Mais um elo na globalização neoliberal

Por grande maioria, o Parlamento Europeu votou no passado dia 12 de Fevereiro a favor da ratificação dos dois acordos entre a UE e o Vietname, o comercial, por um lado, e o de protecção do investimento estrangeiro, por outro. Empacotados como acordos separados para servir a estratégia da Comissão de ir avançando com o comercial, sobre o qual tem competência exclusiva, enquanto o de investimento terá de ser ratificado pelos parlamentos dos países-membros, por conter o Sistema de Tribunais de Investimento (ICS) – uma forma cosmeticamente melhorada de ISDS, a “justiça” exclusiva para as multinacionais processarem os estados.

Continua, pois, a trajetória pejada de contradições desta UE, em que são eliminadas tarifas aduaneiras para a circulação de mercadorias em redor do globo sem ter em conta nenhum critério de sustentabilidade ou de direitos humanos. Aliás, a forma precária como os direitos humanos são respeitados no Vietname poria, levada a sério, já de si as negociatas em causa.

68 organizações da sociedade civil apelaram aos eurodeputados para que não votassem favoravelmente um acordo em que:

  • não há uma “cláusula de supremacia” que assegure que a lei internacional de direitos humanos e os acordos ambientais e climáticos tenham precedência sobre as regras de livre comércio e investimento;
  • os capítulos sobre comércio e desenvolvimento sustentável são, tal como todos os anteriores acordos da UE, “desdentados”: muita conversa, mas sem estabelecerem normas conjuntas necessárias ou compromissos concretos para a protecção e aplicação das obrigações internacionais em matéria de clima, ambiente, trabalho e direitos humanos. O carácter vinculativo ou executório, esse fica reservado exclusivamente para a protecção do investimento estrangeiro, essa sim, com os dentes todos afiados e a postos para ferrarem através do mecanismo de resolução de litígios (ICS).

  • os capítulos sobre a protecção da propriedade intelectual representam uma ameaça à disponibilidade de medicamentos genéricos a preços acessíveis e não regulamentam os sistemas de sementes comerciais com base na premissa do direito global à alimentação e a meios de subsistência decentes para os pequenos produtores e comunidades agrícolas vulneráveis.

  • os fluxos de capital não são adequadamente regulados de modo a evitar a exposição à instabilidade financeira.

  • O princípio da precaução, um bastião que defende os cidadãos europeus e que tão exposto está aos ataques poderosos dos EUA ou do Canadá, apenas é mencionado no artigo 13.11 do capítulo não vinculativo sobre desenvolvimento sustentável – o tal da conversa fiada, mas não no capítulo relativo às regras sanitárias e fitossanitárias. Ou seja, mais um acordo que não garante uma aplicação plena e completa do princípio da precaução.

Ainda em meados de Janeiro, o Parlamento Europeu adoptou uma resolução afirmando que “todos os acordos internacionais de comércio e investimento devem conter capítulos fortes, vinculativos e executórios sobre o desenvolvimento sustentável, incluindo o clima e o ambiente, que respeitem plenamente as obrigações internacionais, em particular o Acordo de Paris”. Mas uma coisa é adoptar bonitas resoluções no ar, outra é exigir a sua consubstanciação vinculativa quando chega o momento de votar um acordo de comércio e investimento…

Comments

  1. José Alberto Mar says:

    Um artigo extremamente esclarecedor. Pelo meu lado, agradeço inclusive o acesso informativo a várias ( aparentes) “minudências”, já legalizadas e outras em vias de , muito possivelmente, virem a sê-lo. A meu ver, suponho que seria muito importante existirem – nos variados meios de comunicação – abordagens deste teor, a fim dos cidadãos-contribuintes,terem a chance de poderem ficar mais ” a par”, do que tem haver efetivamente com as suas vidas diárias.

    • Ana Moreno says:

      Obrigada. De facto, a informação sobre o comércio e investimento internacional disponível nos meios de comunicação social é paupérrima.

  2. Pedro Vaz says:

    Falta falar de componente mais importante: Imigração em Massa…mas isto é o taboo que muitos não querem tocar.

    • POIS! says:

      Ora pois!

      Tanto português que resolveu ir lá para fora quando devia era estar aqui, sentadinho, à braseira a ver o “Pé em Riste” e a partilhar no faicebuque as venturosas papaias do luso grande e chegado líder.

      É uma vergonha, um taboo alimentado por quem apoia os standards!

      • Pedro Vaz says:

        Além de estupido és chato á brava…

        • POIS! says:

          Ora pois!

          A requintada ironia, o fino trato, a respeitosa tolerância para com os seus opósitos, tudo se reúne na insigne personalidade de um verdadeiro intelectual do nosso tempo: Pedro Vaz.

          A esmerada educação, que começou em tenra idade quando a mãezinha o sentava no colo enquanto aparava o bigode, é fruto da sua passagem por diversos colégios internos na Udmúrtia e Transnistria e da frequência dos nossos melhores salões, onde tertuliou com personalidades como Toneca Catrapão, Maria Mocas e, em especial, o trumpista americano John Screwer, que o iniciou na análise política e lhe introduziu, entre outras coisas, conceitos como elites, commies, standards ou taboo, que passaram, desde então, a fazer parte da sua rigorosa dieta quotidiana.

          Não é demais louvar o seu decisivo contributo para a perenidade da Pátria que, se não está salva, estará, pelo menos, a boiar.

  3. esteves ayres says:

    Artigo esta esclarecedor. Claro os amigos dos exploradores não pensam assim. E porquê? Porque vivem às custas dos trabalhadores! Hoje fico por aqui….


  4. é preciso mudar tudo para ficar tudo na mesma… e o futuro dos meus filhos e das gerações futuras que se fd, desde que ganhe dinheiro!


  5. ….informação dos media paupérrima ou mesmo nula, Ana Moreno !

    Obrigada por estar aqui sempre atenta a avisar a malta, vale pouco, pois que já não temos poder para alterar nada, mas tomarmos consciência de como quanta hipocrisia, traição e falsidade malfazeja e mal intencionada desses palhaços do Parlamento Europeu é importante, sim !!
    Abraço, companheira, e tristes vamos ficando…espoliados de tudo cada vez mais !!

  6. Paulo Marques says:

    Continua, pois, a trajetória pejada de contradições desta UE, em que são eliminadas tarifas aduaneiras para a circulação de mercadorias em redor do globo sem ter em conta nenhum critério de sustentabilidade ou de direitos humanos.

    E sem ter em conta a necessidade de criar trabalho e poder de compra cá. Por muito bom que seja conseguir ter bens em troca de bits infindáveis do banco central, isso de nada vale se não for para todos.

  7. JgMenos says:

    O Vietnam não é aquele país dirigido por progressistas que até derrotaram os exploradores dos USA?
    E é preciso aproveitar acordos comerciais para lhes impor as progressistas normas da UE?

    O mudo está tão alterado!

    • Pedro Vaz says:

      Não. Eram Nacionalistas que lutaram como leões para evitar que o povo deles fica-se Amerdicanizado (morte lenta e dolorosa)…infelizmente esqueçeram-se de se protegerem contra inimigos internos. Na Ásia só a Coreia do Norte Nacionalista resiste contra o Mal (a Amerdica)

      • JgMenos says:

        Os heróis da Coreia do Norte!
        Qum tem um Quertdo Líder tem tudo!

        • POIS! says:

          Pois, olha a descoberta!

          Só possível de salientar num debate entre um venturoso salazareiro e um ventureiro chegadeiro

          Afinal o Chega, dirigido pelo, não querido, mas sim SUPREMO LÍDER (Vaz dixit) é um partido fortemente anti-américas (até lhe chama Amerdica, supõe-se que não se refere à Guatemala ou ao Panamá…).

          Mas eis que…é, simultaneamente a favor…”do reforço político da NATO”, entidade que é dirigida, na prática por uns tais EUA, ó USA, ó Donald qualquercoisa, que até já ameaçou acabar com a chafarica se não lhe comprarem mais armas…

          É caso para dizer que ao Chega toda a trumpa chega…

          Quanto ao resto, citemos:”é preciso aproveitar acordos comerciais para lhes impor as progressistas normas da UE?”

          Pois, boa pergunta. Só desejo é que algum dia não tenha de meter um supositório “made in Vietnam” e lhe queime o Real Fundo das Costas (sim, que JgMenos tem pedigree nobiliárquico). Seria dramático.

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