Chronicle na Éireann (crónica da Irlanda) – 1

water-charges-2-2Manifestação contra a taxação da água

Neste momento, a água no mercado doméstico da Irlanda é um bem sem ter o preço baseado no consumo. Existem impostos indirectos que colmatam as necessidades financeiras decorrentes da distribuição de água mas consumir mais ou menos água não é uma variável na equação aquífera.

Não é actualmente.

A 1 de Janeiro de 2015 o consumo de água passará a ser taxado directamente. Algo que parecerá normal para quem esteja habituado a pagar em função do consumo, traduz-se numa enorme revolta para os irlandeses, que vêm esta atitude como veria um português se lhe taxassem o consumo de ar. “Mas não é comparável”, dirão alguns. “Afinal de contas, é muito diferente consumir um litro ou um metro cúbico de água”. E no entanto, aceitando que a produção de dióxido de carbono é um problema da actualidade, quem consome mais “ar” por ter uma lareira paga o mesmo, ou seja, nada, que paga quem passa frio e produz menos CO2.

Do lado do governo, a linha de argumentação baseia-se nos enormes custos distribuição da água (mil milhões de euros por ano), mas 40% deste valor deve-se a perdas na rede devido a continuada ausência de manutenção na infraestrutura.

Oposição

Naturalmente, que os anteriores impostos indirectos que foram lançados para financiar o abastecimento de água continuarão a existir, contribuindo para a revolta que em 2014 se tem visto pelo país. Protestos, confrontos na instalação dos contadores de água e um crescente sentimento de antecipação de eleições tem sido tónica dominante no país. Entretanto, o governo reviu em baixa os valores a pagar e estabeleceu tectos anuais máximos (160€ para casas familiares e 60€ para casas habitadas por um único adulto). Mas a revolta continua, com enormes manifestações nas ruas das grandes cidades.

Parece que também os irlandeses já tiveram mais do suficientes aumentos de impostos e cortes nos gastos públicos em consequência da política de austeridade, estando relutantes em pagar mais numa altura em que lhes é dito que a retoma económica já dobrou a esquina.

A companhia das águas

A empresa Irish Water, responsável pela introdução da taxa sobre o consumo de água, foi criada como parte do acordo da troika UE-FMI. Mas a Irlanda tem uma longa história de oposição às taxas sobre a água e a alimentá-la está também a forma como a empresa foi criada, numa cultura de bónus sem relação com o mérito e a suspeita, desmentida oficialmente, de que o plano será privatizar a empresa no médio prazo.

A empresa tem precisado de recorrer aos tribunais para obter ordens judiciais para instalar contadores de água entre alguns opositores. Tem estado também sob fogo devido ao pedido para que a segurança social confirmasse as composições dos agregados familiares, o que foi visto como uma invasão de privacidade.

Por cá

Contava-me um irlandês que para ele, vivendo rodeado por água numa ilha tão húmida, era inconcebível pagar por algo que sempre foi livre. Contei-lhe que a factura da água era o primeiro passo apenas, dando-lhe como exemplo a panóplia de taxas que compõem a minha factura. Entre a taxa da RTP, passagens de cabos, lixo, aluguer do contador (proibido mas camuflado de taxa de serviço) e várias outras, lá aparece o consumo efectivo de água, uns 25% do valor da factura.

Na Irlanda, as pessoas lutam activamente contra a medição do consumo. Em Portugal, fazem-se ruinosos contratos de privatização da água, como no caso de Barcelos, mas a contestação popular é reduzida.

As pessoas, possivelmente, estão completamente atordoadas com a cacetada que levaram nestes três anos de governo PSD/CDS devido a “viverem acima das suas possibilidades”, retórica para pagar o descalabro da banca e dos negócios encostados ao estado, mais preocupadas em sobreviver ao fim do mês do que com o escândalo que tem sido a estratégia global de privatizar um dos recursos mais necessários à vida.

Leituras:

Comments

  1. ASantos says:

    Não creio que a pouquissima participação colectiva na defesa dos interesses comuns tenha algum relacionamento com qualquer situação temporal. Esta ausência de participação colectiva está no ADN do povo português e já vem de tão longe que até agora não li qualquer livro de história em que ele não viesse reflectido.

    Quando sairem estes governantes outros viram e assim sucessivamente sem que se altere a postura do povo, a não ser que surja um factor externo invulgar… tipo Nossa Senhora de Fátima fazer uma aparição e dar essa recomendação.

    O pior é que provavelmente essa aparição não será da N.S. Fátima mas de um(a) qualquer radical com uma linguagem “limpa” dos habituais chavões já requeimados. Aí, sim, vamos assistir a uma transformação do povo. Não sei é se para melhor…

    ASantos

    • Nascimento says:

      Na Mouche…alíás ,qual é o povo que tem a famosa frase:” Tenha paciência”??? Só nós…
      Até nas manis somos os mais “bonzos” da Europa…

  2. eu que o diga que vivo no concelho onde se paga a água mais cara do país. acho que no dia que o país acordar para o problema, já será, como de costume, tarde demais…

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