A máquina do tempo: Batuko Tabanka – ponte entre Cabo Verde e a Galiza

Tenho aqui dedicado alguns textos, quer a Cabo Verde, quer à Galiza, dois países irmãos, duas culturas intimamente ligadas a Portugal – a galega a montante, nos alvores da nossa identidade, a cabo-verdiana a jusante, consequência das nossas navegações e do povoamento que fizemos das terras que nelas achámos. Ligações entre essas duas culturas? Não parecia fácil. Mas existem e não são poucas.

Há uma colónia de cabo-verdianos na Galiza, maioritariamente constituída por homens do mar e suas famílias. Um grupo de doze mulheres de Cabo Verde, residentes em Burela (Lugo), ensaia desde há cerca de uma dezena de anos, recuperando ritmos ancestrais como a «Batuka» que escutámos no vídeo acima. Amigos do Aventar, vou hoje falar destas corajosas mulheres que não querem que a memória e a voz da sua cultura se percam.O grupo nasceu durante um jantar em Burela. Uma das actuais componentes do grupo, perguntou: por que não batucamos como as velhas da nossa terra? E a pergunta, como uma semente, germinou e floresceu, resultando no «Batuko Tabanka».

Ouçamos Antonina de Cangas, a solista do grupo: «As mulheres não podiam falar e, comunicavam, batendo no peito como manifestação de protesto. Depois utilizaram um trapo molhado» e depois, acrescentou, um saco de couro colocado entre as pernas. A «batuka» é uma música de trabalho, como a das pandereteiras galegas ou a das adufeiras portuguesas; está à margem das dolentes mornas que Cesária Évora internacionalizou.

A propósito de adufeiras, ouçamos a Ronda dos Quatro Caminhos, acompanhados pelas Adufeiras de Monsanto em «Cravo Roxo»:

«É uma música festiva e informal», diz Antonina, oriunda da ilha de Santiago e que fala galego com sonoridades crioulas, comparando a batuka á «muiñeira» galega. E, teorizando, chama a atenção para a similitude entre os ritmos ternários da batuka e as jotas galegas, as canções pandereteiras (e, já agora, para as nossas adufeiras da Beira-Baixa). Em todos os casos existe uma «sacadora» ou «mandadora» a que se juntam as restantes companheiras repetindo a mesma frase.

Vivem há mais de 20 anos na Galiza, mas nunca esqueceram o seu arquipélago natal. Têm participado em numerosos festivais na Galiza, na Catalunha e em França. Sábado passado, 19 de Dezembro, lançaram o seu primeiro disco «Djunta mô» (Juntemos as mãos), acompanhado por um libreto com a letra traduzida em galego, em português e em castelhano. Para quando a apresentação deste grupo em Portugal?

Termino com Uxía, a nossa já conhecida Uxía Senlhe, ela que também canta fados de Portugal e mornas de Cabo Verde, interpretando «Cantos na Maré». São, como ela diz, «sons da nossa fala». Acrescente-se que «Cantos na Maré» não é apenas uma canção, mas também um movimento musical que visa a unidade da cultura lusófona. Em Pontevedra, também no passado dia 19, realizou-se um festival com músicos galegos, portugueses, brasileiros, cabo-verdianos, guineenses, moçambicanos… Hei-de falar nisso. Para já, ouçamos a «nossa» Uxía:

Informação aos leitores

Entre os dias 28 de Dezembro e 1 de Janeiro, entre amanhã, segunda-feira e sexta-feira, publicarei, em cinco partes, o texto «Em demanda de Eça», uma entrevista a Eça de Queirós, feita por um jovem jornalista. Para esse trabalho peço a vossa atenção.

Comments

  1. Luis Moreira says:

    É espantoso o que estas mulheres fazem pela sua cultura e pela sua terra. As raízes que nos prendem à nossa terra são dos factores mais importantes para se ser feliz.

  2. Carlos Loures says:

    Sem dúvida, Luís. Os cabo-verdianos criam estruturas nos países da diáspora para não perderem a ligação cultural com o seu país. Em Amesterdão têm um programa na televisão, nos Estados Unidos têm jornais e promovem palestras. Por toda a parte se organizam para defender a sua cultura. Aqui em Portugal também existem movimentos de apoio aos imigrantes. Só é pena serem pobres e não poderem ter mais apoio. Mas, se fossem ricos não emigravam.

  3. Para mim é espantoso tudo isto, mas mais espantoso é tu saberes tantas coisas, e tantas coisas que eu não sei. Tais dimensões de conhecimento são areia de mais para a minha camioneta. Conheço a Galiza e toda a Espanha de lés a lés, como a palma das minhas mãos, e tanta coisa me passa ao lado.
    Pondo de parte tudo o que sejam elogios formais, posso dizer que tu foste um achado, pelo menos para mim. Acho que mereço a honra de um copo contigo quando for a Lisboa.

  4. Carlos Loures says:

    O prazer será meu, Adão (refiro-me ao tal copo). Tens de me avisar, pois vivo a cerca de 50 km do centro. Será uma honra e um prazer.

    Quanto ao meu pobre saber, não é mais do que simples curiosidade. Tirando o que se relaciona com a minha profissão, que tentei aprender a fundo, recorrendo às fontes de ensino que havia disponíveis, sou um autodidacta na acepção mais literal do termo.
    A Galiza é uma nação a cuja independência devíamos ajudar. Mas a nossa diplomacia, desde há mais de cem anos, caracteriza-se pela sua cobardia.

    O que significou para mim conhecer-te, conhecer a Carla, o Raúl Iturra, o Ricardo e outros amigos do Aventar, explico-o num texto de carácter confessional que publicarei aqui a seguir à série do Eça, com que vou ocupar a próxima semana. Mas digo já que foi muito importante.

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