Notas sobre o calimero: o uso da expressão “dois pesos e duas medidas”

O calimerismo futebolês consubstancia-se numa série de expressões fixas que, grosso modo, servem para deixar claro que a nossa equipa é sempre prejudicada pelas arbitragens e/ou por outras entidades mais ou menos obscuras, como a Federação, a Liga ou uma outra sociedade secreta qualquer.

A injustiça de que somos alvo resulta sempre do facto de que somos os enteados prejudicados pelo benefício conferido aos filhos ou que estamos sempre à sombra, quando outros andam constantemente bronzeados.

Diante dessas injustiças, que, para cúmulo, são frequentes e exclusivas, o calimero calejado recorre habitualmente à expressão “dois pesos e duas medidas”. Os outros têm a leveza e a suavidade do benefício; nós suportamos toneladas e hectolitros de subtracções clínicas, desde o penálti sonegado até ao furto do VAR.

O calimero, de uma maneira geral, está plenamente convencido de que tem toda a razão, mesmo quando sabe que os adeptos dos adversários usam exactamente o mesmo, por assim dizer, argumento. É claro que há uma diferença, do ponto de vista do calimero: todos dizem o mesmo, mas só nós é que temos mesmo razão – a expressão fixa é vazia na boca alheia e cheia de significado no nosso lábio que faz um beicinho plenamente justificado.

Fica uma lista de ligações em que se faz uso da expressão “dois pesos e duas medidas”. É divertido, mas nunca será instrutivo.

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O que acontece a quem comete uma ilegalidade?

O Tribunal da Relação considerou ilegal a definição de serviços mínimos para as greves dos professores de 2 e 3 de Março.

Já se sabe que impor os serviços mínimos a uma greve às aulas é indecente, para usar um eufemismo já pouco simpático. De qualquer modo, isso só poderia ser um problema para quem sentisse vergonha.

A partir do momento em que essa imposição foi considerada ilegal, a pergunta é: o que acontece a quem comete uma ilegalidade?

Tanto mar

«Por causa das novelas percebemos perfeitamente o português do Brasil, mas o que temos mesmo pena é de não falarmos com o vosso sotaque”, disse António Costa.», “Público”, 24-04-2023

 

No dia em que Chico Buarque, um dos meus compositores favoritos, recebeu o Prémio Camões, soube que o primeiro-ministro do meu país, numa cerimónia oficial, confessou ao chefe de Estado do Brasil que nós, portugueses, temos pena de não falarmos com sotaque brasileiro. Pelo que ouço dizer, há brasileiros que defendem que o português correcto é aquele que é falado em Portugal, o que quer dizer que há muita gente a dizer disparates dos dois lados do mar. Pelo pouco que sei, o Brasil tem sotaques que nunca mais acabam, mas António Costa deve estar a pensar naquele que é usado nas telenovelas.

Entendamo-nos: eu e o meu país somos circunstâncias que acontecemos um ao outro, para sorte e azar de ambos. Não me acho nada de especial por eu ser eu e por eu ser português. Isto de ter uma nacionalidade é um casamento de conveniência que pode parecer de amor, mas é só um acaso, como é o caso do amor, a não ser para quem acredite no destino ou num deus que tenha tudo planeado, incluindo o momento em que havemos de tropeçar nos braços que queremos abraçar.

O Brasil, falado, cantado e escrito faz parte da minha vida. Tenho horas de músicas, dias de filmes, semanas de telenovelas, meses de livros, anos disto e daquilo. Nos últimos anos, tenho tido dezenas de alunos brasileiros, calorosos, engraçados, simpáticos, com direito a debates vivos sobre o ouro que roubámos ou não, com divertidos confrontos sobre pronúncia e escrita. Há muitos anos que não é possível ser-se português sem se ser brasileiro. E americano. E inglês. E francês. E italiano. E espanhol. [Read more…]

Luta dos professores – um vídeo do Ricardo Silva

Mais uma vez, vale a pena ouvir a voz esclarecida e apaixonada do Ricardo Silva.

Apesar de o vídeo ser muito mais interessante do que qualquer coisa que eu escreva, não posso deixar de notar a minha dificuldade de compreensão.

Não compreendo a que sítio esconso se vai buscar uma pergunta em que se insinua que a emotividade possa ser um problema, como se fosse possível uma pessoa ter razões para se revoltar, ficando impassível ou como se sentir ou mostrar emoções nos retirasse necessariamente a razão.

Não compreendo como é que é possível a maior confederação de pais e de encarregados de educação do país estar contra a luta dos professores. Note-se que ‘compreender’, aqui, significa ‘considerar inaceitável’. A CONFAP tem razões que o coração desconhece.

Ide ver o vídeo, ide, que há razão e coração em doses perfeitamente equilibradas.

Não são os “pais”, é a CONFAP

Pais pedem aulas extra para compensar efeitos das greves de professores

Chega elogia o governo

Chega acusa governo de atitudes “pidescas”.

Luta dos professores – ligações com vídeos

A propósito da luta dos professores, aqui ficam três ligações com vídeos de intervenções do Paulo Prudêncio, do Paulo Guinote e do Ricardo Silva. Em comum, têm a clareza e a informação. Quem vir e ouvir, não poderá ignorar. É de lamentar, no caso do vídeo do Ricardo, a intervenção de um jurista que não apresentou argumentos jurídicos, e que, para cúmulo, acredita ou parece acreditar que é indiferente ser-se professor universitário ou do básico e do secundário.

Sem querer desvalorizar, de maneira nenhuma, outras vozes, é de louvar que as televisões dêem também visibilidade a professores a tempo inteiro. A surpreendente tenacidade da classe docente terá levado a que as televisões sentissem que não era possível ignorar estes contributos, em vez da redundância vazia de outros actores.

O governo, entretanto, continua na senda de fingir que está a negociar, prosseguindo, ao mesmo tempo, um caminho de destruição do sistema educativo. Tudo começou em 2005, no triste consulado de Maria de Lurdes Rodrigues. A perda da maioria absoluta do PS, em 2009, foi fraca consolação, uma vez que o rolo compressor não parou com Passos Coelho e António Costa, sendo indiferente o nome dos ministros da Educação, simples tarefeiros que se limitam a demolir, cumprindo ordens.

Piada do dia

Maria de Lurdes Rodrigues escreveu uma crónica intitulada “Defender a escola pública”. Em breve, uma raposa irá publicar um livro intitulado “Defender o galinheiro”

Este velho caceteiro, dedicado companheiro

Talvez não fosse má ideia criar uma escola de estadistas, porque, na política portuguesa, há um excesso de palavrosos e de caceteiros. Uma pessoa olha em volta, vê sócrates, passos, portas, costas, marcelos e não encontra um estadista, um bocadinho de gravitas que seja.

Santos Silva, que, actualmente, é, pasme-se!, a segunda figura do Estado e putativo candidato a Belém, não destoa.

O actual Presidente da Assembleia da República é um antigo guterrista e socratista reciclado, tal como António Costa, aliás. Se a uns lhes foge o pé para a chinela, a mão de Santos Silva foge-lhe para o cacete, por muito que se disfarce de fato e de gravata. Como mau democrata, se é contrariado o poder que defende ou que exerce, só pensa em bater.

Há uns anos, quando era ministro de Sócrates, ao ser confrontado com protestos de professores, declarou que estes não distinguiam «entre Salazar e os democratas», o que, curiosamente, o afastou do lado dos democratas. Recentemente, criticou, a propósito da greve dos professores, o «modelo anarco-sindical» de «sindicatos recentes» (é claro que, antes disso, disse que as pessoas têm direito a protestar, sim, mas), recorrendo a uma estratégia suja que pretende apenas desacreditar as críticas, não contribuindo, por puro desinteresse, para a resolução dos problemas dos professores, que são, também os problemas da Educação. Tudo isto é triste, tudo isto é fado, tudo isto é costume.

Os professores e a simpatia da opinião pública

Só devemos falar daquilo que nos preocupa. Marcelo Rebelo de Sousa não está preocupado com os professores.

Há poucos dias, deixou escapar um pequeno pontapé na semântica, mas percebe-se o que quis dizer. O Presidente afirmou que a “simpatia da opinião pública pode virar-se contra os professores”.

Curiosamente, Marcelo é especialista em ser simpático contra outros, parecendo que está a ser simpático com outros. Sobre os problemas dos professores não tem uma palavra que não seja muito redondinha ou muito previsível.

O que Marcelo quis dizer, na verdade, é que os professores poderão perder a simpatia da opinião pública.

Tem toda a razão e até acredito que os professores estejam preocupados com isso. Por outro lado, quando alguém está convencido da justeza da sua luta, é natural que deixe de se preocupar com a simpatia dos outros.

Blanche Dubois sempre dependeu da bondade de estranhos, mas não acabou bem. As sufragistas, por outro lado, não se deixaram abalar pela antipatia da opinião pública.

Há muitos sítios onde enfiar simpatias desnecessárias.

PSD e PS ou o festival das falsas equivalências

Já se sabe que o Chega é um conjunto heteróclito de descontentes e/ou de oportunistas que, independentemente de tudo, não apreciam o jogo democrático e nem sequer o disfarçam, grunhindo ameaças sob a capa de uma alegada frontalidade politicamente incorrecta que é só vontade de bater em quem tem ideias contrárias.

Os melhores amigos da cheganada estão no Partido Social talvez Democrata e no Partido dito Socialista. As últimas letras das siglas parecem andar a perder força. O PSD continua a namorar o Chega, não vá dar-se o caso de os dois copularem e conceberem maioria; o PS continua a viver dos rendimentos que o namoro dos outros lhe proporciona, esvaziando uma esquerda que não sabe por onde subir.

Miguel Pinto Luz, vice-presidente do PSD, esteve na convenção do Chega e sentiu-se na obrigação de se justificar. Foi fácil: disse que o Chega estava para a direita como o Bloco de Esquerda estava para a esquerda, uma gente radical e barulhenta. Antevê-se o milagre: o PS aliou-se com o Chega de esquerda? O PSD aliar-se-á com o Bloco de direita.

António Costa Silva, ministro da Economia e do Mar, apresentou no Parlamento um país que parece estar melhor do que as pessoas (nota-se aqui um aroma a Montenegro?). Quando Mariana Mortágua criticou a ausência dos problemas salariais no discurso do ministro, este acusou-a de ser retrógrada, inimiga das tecnologias, no exercício velhinho de confundir alhos com bugalhos. [Read more…]

Vídeo exclusivo! PS, PSD, IL e Chega defendem os professores e a Escola Pública!

cabotino

ca.bo.ti.nokɐbuˈtinu

nome masculino

1.
actor ou comediante itinerante
2.
depreciativo actor ou comediante sem qualidade

adjectivo, nome masculino

figurado, depreciativo que ou indivíduo que procura atrair atenções alardeando as qualidades que, suposta ou realmente, possuivaidoso, presunçoso
Do francês cabotin, «idem»

Lambe-botismo em cama de humor

Ariana Cosme e Rui Trindade escrevem, hoje, dia da manifestação dos professores em Lisboa: «Está na hora de se reconhecer que este Governo e este ministro são, afinal, os melhores interlocutores que os professores e os seus sindicatos poderiam ter.»

Direito à greve, sim, mas, repetem eles

Manuel Carvalho, director do Público, é mais um dos adeptos do direito à greve, mas. No seu editorial de hoje, pretende dar lições de ética aos professores, antecipando o desagrado da opinião pública. Haveria muito para comentar, mas o naco que se segue já é suficiente:

Uma greve de um dia, dois dias ou uma semana, seria inatacável do ponto de vista dos princípios. Exporia ao país sentido de urgência e empenho num combate. Levaria os cidadãos a interessar-se pelas suas causas. A substância do protesto seriam essas causas, não os expedientes de uma paralisação às pinguinhas.

Manuel Carvalho defende, portanto, greves cujo efeito é folclórico e nulo.

Na realidade, as greves de um dia diluem-se em argumentações estéreis acerca dos números de adesão, nunca levaram os cidadãos a interessarem-se pelas causas dos professores e nunca, mas nunca, levaram o Ministério da Educação a mudar, a não ser em meia dúzia de tretas sem importância. Desde 2005, os professores (e sobretudo a Educação) têm acumulado derrotas, mantendo-se, entre muitas outras monstruosidades, um sistema de (pseudo-)avaliação que só serve para impedir que a maioria dos professores progrida na carreira, a subtracção de tempo de serviço, o abuso que consiste em não efectivar professores que andam a ser contratados há 20 anos ou contas manhosas que mantêm as escolas com défice de funcionários.

Manuel Carvalho não se preocupa com nada disso, é um cidadão que não se preocupa com Educação nem com a luta justa dos professores. Para Manuel Carvalho, como para muitos outros, lutar, sim, mas baixinho, que queremos dormir.

Direito à greve, sim, mas, dizem eles

Governos, instituições e pessoas reconhecem o direito à greve, mas, quando há uma greve, os governos, as instituições e algumas pessoas tendem a criticar a prática da greve ou porque estão a decorrer negociações ou porque irão decorrer negociações ou porque as afirmações ainda são meras propostas ou porque a greve – esta é a minha favorita – está a incomodar as pessoas.

Fica-se com a impressão de que a greve deveria ser apenas um adorno legislativo que servisse para provar a existência de democracia, deixando-se ficar quietinha e bonitinha na letra da lei, sem se sujar na rua.

Está a decorrer uma greve de professores, para fingido espanto e aparente revolta de um ministro alegadamente ofendido com as mentiras que os grevistas dizem, estratégia habitual deste e de muitos ministros que o antecederam

O discurso que reconhece o direito à greve, mas já está em vigor, como se pode notar num texto da Federação das Associações de Pais do Concelho de Gaia. Realço esta pérola: «Entendemos que os professores têm direito à greve como um direito inabalável consagrado na Constituição Portuguesa. O que nos parece mais difícil de aceitar é o modelo de greve que tem como objectivo causar grandes alterações à vida dos alunos e pais com um custo muito baixo para quem a faz.» Como diria Vasco Santana, “Desculpa que te diga, mas és um ilusionista!”

Alexandra Reis e Georgina Rodriguez

Andam para aí a dizer que Alexandra Reis recebeu uma indemnização milionária, mas a verdade é que mal chega para oferecer um Rolls ao marido.

A ERC e a lei das compensações

 

 

Tendo em conta as preocupações recentemente manifestadas, a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), face a este gráfico, retirado da marktest, irá, com toda a certeza, exigir que haja uma compensação, por exemplo, para alguém do Partido Comunista Português. Pelo meio, até podemos fazer de conta que os principais espaços de comentário não estão ocupados por figuras do arco da governação, com uma forte inclinação para a direita. Enfim, isto é o comunismo, meus amigos.

Selecção nacional: professores e jogadores

Os professores e os jogadores da selecção nacional de futebol têm algumas coisas em comum, começando, de uma maneira geral, pela nacionalidade e por outros pormenores como membros inferiores e superiores acompanhados por órgãos e vísceras.

Professores e jogadores estão ao serviço do país, esperando-se que todos sejam sérios e exigentes quando desempenham os respectivos papéis. Há uma diferença: os professores não ganham internacionalizações de cada vez que dão uma aula.

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Boris Johnson

Ainda tem muito para dar ao país, terá dito Marcelo Rebelo de Sousa.

Associação de Professores de Português reconhece que o AO90 falhou

Nota inaugural: no final do texto, há hiperligações gratuitas.

Uma vez que há alunos brasileiros que têm sido penalizados na classificação de exames de Português por escreverem de acordo com a variante que aprenderam, a Associação de Professores de Português (APP) defende a criação de um grupo de trabalho para discutir aceitação de variedades de português em exames.

Não vejo mal nenhum em reflectir sobre o assunto, porque devemos defender o elo mais fraco, que, neste caso, é o aluno imigrante. Haverá várias questões a ponderar, mas a preocupação é legítima, embora não me pareça que o problema seja assim tão fácil de resolver. O que me traz hoje aqui, no entanto, é outra coisa.

Convém lembrar que a APP esteve sempre do lado da defesa do chamado acordo ortográfico (AO90), essa oitava maravilha do mundo que, segundo os seus diversos apóstolos, iria contribuir para a tão desejada «unificação ortográfica» que resolveria problemas que nunca existiram. Resolver problemas que não existem é, aliás, uma característica talvez tipicamente portuguesa. [Read more…]

A democracia, essa estranha, segundo Luís Montenegro

Luís Montenegro veio pedir “de forma muito serena”

(adoro este tique retórico dos políticos que precisam de explicar em que tom estão a falar enquanto falam no tom em que estão a falar, usando sempre adjectivos como sereno, frontal, firme. Imagino sempre isto transferido para o mundo da intimidade sexual, com os amantes a declararem que estão ofegantes de desejo enquanto ofegam ou outras coisas que os amantes costumem fazer lá no mundo dos amantes)

que Augusto Santos Silva exerça a sua “magistratura de influência parlamentar” de modo a que se concretize a eleição do candidato do Chega à vice-presidência da Assembleia da República. Se Santos Silva aceder e se a sua influência for assim tão grande, iremos assistir a essa lição de democracia que consistiria em ver deputados a votar de acordo com a influência do Presidente da Assembleia.

(a gente sabe que os deputados votam conforme o que lhes é ordenado pelas direcções partidárias e essa é uma perversão da democracia praticada há muitos anos no parlamento, em nome de uma coisa ilegítima a que chamam “disciplina de voto”. O facto de a perversão estar instituída não quer dizer que deva ser sempre praticada. O poder de Santos Silva dentro do PS e, por força da maioria absoluta, do parlamento, é uma realidade e será, com certeza, parte activa na não-eleição da vice-presidência chegana) [Read more…]

O pobre da Jonet

O pobre também é uma pessoa e as pessoas são todas diferentes umas das outras, normalmente para pior. Há pobres e pobres, naturalmente, mas já lá iremos.

Para os privilegiados como eu, o pobre é uma abstracção que, às vezes, sai da sombra das ideias distantes e aparece nas esplanadas, a fazer aquelas coisas de pobres, como não ter tomado banho ou pedir dinheiro, que é algo que os pobres insistem em não ter, como o banho.

A consciência do meu privilégio obriga-me, de uma maneira geral, a perceber que mal posso imaginar o que seja ser pobre, porque, entre uma ou outra dificuldade, a comida está no prato e o colchão não é nada mau. Do mesmo modo, aprendi a ter vergonha de usar a palavra ‘fome’, quando o meu mal é ter saltado uma ou outra refeição porque fiquei à conversa com um amigo que, não por acaso, raramente é pobre.

Ser pobre implica, imagino eu, depois de raciocinar, ter dificuldades em pagar contas. Mais: implica frequentemente não conseguir pagar contas, negociar adiamentos, pedir empréstimos baixíssimos para ter luz em casa. O pobre e o dinheiro existem, mas raramente coexistem: onde está um, não está o outro, num jogo das escondidas em que o dinheiro raramente aparece, fugindo divertido enquanto o pobre está encostado a contar até dez, antes de ir à procura de um adversário tão esquivo.

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A minha Isabel II

Ponto prévio: a primeira de todas as Isabéis é a minha avó, que aparece aqui fotografada num dos seus muitos esplendores.

Não sou insensível a contos de fadas, até porque fazem parte da minha formação, sendo que, a partir de dada altura, tive de fazer um esforço para que não fizessem parte da minha deformação.

Não aceito, de qualquer modo, que esses contos de fadas sejam queimados em autos-de-fé politicamente correctos, porque também não me passa pela cabeça que as pirâmides egípcias sejam arrasadas para que os escravos ou os crentes (outra maneira de se ser escravo) que as construíram sejam compensados pelas vidas que perderam mesmo antes de morrer. É preciso aprender a viver com contos de fadas.

A rainha Isabel II, falecida de fresco, e a sua família fizeram parte de um conto de fadas com pessoas reais, que acompanhei na minha infância, em fotografias de jornais e de revistas cor-de-rosa. Como qualquer romântico incurável, maravilhei-me com casamentos que pareciam ter trazido os filmes da Disney para a realidade.

Depois, cresci devagarinho, descobrindo a humanidade dos divórcios, a inevitável fealdade da política (que não a torna menos necessária) e o parasitismo de mais uma família que era também uma atracção turística. [Read more…]

Da literatura à politiquice

Como é habitual num blogue plural como é o Aventar, se um dos autores for visado ou criticado, publica-se a crítica e o autor que se amanhe. É esta pluralidade mais uma das razões que me levam a sentir orgulho de fazer parte deste colectivo.

Assim, foi publicado um texto de Joana Fonte em resposta a uma crítica que fiz a um outro texto desta autora. Passarei, então, a comentar a resposta em que sou visado, um texto carregado de tresleituras e de outros problemas que passarei a enumerar.

  1. Da suposta crítica à referência às habilitações literárias e à filiação partidária

Em momentos diferentes do seu texto, Joana Fonte afirma que critico o facto de se apresentar como mestranda em Ensino do Português e militante do Bloco de Esquerda. Basta reler o meu texto para confirmar que a crítica não é essa. Esclareço, aliás, para quem for mais duro de leitura, que é absolutamente legítimo que a autora apresente os títulos que muito bem entender.

As minhas críticas são outras e passo a repeti-las, pedindo que se leia devagarinho: como mestranda em Ensino do Português, Joana Fonte deveria usar instrumentos que as áreas dos estudos literários e da história literária põem à sua disposição; como militante de um partido de esquerda, escolhe um caminho que, na minha opinião, configura uma perversão dos ideais de esquerda, acumulando com o facto de que esse desvio contamina a visão que Joana Fonte revela acerca de Literatura e de Educação.

2 . Do direito absoluto à opinião

Joana Fonte consegue depreender que eu, ao fazer uma referência implícita à sua juventude (pelo facto de ser mestranda), estaria a defender que a autora não tem capacidade ou experiência para participar neste debate. São, efectivamente, tresleituras em catadupa ou, pior, na minha opinião, reacções de quem não gosta de ser confrontada com opiniões contrárias. Reafirme-se, então, o óbvio: Joana Fonte, como qualquer pessoa num país democrático, tem todo o direito a escrever aquilo que pensa, o que, por outro lado, pode implicar concordância ou discordância. Efectivamente, discordo de quase tudo o que Joana Fonte afirma e penso que, na verdade, as insuficiências que revela estão também relacionadas com o facto de lhe faltar estudo e experiência. Ainda assim, repito: liberdade de expressão absoluta.

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E se não mexêssemos nos programas de Português?

Joana Fonte defende, no P3 de 21 de Agosto uma “revisão ao programa de Português”, começando por afirmar que, no ensino secundário, “há alunos que perdem o gosto pela disciplina de Português – se algum dia o tiveram.” Depreende-se, tendo em conta o objectivo da autora, que haverá uma relação entre o programa a rever e a perda de gosto de alguns alunos. Seria importante, a propósito, saber em que se baseia para afirmar que há alunos que perdem o gosto e, sobretudo, se são muitos, poucos ou nem por isso. Estará isso estudado ou é uma mera impressão pessoal?

Nesse mesmo parágrafo, surge um verbo muito usado em discursos sobre Educação, o verbo ‘identificar-se’: “Os e as estudantes lutam por conseguir identificar-se com a linguagem de Fernão Lopes, Gil Vicente, Almeida Garrett, Eça de Queirós, Luís de Camões e Fernando Pessoa.”

Esse ‘identificar-se’ está muito na moda no que se refere, repito, a uma determinada visão da Educação. É sinal de um pensamento que encara o currículo escolar como um conjunto de conteúdos que não causem nenhum estranhamento ao aluno, como se o estranhamento não fosse, entre outras virtualidades, um caminho para o conhecimento, com tudo o que esta palavra deve implicar, incluindo o exercício do espírito crítico (em tempos de proscrição de palavras e conceitos, é estranhamente fundamental reafirmar o óbvio). Assim, o aluno, na Escola, só deveria encontrar a sua própria identidade, como se a Escola fosse um simples espelho e não um território onde deverá encontrar desafios minimamente controlados. Ainda por cima, esta ideia de uma identificação é redutora sob variadíssimos pontos de vista, desde logo porque parte do princípio de que os alunos são um todo uniforme por pertencerem a uma mesma geração.

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Impingir a democracia, disse ele

«A escola deve ser democrática, mas não impingir a democracia.»
António Barreto

Eu talvez preferisse a ditadura à democracia, se fosse ditador vitalício, rodeado por uma guarda pretoriana e com direito a pensão completa. Seria um ditador benevolente, amigo do meu amigo. Os meus inimigos teriam, apesar de tudo, a possibilidade de me criticar, desde que o fizessem em silêncio, porque o barulho faz-me dores de cabeça. O meu retrato, como é óbvio, estaria em todas as salas de aula e todos os alunos ficariam a saber que sou uma pessoa naturalmente bondosa, desinteressada, inteligentíssima e modesta.

Não é necessário impingir as virtudes da ditadura, porque, como predadores que somos, sermos lobos uns dos outros está-nos na massa do sangue e isso nota-se todos os dias.

A democracia, por ser tão custosa, por nos obrigar a contrariar a natureza do animal, tem de ser imposta, criando reflexos condicionados que nos levem a perceber que a sociedade humana não é a selva em que queremos viver.

Apesar da minha vocação para ditador, impingiram-me a democracia ainda em tenra idade. Devo isso a algumas pessoas e instituições, nomeadamente à Escola, onde fui alvo de doutrinações mais ou menos explícitas, entre benignas e malignas, sentindo-me sempre protegido e exposto e, com alguma frequência, obrigado a exercer o espírito crítico que me levou a escolher um caminho, quando me mostraram tantos.

A obsessão da direita, incluindo a alegadamente moderada, com a doutrinação de que os alunos são alvo é muito divertida, como todas as coisas perigosas. A propósito de António Barreto, diria que ser senador não é algo que se escolha, é algo que nos é oferecido e que devemos rejeitar. Escolher um verbo como ‘impingir’ no contexto que usou é um direito que a democracia lhe concede, porque a democracia também aceita a parvoíce.

O porco e a lama

Uma das maneiras mais claras de ser desonesto consiste em fazer generalizações. Uma pessoa quer dar a sua opinião sobre um assunto, franze um sobrolho experiente e descarrega a sua generalização: os pretos, as mulheres, os ciganos, os homens, os professores, os médicos, os adolescentes, as enfermeiras, as crianças, os jovens de hoje em dia. Dessa descarga nascem injustiças, racismos vários e xenofobias laborais (porque há muita gente com certezas absolutas sobre profissões que nunca exerceu).

Macário Correia afirma que a maioria dos desempregados no Algarve não quer trabalhar. Por uma razão muito simples: Macário Correia conhece todos os desempregados algarvios, o que lhe permite chegar à conclusão de que a maioria não quer trabalhar.

Se Macário Correia não conhecesse todos os desempregados do Algarve, estaria a ser um porco que, ao refocilar na televisão, espalharia lama sobre milhares de algarvios, o que seria inaceitável. Macário Correia não quereria decerto estar ao nível de um católico como Pedro Mota Soares ou de um holandês que reduz tudo a gajas e vinho ou de um alegado jornalista.

De qualquer modo, quero que fique claro: os porcos não são todos iguais.

União Europeia?

Orbán fala sobre “raças puras” e não quer que húngaros pertençam a uma raça mestiça.

A melhor escola do país

A melhor escola do país é aquela em que os alunos não são seleccionados à entrada (por imperativos legais que, por coincidência, também são éticos), em que os alunos não são convidados a sair porque as notas baixaram (mais uma vez, por razões legais e éticas, extraordinária coincidência), em que os alunos são mantidos dentro da escola e das aulas, à custa do esforço e do risco de funcionários e de professores que falam, exigem, discutem, abraçam, debatem, convencem, vencem, sentindo-se frequentemente derrotados.

A melhor escola do país é aquela em que se consegue que um aluno assista a mais uma aula, que pegue finalmente num caderno mesmo que se recuse a escrever, que se esqueça, por instantes, de que tem o pai na prisão, a mãe a drogar-se em casa e os irmãos sozinhos, entre uma galáxia de problemas que afectam qualquer ser humano que é obrigado a perder inocência demasiado cedo ou que não tem a mínima possibilidade de estar isolado no luxo de um quarto individual.

É a escola em que se consegue que um aluno assista, pela primeira vez, maravilhado, a uma peça de teatro, ou que o leve, pela primeira vez, a visitar uma cidade (que pode ser aquela em que vive e não conhece) ou que o leve a entrar, pela primeira vez, num palácio tão espectacular que chega a parecer estrangeiro, o que faz sentido porque, em tantas vidas de tantos alunos, a beleza, a cultura ou o conhecimento são bens estrangeiros sujeitos a taxas alfandegárias proibitivas. [Read more…]

E que direitos serão esses, Ritinha?

Rita Matias: “Há direitos que os homens têm que eu não quero”