Acordo ortográfico: consoantes mudas, etimologia e outras coisas úteis e agradáveis

NAO2cÉ frequente, nas minhas aulas, devido à deformação clássica a que fui sujeito, explicar o significado de palavras e as relações entre elas, recorrendo à etimologia. Assim, vem sempre a propósito lembrar que a origem do verbo “recordar” está na palavra latina que significa coração (cor, cordis). Para muitos povos antigos, o centro das recordações residia nesse órgão, pelo que lembrar algo era, para eles, o mesmo que voltar a passar pelo coração, re-cord-ar.

A partir daí, há um festim de cruzamentos e alguns alunos, finalmente, percebem donde vem a expressão “saber de cor” e torna-se fácil levá-los a perceber, afinal, a origem e, portanto, o significado de tantas palavras, como “cordial” ou “cordato”. A próprio palavra inglesa record ganha um outro sentido, que é, no fundo, o verdadeiro. Pelo meio, ainda contactam com o Outro presente nas civilizações antigas, num exercício que, partindo do estranhamento, pode ser um caminho para a tolerância

De uma assentada, um breve passeio pela etimologia permite a qualquer jovem conhecer melhor a língua materna, integrando nesse conhecimento a noção de que essa mesma língua tem, integra e actualiza um passado.

Estas breves reflexões surgiram-me a propósito de um vídeo em que se explica por que razão a ortografia inglesa mantém – ó sacrilégio! – consoantes que não se pronunciam, dando como exemplo o B de “doubt”. Vale a pena ver e correr o risco de aprender que a ortografia é muito mais do que um conjunto de representações de sons, tal como o coração é muito mais do que um músculo. [Read more…]