…M’ESPANTO ÀS VEZES , OUTRAS M’AVERGONHO … *

 

Vamos ter eleições para a Presidência da República. Tal como a Assembleia da República, estes são os dois únicos orgãos de soberania que são eleitos por voto directo dos cidadãos, vulgo sufrágio universal. Daí a sua importância. O actual Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, ir-se-á candidatar, de acordo com o que vamos lendo na comunicação social. Será assim candidato a um segundo mandato (legalmente não poderá candidatar-se a um terceiro). Assumiu-se como independente antes de ser eleito.

Tenho-me lembrado da poetisa Natália Correia Guedes, que lhe tinha dedicado entre outros, este poema:

O Carochinha*

Dos voos de Marcelo, o transformista,
em doméstico dom repousa a asa:
farto de andar ao trapo e ser fadista
torna-se modelar dona de casa.

Na modéstia exemplar dessa roupeta
– Ó eleitoral, virtuosa esfalfadeira     

de ser dono de casa lisboeta! –
vai Marcelo às mercas na Ribeira,

enche a despensa, lava a roupa é cozinheiro,
cose a meia, faz tricot, varre a casinha.
Por fim, põe-se à janela e diz faceiro:
Quem quer casar com a carochinha?

O que recordaremos desse primeiro mandato? As ditas selfies? O dito afecto? A conversa da treta? As aparições na praia? O “colinho” ao actual Governo? Tancos? A não recondução, vergonhosa, diga-se, da  PGR? Os incêndios? Os mortos? O País? Os Portugueses? Fraca herança, comparativamente com qualquer dos anteriores Presidentes.

Será reeleito para o tal segundo mandato.

Regresso a Natália Correia Guedes:

Requiem por Marcelo**

O ingrato que em mim tinha cantora,
torna-se chatamente, sorumbático:
de truão despe o fato e entra agora
na enfadonha pele do catedrático.

Mudos que são os guizos de Marcelo,
já nenhum som que o chiste inspire, escuto;
sepultada a pilhéria no capelo,
meu jocoso cantar visto de luto

Ó ingratidão que já não me entretém,
do riso astro cadente, ó meu enfado!
Adeus Marcelo, aqui deixo um requiem
pelo bubónico artista reformado.

**Natália Correia, O Sol nas Noites e o Luar nos Dias II, Círculo de Leitores, 1993

*Sá de Miranda, Poema “Quando Eu, Senhora, em Vós os Olhos Ponho”