meus filhos decerto nem entenderão que estou a falar de quase cem anos de diferença, como não quererão enquadrar, na inércia de uma noite de tertúlia, que as linhas estreitas nem nunca chegaram ao seu destino, e, quando já amputadas lhes quiseram dar mais segurança, afinal desligaram as máquinas, deixando-as morrer, não cumprindo uma promessa solene. [Read more…]