As más pessoas e as boas obras

Um velho amigo aparentemente desaparecido, porque a morte é uma aparência desmentida pela memória, contou-me que, estando em Paris, nos anos 60, teve oportunidade de conhecer um escritor que idolatrava, tendo pedido a um amigo comum que lho apresentasse. Esse amigo não o fez, alegando que o escritor era uma pessoa extremamente desagradável, o que iria fazer com que o meu amigo, por causa da pessoa, passasse detestar o escritor.

Não há cirurgia que seccione as facetas das pessoas de modo a conseguirmos esquecer aquilo que é censurável ou condenável.

Hoje, Maradona faz 60 anos. Confesso que sempre o detestei, também por jogar pela Argentina, a selecção que derrotou a minha Holanda de 1978 e deu glória a um ditador execrável. Depois, o próprio carácter de Maradona fez o suficiente para que o detestasse, levando-me a ser adepto de qualquer clube ou selecção que fosse seu adversário. Penso, aliás, que não gostaria de ir beber um copo com Diego.

A verdade, no entanto, é que Maradona é o melhor jogador que vi nos quarenta anos que levo de espectador e apaixonado do futebol. É igualmente verdade que, desejando sempre que perdesse, fiquei muitas vezes maravilhado com as obras de arte que eram os passes, as fintas, os golos, o mero gesto de parar a bola. [Read more…]

A actual aplicação do Acordo Ortográfico de 1990 para totós

Efectivamente,

«Desporto pára quase todo este fim-de-semana: conheça as exceções».

Exactamente,

«representando um elo potenciador do contato e da transferência de conhecimentos para a sociedade».

Os meus agradecimentos ao excelente leitor do costume.

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Para o Brasil

Inácio Ramires acompanha D. João VI ao Brasil como Reposteiro-Mor, negocia em negros, volta com um baú carregado de peças de ouro que lhe rouba um Administrador, antigo frade capuchinho, e morre no seu solar da cornada de um boi.
Eça de Queiroz

And I want the rest of you cowboys to know something, there’s a new sheriff in town. And his name is Reggie Hammond.
Reggie Hammond

Francesco Bartolozzi. Departure of his R.H. the Prince Regent of Portugal for the Brazils: the 27.th November 1807. 1807. Gravura: água-forte. (https://bit.ly/2HKQiAZ)

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Segundo o Expresso, Luís Faro Ramos «fez o balanço dos três anos em que exerceu o cargo de presidente do Camões I.P., que deixa esta sexta-feira». Portanto, sendo hoje quarta-feira, Faro Ramos tem ainda cerca de 48 horas para responder à pergunta que lhe fiz há quase quatro meses:

Quais os números?

Agradecido.

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The Handmaid’s Trump

Em 2016, a 10 meses do final do seu mandato, a maioria republicana no Senado impediu Barack Obama de substituir o falecido juiz Antonin, do Supremo Tribunal. O líder dos republicanos, Mitch McConnell, justificava a decisão com o argumento de que os eleitores teriam uma palavra a dizer, pelo que a substituição do juiz do Supremo só deveria ocorrer após o acto eleitoral marcado para o final desse ano.

Quatro anos volvidos, Donald Trump nomeou Amy Coney Barrett, na sequência do falecimento da icónica Ruth Bader Ginsberg, a menos de um mês das presidenciais. O ainda líder dos republicanos, Mitch McConnell, bem como a bancada republicana no Senado estado-unidense, nada tiveram a opor. Os eleitores, esses, nada puderam ou tiveram a dizer.

Desta forma, cumpriu-se a vontade de Donald Trump, que nomeu o seu terceiro magistrado vitalício na mais alta instância jurídica dos EUA, ampliando a maioria republicana no Supremo. Uma maioria com a qual o presidente conta para invalidar uma possível vitória de Joe Biden na secretaria, plano em marcha há várias semanas, assente na narrativa da fraude eleitoral.

O cerco está montado. Mesmo que Biden vença as eleições, o Supremo Tribunal dos EUA será uma força de bloqueio à governação do novo presidente. E com três juízes nomeados por Trump, a última das quais uma ultraconservadora membro da People of Praise, uma organização fundamentalista católica que advoga, por exemplo, que as mulheres se devem submeter à vontade dos seus maridos, o cenário não é nada animador. Após vários episódios verídicos de Black Mirror, a realidade parece apostada em reproduzir The Handmaid’s Tale.

Os nossos hipócritas e cobardes governos

Para quem ainda tinha dúvidas, este esclarecedor artigo no Público providencia uma amostra da subserviência dos governos europeus perante as multinacionais e do desprezo com que os mesmos governos presenteiam os cidadãos.

Em causa está “O estranho e secreto veto à lei contra a evasão fiscal pelas multinacionais”, lei essa que deverá “tornar mais transparente a evasão fiscal por parte das empresas transnacionais. Essas empresas (como a Google, o Facebook, a Amazon ou a Apple, entre outras) registam os seus lucros em países, como a Irlanda, onde as taxas de imposto são particularmente baixas, apesar de gerarem a maior parte do volume de negócios noutros países. (…) “A Comissão Europeia estima que isto custe aos cofres públicos dos países da UE até 70 mil milhões de euros por ano, ou seja, quase metade do orçamento anual da UE.[Read more…]

Eu cá, Tu lá

João L. Maio

O Bloco de Esquerda já sabia, antes de sequer iniciar qualquer negociação, que o Governo iria fazer os malabarismos do costume para sair a ganhar das negociações para o Orçamento de Estado para 2021 a todo o custo. Fê-lo nos outros orçamentos e este não seria excepção. Tem por hábito o PS baralhar e dar a bel-prazer. Mas o BE não cedeu a chantagens ou a ameaças de crise política, quando a bola esteve sempre do lado do Governo.

Não nego que votar contra o OE’21 é incoerente com o caminho que vinha sendo traçado até aqui desde 2015, com altos e baixos, mas com uma solução de esquerda para Portugal. Mas ficou claro, durante estes últimos cinco anos, que só um partido ganhou com a “geringonça” e esse foi o Partido Socialista.

Depois de reveladas as posições do PCP e do PAN, e tendo quase por certo que bastarão os 108 deputados da bancada socialista e o voto a favor de uma das deputadas não-inscritas (ou do PEV) para o orçamento passar, o Governo ficou com a certeza que não precisava do BE para nada. Posição que, aliás, sempre pareceu demonstrar. A altivez com que António Costa e outros membros do PS se referem e dirigem ao BE não mostra abertura à negociação, antes uma postura autoritária baseada no “eu quero, posso e mando”. Mas, em democracia, não é assim que funciona; e o PS devia sabê-lo melhor do que ninguém. [Read more…]

O Bloco de Esquerda portou-se bem

«Este OE falha na questão mais importante do nosso tempoEfectivamente.

Comunismo nunca mais!

A luta pela liberdade não tem donos. Há 64 anos, começava a luta do povo húngaro contra o comunismo. Aqui fica uma música italiana que homemageia quem luta por um povo livre.

 

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Comunismo nunca mais!
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Na República Checa

Ministro da Saúde demitido por organizar reunião num restaurante. Quer se concorde ou não com as medidas, pelo menos não há dois sistemas num país só.

A Era do Cancelamento

Tantos séculos a evoluir, a quebrar barreiras e a tornar as sociedade mais livres. Começamos pelas liberdade grupais, passando para as liberdades individuais. Começamo-nos a perguntar como tornar as pessoas mais livres, um mundo mais justo e menos desigual. Eliminamos preconceitos e fizemos progressos. Consideramos que os nossos antepassados estavam errados, mas não acho que seja certo dizer isso, pois eu espero que os meus netos me considerem retrógrado. É sinal que a geração deles conseguiu tornar as pessoas ainda mais livres. [Read more…]

Prefiro o Charles

Quanto apostam que amanhã vai haver trocadilho com a Teoria da Evolução nos jornais desportivos?

Concordo com Martins e discordo quer de Mendes, quer do Expresso

Spanish /t/ is dental and English /t/ is alveolar, and the dental articulation leads to different formant transitions, particularly in the F2 of subsequent high vowels.
— Kissling (2015)

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Foto: Tiago Miranda (https://bit.ly/31nsudF)

Não há qualquer «combate de palavras». Aquilo que há é indiferença e incompetência em relação às palavras. Eis o problema. Por exemplo, se alguém quiser ser Director do Serviço de Planeamento, Contratualização e Controlo de Gestão da Unidade Local de Saúde de Matosinhos, E. P. E., só poderá obter “informação adicional” através de contato. E isso, francamente, é inadmissível. Por esse motivo, concordo com Martins e discordo de Mendes.

Obviamente, os leitores do jornal A Bola acharão [Read more…]

Felizmente, o Papa Francisco não lê o Diário da República

«Papa Francisco defende uniões de facto em casais homossexuais». Exactamente. Efectivamente.

Obrigado, Cavaco!

Na capa do DN desta semana, o homem que foi financiado várias vezes pelos Espírito Santo, e que, talvez por isso, nos assegurava, a poucos dias do início da derrocada, que o BES estava sólido, posa em frente ao seu elefante branco, que derrapou qualquer coisa como 500%, não se aproximando, ainda assim, do assalto que alguns criminosos seus amigos protagonizaram via BPN, com o qual Cavaco fez bom dinheiro através da compra e venda de acções. Se Portugal é lanterna vermelha do Euro, não podemos deixar de lhe agradecer o inestimável contributo.

Discordo de Ana Catarina Mendes

De facto, uma nova proposta de Orçamento não «representa também uma irresponsabilidade».

Concordo com Catarina Martins

Efectivamente, «o Orçamento do Estado não tem condições para ser viabilizado».

Uma boa noite para todos…

Menos para os sportinguistas!

A directora do Agrupamento de Escolas Escultor Francisco dos Santos quer que os encarregados de educação tirem selfies:

«Solicito que se retrate, o que ainda não fez».

Livre arbítrio e imposição coerciva: descubra as diferenças


Faz-me imensa confusão, esta comparação disparatada entre a possibilidade do governo nos enfiar uma app telefone adentro, transformando agentes de segurança em monitorizadores de telemóveis, e os dados que entregamos voluntariamente aos Facebooques da vida. Será assim tão difícil de perceber a diferença entre uma imposição coerciva e uma decisão pessoal e voluntária?

Sejamos sérios: se eu, ou qualquer um de vocês, decide entregar informação pessoal a uma plataforma digital, bem ou mal, é de uma escolha livre que se trata. Uma escolha que pode ser revertida a qualquer momento. Se um governo decide impor uma aplicação, fazendo uso de multas e de patrulhamento policial, é o espírito da democracia que está a ser posto em causa. São os nossos direitos, liberdades e garantias que estão na prancha. [Read more…]

Empresas estratégicas

And Now For Something Completely Different, como é que está a reintegração daquele funcionário do PC ilegalmente despedido?

E se…

E se desse jeito haver um tema que desviasse a atenção da discussão do Orçamento de Estado?

Sei lá, por exemplo uma proposta possivelmente inconstitucional, como por exemplo meter a policia a ver as apps que a malta instalou no telemóvel.

Polónia Fora do Armário

 

A Polónia enfrenta vários ataques à democracia, principalmente pela forma que são tratadas as pessoas lgbt. Ao contrário de Portugal, é urgente travar esta situação. Em 2020, na Europa que sempre foi pioneira na defesa pela democracia, não podemos permitir que haja zonas livres de lgbt. Assobiar para o lado não é solução e há pessoas a verem os seus direitos renegados devido à sua identidade. Convido todos, independentemente da ideologia política, a assinar esta petição do LIVRE.
Não podemos permitir que a Liberdade e a Democracia estejam ao sabor de ideologias.

Conan Osíris…

está dispensado de instalar a app StayAwayCovid.

Um novo rumo

Ninguém pára para pensar.
Elis Regina

Das Mißverhältnis aber zwischen der Größe meiner Aufgabe und der Kleinheit meiner Zeitgenossen ist darin zum Ausdruck gekommen, daß man mich weder gehört, noch auch nur gesehn hat.
Nietzsche

On ne vit pas dans un espace neutre et blanc ; on ne vit pas, on ne meurt pas, on n’aime pas dans le rectangle d’une feuille de papier.
Foucault (pdf)

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Uma das hipóteses para a existência de contato num documento publicado no Diário da República é a redacção ter sido feita por um escrevente de português do Brasil ou por alguém que tenha tenha passado os anos formativos no Brasil ou em ambientes onde o português do Brasil era a língua dominante. É uma hipótese remota, mas as hipóteses remotas são as mais interessantes e são obviamente sempre excluídas à partida por quem escreve Orçamentos do Estado com os pés. Todavia, esta tese não se aplicará ao documento que hoje vos apresento, publicado no sítio do costume, no exacto dia em que os muito respeitáveis Nietzsche e Foucault fazem 176 e 94 anos,, respectivamente.

A razão é simples: [Read more…]

A pandemia não explica nem pode desculpar tudo

Há uma condição “sine qua non” para a democracia: a existência de um estado direito. Um estado de direito como modernamente é considerado, assente no reconhecimento de direitos fundamentais, na igualdade de todos perante a lei e, normalmente, também no princípio da separação de poderes de Montesquieu (executivo, legislativo e judicial).

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Leis e multas, a pseudo-solução do costume – agora com agravante

É um filme que se repete a cada novo problema. O governo em funções faz uma lei, define multas exageradamente altas e considera-se o problema resolvido.

Todos os governos têm recorrido a esta pseudo-solução. O governo de Costa, sendo reincidente, dá agora um passo além da habitual sonsice do faz de conta.

A ideia de colocar em lei a obrigação de instalar software no telemóvel pessoal faz lembrar o pior de regimes totalitários como a China.

Além das questões da eficácia desta tecnologia, há duas questões profundas associadas.

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A Própria

Tive de ir reconhecer a minha assinatura. Eu própria tenho, com frequência, dificuldade em reconhecê-la, por isso sempre me pareceu injusto esperar que outra pessoa o fizesse por mim, mas a 20 euros por reconhecimento, também eu era capaz de pôr mais afinco nesse esforço. A pessoa que deveria reconhecer a minha assinatura nunca me tinha visto mais gorda, nem eu a ela, e quando lhe perguntei se queria que eu afastasse a máscara para comparar-me com a foto do Cartão de Cidadão, negou com um ímpeto como se eu tivesse acabado de propor lançar-lhe gás Sarin para a secretária. Já não insisti.

Como seria de esperar, lançou-me aquela frase tenebrosa:

vVai assinar exactamente como no documento de identidade. [Read more…]

Contra o Orçamento do Estado para 2021

Ik dacht dat het Frans was.
Eddie Van Halen (1955-2020)

Depending on one’s viewpoint and the context, one might think that either λ= 1 or δ=1 or perhaps λ=δ=1 best defines an independent sales agent. This language problem is not significant for us.
— Holmstrom & Milgrom (1994)

In common usage, reputation is a characteristic or attribute ascribed to one person (firm, industry, etc.) by another (e.g., “A has a reputation for courtesy”).
— Wilson (1985)

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Foto: Nuno Ferreira Santos (https://bit.ly/371rkrF)

Um dos aspectos mais salientes da Teoria dos Leilões é um leilão gerar mais rendimento ao vendedor quando cada um dos licitadores tem uma ideia correcta acerca dos valores estimados pelos outros licitadores durante a licitação. Em Portugal, desde 2012, um dos aspectos mais salientes dos Orçamentos do Estado é estes serem escritos com os pés. Efectivamente: 2012, 2013, 2014, 2015, 2016, 2017, 2018, 20192020.

Recolhamos uma pequena amostra (sublinho: pequena e amostra), debruçando-nos sobre apenas alguns dos momentos mais hilariantes do OE2021 Proposta de Lei e Relatório (pdf), um documento ridículo, mas apresentado com pompa e com uma seriedade que só poderá convencer aqueles que dedicam pouco tempo à leitura:

«caraterísticas sexuais» (p. 139) [Read more…]

Buraco negro a devorar uma estrela

Ocasião rara de observação de uma disrupção ocorrida há 215 milhões de anos-luz da Terra e estudada com um detalhe sem precedentes.

A bolsa ou a vida?

Num mundo em que a econometria é a fita métrica de tudo, nada pode estar fora da economia, tudo é PIB, crescimento e outras virtudes absolutas. A economia, já se sabe, passou a viver convencida de que é uma ciência exacta, esquecendo-se das suas raízes humanas e sociais. Aliás, deixou de se falar em sociedade, porque tudo é economia.

Nesta visão dominante, o que dá vida à economia são as empresas. Tudo o resto é, na prática, considerado um peso que as empresas, estoicamente, arrastam às costas. Deste modo, poderemos dizer que a sociedade precisa de serviços públicos, como escolas ou hospitais; a economia diz-nos que os serviços públicos são parasitas (a não ser que escolas e hospitais sejam privados ou privatizados – aí, passam a ser economia, mesmo que não sirvam uma grande parte da sociedade).

Viver em pandemia ou com pandemia acrescentou problemas às certezas absolutas que subordinam tudo à economia. Se é verdade que o confinamento afecta a economia, não é menos verdade que o vírus afecta a sociedade (e também a economia). [Read more…]