Pela rua abaixo já se ouve a sinfonia dos bichos. Chega o calor e voltam a ouvir-se os grilos. Prisioneiros das casas citadinas, cantarão até caírem para o lado e nunca mais voltarão ao campo de onde foram roubados.
Recordo os grilos que me ofereciam em criança como um castigo que me tocava a cada ano, uma obrigação que havia que honrar como possível. Lá o alimentaria com folhas de alface, lá lhe limparia a gaiola das folhas secas e dos cagalhotos, lá lhe aguentaria a barulheira que tem a sua graça bucólica na primeira noite e logo se torna infernal, até ao dia em que iria dar com ele muito esticado, com as patas para cima, e poderia, finalmente, com alívio, ainda que com essa pontinha de tristeza tão portuguesa, atirar com a criatura para o lixo.
Havia sempre alguém que me oferecia um grilo, convencido de que nada poderia agradar mais a uma criança citadina, e que a partir desse dia se interessaria pelo destino do bicho nas minhas mãos, perguntando sempre como é que ele ia, como se a vida de um grilo pudesse ter variáveis dignas de conversa, e já não havia forma de eu poder ir soltar o bicho no seu meio natural. [Read more…]
Comentários Recentes