Fala que eu escuto

Foto: Supercalli

Gosto daquela ideia do café para solitários, ali entre a Carson McCullers e o Tom Waits, balada do café triste encontra o coração de sábado à noite, qualquer coisa por essas redondezas. Cafés com um monólogo em cada mesa, e nos quais nasce – é esse o milagre dessas peculiares igrejas que são os cafés – num arrebato da polifonia, um diálogo, improvável diálogo entre muitas almas que vão falando consigo mesmas. De uma mesa para outra pode lançar-se uma ponte, alinhavar conspirações, começar namoros, descobrir parentescos desconhecidos, qualquer coisa. Para a conversa acabar, é só levantar-se, deixar a moeda sobre o tampo e ir embora, sem mais remorso.

Antigamente, qualquer um podia ir ao café pôr a cabeça em ordem, ver gente, meter conversa, comentar as notícias, confessar mágoas, embebedar-se ou curar a ressaca. Sentavas-te sozinho e acabavas a ouvir os poemas do Rui, a preencher o IRS da velhota que se tinha esquecido dos óculos em casa, ou a meter água na fervura de uma discussão conjugal, a ajudar a jovem mãe a dar o iogurte ao catraio, ou simplesmente a ouvir a história da pessoa do lado, sem preâmbulos nem porquês. [Read more…]