Eça de Queiroz tinha razão: isto é uma “choldra ignóbil”

Eu, sinceramente, até nem tenho a certeza que o melhor caminho seja a dissolução da AR (tentarei explicar mais abaixo). Mas quer a perspectiva quer os argumentos que normalmente suportam a decisão de o não fazer, parecem-me supinamente hipócritas.

O PR, criatura que reconhecidamente se está a marimbar para todos e quaisquer valores, interesses ou objectivos que não sejam os seus próprios, normalmente fala do seu poder de dissolução a propósito disto ou daquilo. Mas e reparem se assim o quiserem, fá-lo de uma forma muito “interessante”, fá-lo como se colocasse nos pratos da balança, de um lado, a situação da pós-pandemia, da guerra, da inflação e do PRR (normalmente são só estes) e do outro, apenas e tão só o “caso” que motivou as declarações. E assim até chega a parecer legítimo (por muito pouco, diga-se) que aquela ponderação tenda para a manutenção do governo.

Só que esta perspectiva, pura e simplesmente, só tem por intenção (mais uma vez) entorpecer o já por si diminuto discernimento do eleitorado. Eu explico. Por exemplo, nesta situação da TAP e dos sucessivos escândalos que se vão revelando (qualquer deles e mesmo que isoladamente, chegava para “arrebentar” com qualquer PM num País decente), a ponderação acima referida faz-se apenas entre aqueles abusos (eufemismo) e a guerra, o PRR, etc.

O enorme, enormíssimo problema desta perspectiva é que é deliberadamente redutora. O que está hoje (e há muito tempo) em causa não é só a TAP e o facto do Estado ser hoje em dia apenas e tão só uma “reprodução” do aparelho partidário do PS onde o abuso, a transgressão e a impunidade são apenas mais uma “3ª feira no escritório” (e esta evidência bem pode ser aplicada sem qualquer variação a um “clube de futebol” que eu cá sei). Não. O que está em causa neste momento não é apenas a TAP. O que está em causa é que nada, mas mesmo nada que seja estatal e essencial, funciona neste País. A Saúde, a Educação, a Justiça, etc. estão em níveis caóticos e perto do colapso absoluto. E estes são apenas os sectores que têm sido mais escrutinados. Porque sempre que se investiga o funcionamento de qualquer dos sectores do Estado e tão certo como o Natal ser em Dezembro, já sabemos que vamos ficar a conhecer novos níveis de incompetência e arbitrariedade. Níveis normalmente do tipo estratosférico. Ou seja, o enormíssimo problema já não é o regular funcionamento das instituições. Não. A enormíssima dificuldade é encontrar uma instituição que funcione regularmente.

Pior, vivemos há anos (governo PS) em situação de emergência social onde quase metade dos Portugueses estão abaixo do limiar da pobreza. Repito, quase metade dos Portugueses. Vivemos num País onde a miséria, a fome e o frio são banais. Vivemos num País onde ter um emprego não significa não passar gravíssimas dificuldades económicas. E mais grave, habituámo-nos a esta desgraça. Convivemos sem grandes irritações ou indignações com esta miséria. De tal forma que grande parte do eleitorado considerará sempre votar no maior e quase único responsável por esta calamidade: o PS. Ou seja, esta gente está mais próxima de ser eleita ou reeleita que, propriamente, de ser presa que era o desfecho sensato e normal para o mal que nos fizeram e fazem.

E depois, acrescenta o PR, ainda há o problema de não ver na oposição alternativas credíveis. Mas o que é que é isto? Das duas uma: ou estamos a ser governados por sondagens o que, desde logo, traduz o “grau zero” (eufemismo) da dignidade do cargo que ocupa e nesse caso o melhor é pôr o Paixão Martins na Presidência (foi o responsável pelas sondagens que foram mais de meio caminho para a maioria absoluta do PS) ou estamos dependentes dos “afectos” pessoais que lhe merecem os diversos líderes dos partidos da oposição. Melhor, estamos dependentes do momento em que o Presidente do PSD seja um “amiguinho” do Marcelo ou do momento em que o Chega comece a descer nas intenções de voto (com este estado de coisas e com o próprio PS apostadíssimo em fazê-lo crescer, bem podemos “esperar sentados”). O facto destes públicos favoritismos serem uma verdadeira “cuspidela na cara” quer dos militantes do PSD que escolheram maioritariamente Montenegro quer daqueles que por direito legítimo e inalienável pretendem votar Chega, é pormenor que não “interessa para nada”. Melhor, o facto disto ser uma óbvia “cuspidela na cara” da própria democracia, não “interessa para nada”.

Passando ao largo da evidente contradição de achar que o PRR é um factor a favor da manutenção do governo quando se sabe que além da anarquia que impera na sua aplicação, os atrasos são do tipo “tarde, a más horas e nunca” e porque este arrazoado “mal amanhado” já vai longo, devo uma explicação sobre as razões porque tenho dúvidas que a dissolução da AR seja o caminho a seguir. E não desconheço que essas razões são, em grande parte, calculistas e pouco patrióticas (pelo menos a curto prazo).

O meu problema com a dissolução da AR prende-se com a “memória de peixinho” do eleitor médio português. E do asqueroso aproveitamento que o PS faz dessa deficiência. Todos e quaisquer governos socialistas colocaram Portugal na miséria, no empobrecimento ou na bancarrota. Só que aqueles que se lhes seguem, têm obrigatoriamente de tentar colocar o País na rota certa o que, normal e inevitavelmente, implica sacrifícios. Nessa altura o PS aproveita-se do descontentamento que essas medidas causam e sem qualquer “pingo de vergonha” reinicia o processo que lhes é tão congénito, de reescrever a história e de distribuir as suas exclusivas e gravíssimas responsabilidades por outros, nomeadamente por aqueles que estão a tentar consertar a devastação que eles deixaram.

Por isso e apenas por isso, gostava que eles se queimassem bastante mais para que o eleitor aprenda de uma vez por todas quão o PS é tóxico e perverso para a nossa democracia. Mas também sei que esse interesse “calculista” implica o agravamento inaceitável dos suplícios que o Povo português está a sofrer.

Comments

  1. Anonimo says:

    “A Saúde, a Educação, a Justiça, etc. estão em níveis caóticos e perto do colapso absoluto.”

    Mais as forças armadas, os serviços públicos, transportes, etc.
    Culpa exclusiva deste Governo ou do PS? Claro que não…
    A título de exemplo da notícia, as casas dos 700000 portugueses que passam frio (e passam porque a energia é cara, mas também porque a construção torna o seu uso pouco eficiente) não foram construídas ontem. Aliás, e com conivência da CS, os problemas “descobertos” diariamente não apareceram de véspera, mas sim são consequência de anos e anos de má gestão e desleixo (nem entro pela corrupção). Uma racha na parede tende a aumentar, não se corrige por si só com o tempo por mera magia.
    Após o Cavaquismo (concorde-se ou não com o modelo), todos os Governos foram de mera gestão, ninguém tem uma ideia para o país; gerir dívida e contas, gerir insatisfação de grupos, gerir benesses, manter uma franja da população suficientemente agradada, ou desagradada com a oposição, para votar em si novamente.

    • José Monteiro says:

      Retratados nos anos da brasa, anos 70/75:
       “O quinto império”

      … nós somos púnicos, parecemo-nos com os mercenários de Amílcar e todos esses matreiros do mediterrâneo. Nós somos girinos…
      Em português, as palavras são um simples meio de simpatia, ou o seu contrário. As pessoas perdem assim horas em conversas inúteis, só com o fim de garantir a sua estima recíproca
      Como bom português, sentia-se fascinado pelo desastre e caminhava para o abismo
      Um conquistador não é um promovido pela antiguidade e pelos concursos; Filipe Pétain não teve ânimo para ir a Argel em 1942, Kaúlza para mandar a barraca aos ares em 1973. O poder exige uma alma de Al Capone, sem rei nem lei
      As revoluções, quem quer que sejam os seus autores, não mudaram nada. Conduzem aos mesmos abismos. A dificuldade é mudar o homem

      Uma das particularidades portuguesas: o gosto da pequena polícia, a que mantém relações sentimentais como povo. A sua arte de bisbilhotar, de procurar por trás, de inventar razões e causas, a um tempo teima de funcionário e regressão à inteligência infantil. Ou bem que os portugueses não fazem nada, ou bem que vão até ao último pormenor e, chegados aí, largam tudo como de costume

      Cada cinquenta anos, o país sonha ser a primeira sociedade liberal avançada do mundo. Cada cinquenta anos, o libertário volta à superfície. Procura-se então um banqueiro ou um professor de economia capaz de casar meio século de bordel com O Espírito das Leis
      Sem endereços e todos com o mesmo nome, obedecendo a dois ou três pequenos princípios, entre os quais o de inventarem títulos…

      Dominique de Roux (1977, Paris)
      PS: com curta troca de impressões no norte de Moçambique em operações, por 1971.

  2. Há coisas simples que um PR deveria fazer:
    A CRESAP, foi criada em 2011 pelo famigerado Passos Coelho.
    – Os artigos da lei da sua criação estão cheios de … e de revogações.
    – Cedo as nomeações de substituição foram o meio de qualificar boys para cargos eminentemente técnicos, não tendo currículo compatível.
    O PR é jurista e diz-se influente.
    O que impede uma Administração Pública de integrar gente séria e competente?
    Só a corrupção e baixos salários no topo o pode justificar.

  3. Paulo Marques says:

    Montenegro, o tal que, com resultados muito, muito piores nas metas que o seu governo achou essenciais, afirmou que o país estava melhor apesar dos portugueses, esse Montenegro já disse ao que vinha em concreto além de frases feitas e esconder alianças com quem quiser para fazer basicamente o mesmo com mais portas giratórias?
    Isso é que é credibilidade, presume-se. De onde se descobre que o problema da “Saúde, a Educação, a Justiça, etc.” é ainda não terem chegado ao colapso do serviço universal. Com, aí já se conclui, com os sacrifícios dos mesmos de sempre que afinal continuam a ser quem vive acima das suas possibilidades.

  4. Helder says:

    Boa tarde. Normalmente não concordo com as opiniões que veícula nos seus textos aqui no Aventar, que muito gosto de ler. Mas hoje até concordo com a maior parte, excluindo alguns pormenores desta minha concordância, mas principalmente esta frase “…De tal forma que grande parte do eleitorado considerará sempre votar no maior e quase único responsável por esta calamidade: o PS.”
    Na minha opinião, é mentira. Para a refutar, basta dizer que muitos dos maiores casos de corrupção e de compadrios que descobrimos recentemente (algusn já com uns bons anos na justiça sem avançar, mas pronto, relativamente recente), remontam aos “anos de ouro” do Cavaquismo por exemplo. PPP’s? “Inventadas” ainda no tempo de Cavaco, Lusoponte? Belos contratos, depois gerida por quem decidiu esses contratos quando estava no Governo, etc., etc., etc. Ou esquecer o fantástico Paulo Portas, com os “seus submarinos” e etc. Ou seja, acaba por se contradizer quando fala na “… “memória de peixinho” do eleitor médio português…”. Dizer que é o PS o culpado é ter realmente “memória de peixinho”…
    Para mim, os culpados são TODOS os que governaram após os primeiros e conturbados anos a seguir ao 25 de Abril de 1974. Ou seja, PS, PSD e CDS na grande maioria. Mas o maior culpado “somos nós” que continuamos a metê-los lá ciclicamente.
    Sendo honesto, só se os mais novos, que agora mostram começar a sentir verdadeiramente na pele esta bandalheira de tantos anos, se esses forem votar, pode ser que algo mude, porque as faixas etárias que votam hoje e decidem uma eleição, essas tenho a certeza que encaixam na perfeição na sua descrição de “memória de peixinho”.

  5. antero seguro says:

    Dissolver a AR para quê? Sabemos que desde as primeiras eleições legislativas o PS e o PSD sempre tiveram e mantiveram sempre uma robusta maioria absoluta no parlamento que lhes tem permitido levar a água aos seus moinhos nos denominados acordos de regime. As suas divergências existem apenas, para inglês ver, no discurso político, em que muitas vezes se assanham um contra o outro na AR mas cujos efeitos são nulos. O país está cada vez mais de rastos. A Justiça, o Serviço Nacional de Saúde, o ensino público, estão à beira da implosão com a cumplicidade de um eleitorado que anda há anos a fio a votar alternadamente nos mesmo. Claro que temos agora um Chega na AR cujo efeito é o de animar a malta mas incapaz de apresentar soluções para os graves problemas do país. Era preciso fazer implodir o sistema político vigente, votando NULO, nas próximas eleições legislativas, o problema é que não temos eleitorado para tomar essa posição logo como nunca podemos mudar de eleitores vamos tendo sempre, mais do mesmo faltando saber até quando o país poderá aguentar este dislate.

  6. Carlos ferro says:

    E quantos passarão calor no verão?

  7. José Ferreira says:

    O burgesso do LPM que pôs o país a mendigar…

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