Acordo ortográfico e consoantes: a brincar às escondidas

Com as criancinhas, há um jogo que só é possível enquanto não atingirem um mínimo de inteligência – tapamos a cara e dizemos “Não está cá!”; a seguir destapamos a cara e dizemos, com um sorriso alarve: “Está, está!” (Mais propriamente “Tá, tá!”). Nunca experimentei fazer esta brincadeira com adolescentes, mas imagino a preocupação que causaria a alunos, encarregados de educação e chefias escolares relativamente à minha sanidade mental ou ao meu evidente consumo de álcool e/ou estupefacientes.

O chamado acordo ortográfico (AO90) faz o mesmo com a sociedade. Somos tratados como crianças ou como adultos com baixíssimo quociente de inteligência. [Read more…]

Desconexão ortográfica

conectividadeUma pessoa não pode e não quer estar sempre a pensar em ortografia, mas, muitas vezes, a realidade obriga-nos a pensar nela, não porque ela (a ortografia) esteja presente, mas apenas porque temos saudades dela, por não existir.

Numa passagem pela página da Worten, descubro que um aparelho em que poderei estar interessado tem conectividade e, como se isso não bastasse, ainda tem *conetividade. Olhai, que este é o tempo da multiplicação das duplas grafias, esse milagre proporcionado pelos apóstolos da religião do chamado acordo ortográfico! Assim como Jesus transformou a água em vinho, do mesmo modo os falsos profetas transformaram uma ortografia consistente em carrascão. [Read more…]

Vê lá no que te metes, ó Academia!

Fernando Venâncio*

15181454_1110833538965737_7678927185731268401_nA Academia das Ciências de Lisboa (ACL) quer dar um arranjo no «Acordo Ortográfico de 1990». A ideia data, pelo menos, dum artigo que Ana Salgado publicou na Revista LER, há-de haver uns cinco anos. Apreciei, na altura, o destemor de alguém que trabalhava, note-se, na acordadíssima Porto Editora.

Hoje, Ana Salgado dá a cara pela ACL e, com o explícito apoio do presidente da douta instituição, Artur Anselmo, prepara-se para oficializar o aludido arranjo.

«Quanto às consoantes que não se pronunciam a ACL vai defender que elas só caiam nos casos em que há uma grafia única em Portugal e no Brasil (como na palavra ‘ação’). No entanto, em casos como a palavra ‘recepção’ “a nossa leitura” (da ACL) é que a escrita com o ‘p’ é “legítima no espaço lusófono”. Na palavra ‘óptica’, a ACL defende também o uso do ‘p’». [Read more…]

Contacto ou contato?

Carla Moreira*

No início do ano lectivo, propus às minhas alunas de Latim a elaboração de pequenos vídeos sobre dúvidas linguísticas, ao jeito da rubrica da RTP ‘Em bom português’, de que certamente todos estão lembrados. Elas são apenas três, mas são bastante dinâmicas e alinharam. Os vídeos são gravados com telemóvel, numa sala de aula com poucas condições acústicas, as alunas têm 16 anos de idade e alguns problemas ao nível da dicção. A qualidade dos vídeos, sobretudo ao nível do som, é, portanto, muito amadora, mas o objectivo era apenas partilhá-los na página de Facebook da escola. Nunca pensámos que saltassem do mural da escola para outros murais. Mas foi exactamente isso que aconteceu com o vídeo ‘Contacto’, graças à divulgação feita pela professora Maria do Carmo Vieira. [Read more…]

“Contate hoje mesmo!”

contateOntem, numa hora, para mim, matinal, saí de casa, a fim de tomar o primeiro café do dia. A minha única preocupação era saber que teria de disputar o jornal “da casa” com os quatro ou cinco reformados que passam por cada página com uma calma enervante, incluindo a necrologia e os anúncios das meninas que prometem dar vida a mortos. Ao passar pela caixa de correio, verifiquei que já lá estava o habitual prospecto de uma imobiliária. Na frente e no verso, podia ler-se “Contate [sic] hoje mesmo!”, como poderão confirmar na imagem que simpaticamente compartilho. A urgência do primeiro café tornou-se ainda mais urgente. É nestes momentos que admiro a fleuma do Francisco Miguel Valada, que consegue manter a elegância mesmo quando recolhe amostras de fatos e de contatos.

Como é que o verbo contatar  e o nome contato entraram pelos prospectos do nosso país? Façamos, à imitação de outros muito mais sabedores, um resumo da história do chamado acordo ortográfico (AO90). O AO90 foi criado porque, na opinião (ou nas declarações) dos seus autores, era preciso, necessário, fundamental, imprescindível criar uma ortografia única no universo dos países lusófonos. Resultado: muitos desses países ainda não adoptaram o AO90 e entre os países que o adoptaram continua a não haver uma ortografia única ou deixou mesmo de haver ortografia. [Read more…]

As expectativas do acordo ortográfico

Ser professor dá-me, graças ao contacto com os jovens, a possibilidade de aprender, com bastante frequência, novas expressões e novas piadas, porque as modas, como é da sua natureza, vão variando entre o tempo e o espaço. Sendo um curioso da língua e da linguagem, fico sempre fascinado com a descoberta do desconhecido e é sempre com prazer que junto mais uma palavra ou mais uma frase à minha colecção de cromos linguísticos.

Recentemente, adquiri uma mutação humorística da célebre resposta “porque sim”, muito utilizada por pais cansados de explicar ordens. Trata-se da resposta “porque+forma do verbo poder”. Há pouco tempo, um jovem lançou como que uma adivinha: “Porque é que os romanos invadiram a Grã-Bretanha?”. Diante do desconhecimento revelado pelos ouvintes, respondeu “Porque podiam.” Simples e barato.

Na semana passada, li na revista dominical do JN uma entrevista a Rui Unas. A palavra “expectativa” surgiu grafada das duas maneiras aparentemente permitidas pelo chamado acordo ortográfico (AO90), como poderão verificar nas imagens publicadas mais abaixo. Por que razão é que o jornalista fez isso? Porque podia, claro, autorizado pelo Priberam, pela Infopédia e pelo Vocabulário Ortográfico Português. [Read more…]

A insegurança ortográfica

Fernando Venâncio*

Eu não devia, nós não devíamos, publicar estas listas. A própria visão duma grafia errada vai criar, pouco que seja, uma habituação. Os nossos neurónios não são parvos.

Mas silenciar também não é opção. Há uma justificada esperança de que a acumulação de destemperos gere algum susto. Não, definitivamente, os nossos neurónios não são parvos.

Entretanto, da parte dos responsáveis, sim, objectiva ou subjectivamente responsáveis, nem um pio. Onde está o comunicado do ILTEC, onde a nota da Academia, onde o sussurro de João Malaca Casteleiro e colegas, fazendo saber o mínimo dos mínimos: que «não foi isto o que quisemos»?

Senhores e amigos: tem de haver uma maneira de tirar estes cidadãos da zona de conforto em que, desde há anos, se acoitam. Aceitam-se sugestões com tino. Dispensam-se brados d’alma. [Read more…]

AO90: vogais fechadas para balanço

susceptível

Há três anos, um aluno, ao ler um texto do manual, pronunciou a – por assim dizer – palavra “atores” fechando o A inicial.

Este ano, durante uma aula de oitavo ano, uma excelente aluna está a ler um texto em voz alta. No manual, é assaltada por um “suscetível”. A aluna (excelente, repita-se) lê o E da segunda sílaba do mesmo modo que leria os de “apetite”. Numa idade em que não se consegue evitar reacções a erros alheios, a turma, com excepção de uma aluna, manteve-se impávida: para a maioria, não houve erro de leitura. Ninguém me contou estas histórias, acrescente-se. [Read more…]

Francisco José Viegas, o anjinho da procissão

000z90cfO chamado acordo ortográfico (AO90) assentou em três ilusões: o “critério fonético” (traduzido na expressão “escrever como se fala”), a “simplificação” da ortografia para facilitar a aprendizagem e a uniformização ortográfica do mundo lusófono como meio de criar textos ortograficamente iguaizinhos.

Não foi necessário perder muito tempo a pensar para se chegar, rapidamente, à conclusão de que o “critério fonético” acabaria por impedir a criação de uma ortografia única, cuja inexistência, aliás, já estava patente no texto do AO90, em que se admite que ponto máximo a atingir será o da “aproximação ortográfica”, o que correspondeu a destapar de um lado e tapar do outro. Nada disto, no entanto, tem servido de impedimento para que pessoas investidas de autoridade continuem a mentir, anunciando um futuro em que deixará de haver versões diferentes do mesmo texto ou edições diversas do mesmo livro.

Defender a simplificação de qualquer conteúdo a fim de facilitar a aprendizagem é um logro que serve para desvalorizar a importância do esforço e faz parte de um programa facilitista que está na base, por sua vez, de um processo de desinvestimento na Educação. Ainda por cima, um sistema ortográfico mal concebido e, portanto, incoerente, é fonte de confusão e nunca será fácil de aprender. [Read more…]

José Saramago e o pato do dia

1379421_10152012433262474_1087805151_nDepois do pato com laranja, a nouvelle cuisine ortográfica inventou uma receita: o “pato com o diabo”. Não me espantaria que tivesse origem na criação de patos de silêncio, esses simpáticos palmípedes anunciados ao mundo graças aos bons ofícios do chamado acordo ortográfico. [Read more…]

Acordo ortográfico: a prova faz-se já aqui ao lado

O jornalista Paulo Ferreira aproveita a sua tribuna para lançar críticas a uma visão idílica e irrealista que António José Seguro tem revelado sobre o Interior do país. A dada altura, afirma que isso não resiste à “prova dos fatos”. O contexto ajuda-nos a perceber que não há, aqui, referência às dificuldades das tradicionais alfaiatarias: o jornalista ou o revisor, profissionais da língua, caíram na tentação de suprimir consoantes, arrastados pela corrente do chamado acordo ortográfico (AO90), transformando, num passe de mágica, factos em fatos.

provadosfatos

É, assim, a prova dos factos que nos permite concluir que o AO90 é, afinal, um enorme erro ortográfico, uma vez que contribui para acentuar a iliteracia reinante.

Para ajudar Paulo Ferreira e outros seguidores, deixo aqui um vídeo em que, ressuscitando António Silva, é possível perceber o que é uma prova de fatos.

A recessão já chegou à língua

recessãoEsta notícia do Sol é um autêntico repositório da recessão em que vive o uso da língua portuguesa. O jornal, que não segue o chamado acordo ortográfico (AO90), recorre aos serviços da Lusa, praticante do alegado acordo. Resultado: a notícia referente à recepção de alunos estrangeiros no Instituto Politécnico de Leiria (IPL) terá aparecido como “receção” no texto da agência noticiosa e transformou-se em “recessão” no jornal.

Vale a pena repetir: por várias razões, a iliteracia já era imensa no reino da língua portuguesa. O AO90 veio agravar o problema e a confusão entre “receção” e “recessão” confirma, entre outros aspectos, a importância das chamadas consoantes mudas. Recorrendo à imagem sempre profícua da construção civil, estamos longe de resolver problemas nas fundações e andamos entretidos a colocar telhas que não se seguram e deixam entrar entrar chuva por todo o lado.

Por outro lado, também não é bom sinal que se use a expressão ‘kick-off’, quando a língua portuguesa já deu o ‘pontapé de saída’ há vários anos.

Adenda: faltou dizer que descobri a notícia no mural do Francisco Belard.

Acordo ortográfico: consoantes mudas, etimologia e outras coisas úteis e agradáveis

NAO2cÉ frequente, nas minhas aulas, devido à deformação clássica a que fui sujeito, explicar o significado de palavras e as relações entre elas, recorrendo à etimologia. Assim, vem sempre a propósito lembrar que a origem do verbo “recordar” está na palavra latina que significa coração (cor, cordis). Para muitos povos antigos, o centro das recordações residia nesse órgão, pelo que lembrar algo era, para eles, o mesmo que voltar a passar pelo coração, re-cord-ar.

A partir daí, há um festim de cruzamentos e alguns alunos, finalmente, percebem donde vem a expressão “saber de cor” e torna-se fácil levá-los a perceber, afinal, a origem e, portanto, o significado de tantas palavras, como “cordial” ou “cordato”. A próprio palavra inglesa record ganha um outro sentido, que é, no fundo, o verdadeiro. Pelo meio, ainda contactam com o Outro presente nas civilizações antigas, num exercício que, partindo do estranhamento, pode ser um caminho para a tolerância

De uma assentada, um breve passeio pela etimologia permite a qualquer jovem conhecer melhor a língua materna, integrando nesse conhecimento a noção de que essa mesma língua tem, integra e actualiza um passado.

Estas breves reflexões surgiram-me a propósito de um vídeo em que se explica por que razão a ortografia inglesa mantém – ó sacrilégio! – consoantes que não se pronunciam, dando como exemplo o B de “doubt”. Vale a pena ver e correr o risco de aprender que a ortografia é muito mais do que um conjunto de representações de sons, tal como o coração é muito mais do que um músculo. [Read more…]

E terá sido contactado?

Lippi não foi contatado pelo Real Madrid. Mais uma mutação, nascida de um cruzamento entre a  iliteracia reinante e o chamado acordo ortográfico.

Acordo ortográfico: Rui Tavares é mais ou menos a favor

nao2c4Rui Tavares, historiador e europedutado, escreve semanalmente no Público e decidiu que as suas crónicas sejam publicadas segundo as regras, por assim dizer, do chamado acordo ortográfico (AO90).

Há dias, resolveu republicar um desses textos no facebook. Não estando aqui em causa o conteúdo, que subscrevo inteiramente, um comentador notou que o cronista acordista usara a forma verbal “pára”, proscrita pelo AO90. Sempre combativo, Rui Tavares respondeu: “pára ou para têm ambos o uso possibilitado pelo AO. Para evitar confusões uso pára. Mas diga-se de passagem que sempre disse que a norma oficial, esta ou a anterior, é sobre a escrita oficial. Faz todo o sentido que se use a língua com critério e criatividade em simultâneo, e isso depende de cada um.”

Mais tarde, acabou por reconhecer que se enganara, no que respeita ao conteúdo do AO90, o que lhe fica bem. Na realidade, e de acordo com a Base IX, art. 9.º, do AO90, a forma “pára” desaparece: “deixam de se distinguir pelo acento gráfico: para (á), flexão de parar, e para, preposição”.

Apesar disso, voltou a defender o direito a fazer “adaptações no uso pessoal” e acaba por reconhecer que o acento em “pára” é necessário. Depreende-se, portanto, que qualquer um tenha direito, por exemplo, a acentuar conforme lhe apeteça, independentemente das regras ortográficas em vigor, ou até a prescindir de acentos, se considerar que o contexto é suficiente para que não haja ambiguidade. Segundo Rui Tavares, portanto, um conjunto de regras ortográficas é uma espécie de self-service em que cada um escolhe o que mais lhe agradar.

Não se negando ao debate, o cronista ainda dispara mais umas opiniões avulsas, sendo de realçar o reconhecimento de que algumas consoantes eliminadas pelo AO90 tinham valor diacrítico, o que, no fundo, equivale a dizer que deveriam ter sido conservadas, tal como o acento em “pára”. Já não deve faltar muito para que Rui Tavares, fazendo um uso pessoal da ortografia, acabe por renegar, na prática, o AO90, mesmo que o defenda, em teoria.

Outro fato para o facto

De facto, de fato é outra coisa. O chamado acordo ortográfico é a caixa de Pandora da ortografia portuguesa.

O acordo ortográfico já não causa impacto

Mesmo depois do chamado acordo ortográfico (AO90), a grafia da palavra “impacto” manteve-se inalterada, uma vez que o c é pronunciado. Simples? Não necessariamente.

Depois da imposição do AO90, surgiram vários erros que raramente ocorriam, sobretudo no âmbito da grafia das chamadas consoantes mudas. Assim, é cada vez mais vulgar ver textos portugueses em que “facto” é erradamente substituído por “fato”, para além de já ter sido possível ler “pato” no lugar de “pacto”.

A ocorrência destes erros tem várias causas e é evidente que o AO90 não é a única. Correndo o risco de cair no pecado do simplismo, penso que tudo começa no facto de haver, ainda, uma iliteracia generalizada, visível em diversas dificuldades de expressão e de compreensão, mesmo entre pessoas com educação superior. No meio deste caldo, o AO90, sendo, para mais, um instrumento deficiente, veio tornar ainda mais difícil a vida de quem já tinha dificuldades em escrever com correcção. [Read more…]

O impacto do acordo ortográfico é tão grande…

… que o Expresso já lhe chama “impato”.

Acordo Ortográfico: o Porto deixou de ser a Cidade Invicta

O trabalho de sapa do João Roque Dias encontrou, em pouco tempo, mais um exemplo da supressão de consoantes que não são mudas. Neste caso, trata-se de uma afronta involuntária à cidade do Porto, orgulhosa de ser invicta há vários anos. No site do Colégio de Quiaios e numa legenda da TVI, o c de Invicta desaparece e o Porto deixa de ser invencível.

Já tive ocasião de notar alguns fenómenos semelhantes: Acordo Ortográfico: sabor a pactoAcordo ortográfico: a fissão da ficção e Acordo Ortográfico: consoante antes de consoante não se escreve.

A insegurança no uso da ortografia não é, infelizmente, um problema recente, mesmo nas escolas e na comunicação social, ambientes em que a língua devia ser mais bem tratada. O chamado acordo ortográfico, por ser um instrumento carregado de deficiências, serve para acentuar essa insegurança.

Num país a sério, com políticos a sério, a leviandade com que o AO90 foi posto em prática não existiria. Assim, é só mais uma acha para a imensa fogueira onde arde a irresponsabilidade das políticas culturais e educativas.

Acordo Ortográfico: consoante antes de consoante não se escreve

Continuando a vampirizar o trabalho de João Roque Dias, descobri a palavra “adeto” (por “adepto”), em dois textos, um dos quais ainda está disponível. Antes do chamado acordo ortográfico (AO90), nunca me apercebi da existência de tal erro.

Não tenho nada a acrescentar ao que já escrevi em textos anteriores acerca deste efeito provocado pelo AO90: a supressão imprevista (?) de consoantes articuladas. Limito-me a lamentar que sejamos um país dominado por gente medíocre e corrupta: num país a sério, uma reforma ortográfica teria sido verdadeiramente estudada e debatida. Em Portugal, ficámos com o AO90.

Acordo Ortográfico: entremez muito simples sobre a arte de não responder

Esta caixa de comentários inspirou-me o pequeno divertimento que se segue. O visado perdoar-me-á. Ou não.

Personagens: Nabais e Silva

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Acordo Ortográfico: Antônio Houaiss reconhecia o valor diacrítico das chamadas consoantes mudas

Foi no mural do Francisco Belard que descobri o vídeo republicado no fim deste texto. É possível assistir a um excerto de uma entrevista, em 1990, a Antônio Houaiss, eminente linguista brasileiro e um dos impulsionadores do acordo ortográfico.

O estudioso brasileiro começa por reconhecer que fazia sentido a oposição dos portugueses, já que as modificações ortográficas decorrentes do acordo eram em maior quantidade do que as que ocorreriam no Brasil. Houaiss, prescindindo de ser linguista, limita-se, então a ser um negociante, fazendo referência ao preço a pagar pela unidade ortográfica, que, mesmo que tivesse sido alcançada, nunca seria suficiente para criar uma quimérica uniformização da escrita, ao contrário do que afirmam os vendedores da banha da cobra acordista que propagam aos quatro ventos a ideia de que, agora, se escreve da mesma maneira em toda a lusofonia. [Read more…]

Contra o Acordo Ortográfico: as chamadas consoantes mudas

Uma das questões mais polémicas do AO90 está relacionada com a Base IV, em que se propõe a eliminação das chamadas consoantes mudas c e p nas sequências interiores cç, ct, pc, pç e pt, o que deverá acontecer sempre que, segundo o Acordo, essas consoantes não sejam proferidas “nas pronúncias cultas da língua” ou “numa pronúncia culta da língua”, para citar o texto.

Mesmo fazendo de conta que é possível identificar as várias pronúncias cultas da língua, a verdade é que mais do que um especialista tem defendido que as chamadas consoantes mudas têm, em contextos bem definidos, uma função diacrítica, isto é, desempenham relativamente à vogal que as antecede uma função semelhante à de um acento gráfico, para além de a sua existência derivar da etimologia. [Read more…]

Contra o Acordo Ortográfico: um texto inconsistente

O AO90 terá sido elaborado por especialistas reputados. O facto de se ser um especialista numa matéria aumenta as responsabilidades e é legítimo exigir que um enunciado produzido por um especialista seja consistente e coerente.

O AO90 é, no entanto, ao contrário do que seria de esperar, uma acumulação incoerente de enunciados, o que é, portanto, inadmissível. Limitar-me-ei a dar alguns exemplos.

Na Base II, defende-se que o ‘h’ inicial se mantém por “força da etimologia”. O mesmo argumento é utilizado, na Base V, para manter o emprego de e, i, o e u em sílaba átona, ou seja, e exemplificando: apesar de corresponder ao som “i”, continuaremos a escrever “ameaça” com ‘e’.

É certo que a manutenção destas regras não afecta a desejada uniformização ortográfica, mas quando se trata de eliminar as chamadas consoantes mudas, na Base IV, o critério passa a ser o da pronúncia. Que aconteceu ao critério etimológico que serviu para que o “h” inicial não desaparecesse? [Read more…]