Não pensemos em coisas tristes

Dentro de dez anos atingiremos a data na qual se desenrolavam os acontecimentos narrados no já lendário “Blade Runner”.

Parece muito longínqua ainda aquela Los Angeles futurista e ainda mais a possibilidade de criação de “replicantes”, tão próximos aos seres humanos que não só se confundem fisicamente com eles, como conseguiram desenvolver emoções como o amor, a raiva, a inveja, e tantas outras que definem o humano.

Para além da relação ambígua com o criador, o tema central para os replicantes era a mortalidade. Condenados a uma vida demasiado curta, impedidos de saber qual a sua data de fabrico e, consequentemente, a data em que se desactivariam sem que nada pudessem fazer para impedi-lo, os replicantes experimentavam a angústia da sua própria finitude, a frustração pela perda de tudo o que haviam conquistado, a consciência pungente de que nada deles sobraria, e que tudo o que haviam visto e que a sua memória preservava como um tesouro se apagaria sem vestígios.

Quem viu o filme recordará certamente o monólogo à chuva de Rutger Hauer e a bela metáfora da pomba que se desprende e se eleva. A voragem dos dias não convida à meditação sobre a mortalidade.

As semanas correm umas atrás das outras, os meses sucedem-se como naqueles filmes antigos em que se representava o passar do tempo com o desfolhar de um calendário que ia soltando as suas páginas, deixanda-os cair como folhas mortas. Afastamos o negrume com um encolher de ombros. “Não pensemos em coisas tristes”.

Sentada na sala de espera do hospital, à espera de notícias que não chegam, lembro-me estupidamente do Blade Runner. Nada há de mais humano do que esta rebeldia contra a morte.