Má-fé

Um Povo que se consegue indignar com tudo e mais alguma coisa (desde que a causa da indignação obedeça aos altos critérios do politicamente correcto), mas que aceita fleumaticamente isto, é um Povo que pede e, já agora, merece que o enganem, que o explorem e que o gozem.

Situação:
a) uma perceptível maioria das pessoas (pelo menos das que se interessam) está contra a nomeação de ex-ministros como Governadores do Banco de Portugal;
b) o governo marimba-se nisso e pretende nomear para o BdP um ministro que vai sair do governo;
c) os deputados (os tais que quando foi do 25 de Abril, eram os inatacáveis e umbilicais representantes do Povo Português) aprovam na generalidade uma lei que obriga ao decurso de um período de, pelo menos, 5 anos entre a saída do governo e a nomeação como governador do BdP;
d) o partido do governo, assumida e declaradamente, dispõe-se a usar os estratagemas necessários para retardar a aprovação final da lei para que o governo se possa continuar a marimbar nas pessoas, nos deputados, na ética e no que for preciso para fazer o que muito bem lhe aprouver.

Num País governado por TRAFULHAS não é a ética que configura a lei. É a lei que define o que está certo e o que está errado. Assim, se só no dia da entrada em vigor de uma lei é que dado comportamento passa a ser errado (porque para estes TRAFULHAS se a lei não diz que é errado, então é porque é aceitável), para eles parece não haver qualquer problema em retardar esse dia mesmo que para tal se recorra a ardis, exclusivamente, dilatórios.

Para que melhor compreendam, recordo um dos critérios de definição da litigância de má-fé enunciado no Código de Processo Civil: “Diz-se litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave…tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão” (C.P.C., artigo 542º, nº2, alinea d))

Num País que não fosse de “bardamerdas”, isto era o suficiente para iniciar um inquérito crime. Era o suficiente para o PR agir à séria (eu sei, precisávamos, pelo menos, de, realmente, ter um PR). E deveria ser o suficiente para estarmos todos indignados. Pois.

Adenda:
Para que percebam, o post nem é propriamente, sobre a ida de ministros para o BdP. É sobre a má-fé que este governo e o seu partido, recorrentemente, manifestam.

Sobre o resto, é preciso não esquecer que o BdP é um órgão de supervisão que, inerentemente, deve garantir um elevado grau de imparcialidade incompatível com pessoas, inegável e historicamente, alinhadas com o governo e pior, responsáveis pelas decisões financeiras dos últimos anos. Quanto à ida para outras instituições, por razões diversas, não deixa de ser a maior parte das vezes, igualmente, repugnante. 

Comments

  1. Carlos Cazo says:

    Tennis ajuda…

  2. Flete! Flete! Insiste! Insiste! says:

    Flete! Flete! Insiste! Insiste!

  3. Rui Naldinho says:

    Mais do que um país de bardamerdas, este é um país de políticos de merda, isso sim, incluindo o actual PR, no qual não votei, se bem que muitos dos queixosos de hoje, tenham votado nele.
    Este é um país de políticos de merda, porque as pretensas leis de incompatibilidade entre titulares de cargos públicos e o sector privado, mais até do que o de governador do BdP, aprovadas até hoje, foram sempre feitas a reboque de casos pontuais, num verdadeiro contrato social entre a hipocrisia e a chacota política, sem qualquer intenção séria de mudar o paradigma desta traficância de favores, todos muito bem pagos, está claro. Enfim, nenhuma árdua tarefa de acabar de vez com a promiscuidade entre as partes. Isso nunca interessou ao PSD e PS. A gula é danada para esta estirpe humana, da nossa elite social e política.
    Um dos exemplos mais obscenos, foi a ida da ex ministra das finanças Maria Luis Albuquerque para a « Arrow Global », três meses depois de ter abandonado o governo, como Ministra das Finanças. Como já no passado, o PSD fazia saltar Ministros das Finanças ou Secretários de Estado, da mesma tutela, com o BdP.
    Alguém se opôs à ida de Miguel Frasquilho para a TAP?
    Ou de José Luis Arnault, para Goldman Sachs (Em 2014 foi nomeado um dos 18 members do “International Advisory Board” do banco norte-americano Goldman Sachs, onde esteve na origem da decisão de financiar em 680 milhões de euros o Banco Espírito Santo, semanas antes de o banco ser intervencionado, o que culminou na perda do valor desse empréstimo)?
    Ou de Teixeira dos Santos para o BIC?
    O facto de haver um período de nojo, pouco me interessa, se ele não estabelecer de facto um cordão sanitário, entre a política e os negócios. Em quarenta e seis anos de democracia lembraram-se agora de colocar um período de 5 anos, apenas porque o Centeno anda a sonhar com um lugar no BdP. Os últimos dois governadores que por lá passaram, foram duas verdadeiras nódoas. Fazer pior deve ser difícil.
    Se é verdade que Centeno não devia ocupar aquele lugar, saindo directamente do governo, também é verdade que acho essa decisão, apesar de tudo menos grave, do que se ele fosse para uma financeira internacional, ou para a administração de um Banco.

  4. E já agora; alguém me explica porque razão um conceituado técnico de economia e finanças, que desempenhou altos cargos no país e no estrangeiro, nas áreas de economia e finanças, não pode ser nomeado para governador do Banco de Portugal?
    Penso que o facto de ter sido ministro da finanças só lhe melhorou o curriculum.
    Alguém me explica, por aqui?

  5. Democrata_Cristão says:

    Osorio

    “uma perceptível maioria das pessoas (pelo menos das que se interessam) está contra a nomeação de ex-ministros como Governadores do Banco de Portugal;”

    Mas o Governo e o Banco de Portugal não são orgãos do mesmo Estado ?

    Os liberocas acham mal, mas já achavam bem de certeza se do Governo o ex-ministro for para uma empresa privada.
    Aí já dizem : ” É o mercado a funcionar”,

    Eu sei que a coerência não é o forte dos liberocas, mas um bocadinho dela não lhes fazia mal

  6. POIS! says:

    Pois tá bem!

    O que mais gostei no post foi a setinha vermelhinha e o respetivo quadradinho. Deve ser para chamar a atenção dos analfabetos, que não leem na mesma mas ficam a saber que está ali uma coisa muito importante.

    Realmente, desde que o Sérgio Monteiro transitou do Governo Passos para outras patrióticas funções de privatização que se terão muitas dúvidas numa “perceptível maioria das pessoas (pelo menos das que se interessam)”.

    Tudo passa, no entanto, por uma ficção muito difundida por esse mundo fora nesta era liberaleira: o da “independência” dos Bancos Centrais.

    Realmente Carlos Costa manifestou grande independência: foi bastante distanciado e independente da ralé cliente-contribuinte e um grande amigalhaço dos banqueiiros, que eram tidos por individuos tão impolutos que até se abstinham até de evacuar. Eis quando que um dia se abriu a porta da casa de banho e se verificou que a trampa transbordava por todo o lado.

    Pediu-se então uma contribuiçãozinha aos clientes-contribuintes do costume e garantiu-se que os banqueiros iriam pagar tudo e voltariam aos lucros em breve, pois os clientes-contribuintes iriam pagar em comissões o que os contribuintes-clientes lá tinham posto em impostos e cortes orçamentais na saúde, educação, etc.

    Por isso defendo, como muitos aliás, que essa ficção acabe de imediato e que a ação dos bancos centrais seja escrutinada por representantes eleitos.

    E também admito perfeitamente que não se pode tratar a transição de um governante para o Banco de Portugal (duas entidades públicas) como se fosse para uma “Goldman Sachs”, uma EDP ou uma “Arrow Global”. Mas não vou repetir o que aqui disse o Rui Naldinho com o qual, basicamente concordo.

  7. Só o título “lei anti-Centeno” causa arrepios. Num estado de direito democrático leis ad hominem não são admissíveis.

  8. O trágico em tudo isso é o pressuposto de que quem faz parte de um governo é necessariamente um boy desprovido de carácter e autonomia funcional.
    Que o seja enquanto membro do governo, em alguma medida sempre o será.
    Que isso se prolongue em cargos de nomeação governamental é suspeita fundada.

    Alterado o modo de nomeação, o período de nojo vem dar por inevitável a inexistência de gente de bem nos governos.

    PS à corja: desde já reconheço que ‘gente de bem’, versão moderna do ‘homem bom’ medieval, é conceito altamente suspeito de fassista e salazarento, que por inteiro subscrevo,

    • POIS! says:

      É sempre comovente, pois!

      Reconhecer em JgMenos a sua grande humildade intelectual e mesmo até humana.

      Só um sábio de tal cravadeira terá a singela preocupação de se dirigir aos que considera seus iguais para com eles partilhar as suas mais íntimas convicções, e para que estas os iluminem e os guiem no seu caminho rumo à transcendência. O PS deste brilhante comentário é disto prova.

      Posto isto, só uma pequena observação sem importância, penitenciando-me da minha eventual ignorância: procurei no dicionário e não encontrei o significado de “fassista”. Não quereria V. Exa. dizer “farsista”? Penso que a correção terá razão de ser porque V. Exa. faz a sábia ligação “farsista e salazarento” o que tem toda a lógica.

    • Rui Naldinho says:

      « Alterado o modo de nomeação, o período de nojo vem dar por inevitável a inexistência de gente de bem nos governos »

      Pois é ó Menos.
      Que tal substituir essa « gente bem » nos governos, por gente séria e honesta.

      • Jogar com palavras é índice seguro de torpeza argumentativa imprópria de gente de bem.

      • POIS! says:

        Bem Rui, não sei se reparou mas JgMenos remete o critério de “gente de bem” para a Idade Média que, como sabemos, foi a época das grandes virtudes.

        Aliás, o historiador francês JêgêMoins proferiu a este propósito a célebre máxima “Le Moyen Âge était belle, les hommes est que on donné cap d’elle”.

        A referência de JgMenos é, portanto, o “homem bom” medieval, o que é muito significativo. São os “homens bons” e não as “mulheres boas” já que a estrutura social da época, como é evidente, não o permitia.

        “Homens bons”? Huuuuuummm!,

  9. abaixoapadralhada says:

    “Para que melhor compreendam, recordo um dos critérios de definição da litigância de má-fé enunciado no Código de Processo Civil: “Diz-se litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave”

    Tens o apoio incondicional de um Sa Lazarento assumido, que é sempre uma boa referencia para um liberal…..

  10. O Garcês Osório tem muita graça.
    Uns criam uma lei feita propositadamente para prejudicar determinada pessoa e os outros, os que se opõem, é que praticam litigância de má-fé

  11. Julio Rolo Santos says:

    Por mais que se indignem, Centeno vai mesmo para o BP e, ainda bem
    Centeno livrou-nos de mais cortes nos vencimentos e nas reformas, demonstrando que o caminho seguido pelos governos de Passos Coelho, estava profundamente errados. Demonstrou competência em gerir as contas públicas. Só os saudosistas do passado recente é que não entendem o óbvio. Temos pena.

    • Paulo Marques says:

      Vamos ver o que valeram as contas certas nos próximos 3 anos.

  12. Julio Rolo Santos says:

    Está a fazer figas para que dê tudo errado, não? Mas Centeno já não é Ministro das Finanças a partir de hoje. Em qualquer dos casos ainda estamos em período de pandemia e, a exemplo de outros países, Portugal também tem de fazer um enorme esforço financeiro para tapar o enorme buraco daí resultante. Compreende isso?

  13. Daniel says:

    Melhor só excelente governador Carlos Costa que passou da banca (BCP, CGD) para o BdP sem grande alarido!..

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