Sobre a expressão “as pessoas em casa”

Apesar de a Carla Romualdo, com o irritante brilhantismo do costume, já ter glosado esta expressão, numa rede social felizmente perto de mim, deixo aqui o meu contributo. Ou contribruto.

O mundo da comunicação social está pejado de gente que sabe tudo aquilo que sentimos e está a par de tudo o que desejamos, para além de saber muito bem, talvez melhor do que nós, o que é que sabemos.

É vulgar, portanto, ouvir frases como “As pessoas em casa não compreenderiam que…”. Ouvi-a recentemente na boca de um político que consegue ser a pior versão das más versões dos políticos que temos.

Pergunto-me sempre como é que esta gente sabe o que é as pessoas em casa compreenderiam ou não compreenderiam. Sonho com o dia em que um telespectador ligue para um programa em que o público participa para comunicar que está em casa e ninguém sabe o que é ele compreende ou deixa de compreender e que agradecia que deixassem de falar dele ou por ele.

Uma variante desta frase tem um alcance ainda maior, porque não se limita à casa. É uma frase que vai pelas ruas, pelas avenidas e colhe, qual touro holístico, qualquer cidadão esteja ele onde estiver.

Essa frase tanto é usada por políticos como por concorrentes do Big Brother e pode assumir inícios como “Os portugueses sabem que…” ou “Os portugueses sentem que…”. Não há relativização, não há excepções, os emissários de tais frases incluem nos seus enunciados todos os portugueses, como se os conhecessem de ginjeira, incluindo a residência com número da porta e código postal, o restaurante da diária costumeira e a série preferida.

É verdade que somos um país pequeno, mas  ainda deve haver um ou dois cidadãos de que nunca ouvimos falar e cuja opinião ou sentimentos não conhecemos. 

Comments

  1. Anonimo says:

    Claro que não se deve generalizar. Há que detalhar.
    Portugueses de bem. Os trabalhadores. Os contribuintes. Os portugueses de esquerda. Os liberachos. As portuguesas. Os esclarecidos que não qualquer coisa gelados na testa.

  2. É natural; se o sistema politico-económico assenta na racionalidade do homo-economicus em gerar expectativas acertadas face às decisões, este deixa de existir enquanto actor político, passando a mais um mecanismo automático e auto-regulador do sistema.
    Que tudo demonstre o ridículo da ideia não é relevante, nem sequer que, sendo auto-regulador, passem a vida a discutir que fios puxar para que auto-regule no sentido correcto.

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