“Aí
Só há liberdade a sério
Quando houver
A paz, o pão, habitação, saúde, educação
Só há liberdade a sério quando houver
Liberdade de mudar e decidir…
………………………
Esperar tantos anos, torna tudo mais urgente”
(Sérgio Godinho)
Os 49 anos da revolução são, infelizmente, de desencanto. Sentimo-nos despojados de um ideal que conquistámos, mas que ficou incompleto no trajecto – o tal PREC (Processo Revolucionário em Curso) que podia ter servido para o progresso social, se bem escoltado por gente decente – porque hordas – chusmas – de políticos, muitos deles nados e criados em linhas de montagem das juventudes – leia-se madraças – partidárias, estropiaram quase todos os sonhos de Abril, da longa Madrugada libertadora.
Perpetuar esta conquista vai a caminho de ser gerido por quem não faz a mínima ideia do que foi viver em Portugal antes de Abril. Que não tem a ínfima noção do que os seus pais e avós passaram em África, na Índia, em Timor. Porque os seus pais têm de esconder dos filhos o que sofreram, preferindo arrostar em silêncio a vergonha de se verem usados, maltratados, esquecidos os seus ossos no mato, as suas pernas na picada, os seus braços nas minas, os stresses de guerra, a incompreensão, a ingratidão. Por isso eu leio todos os dias, em páginas de antigos combatentes, essa revolta permanente, de quem se sente a mais, ainda que sempre tenha dado tudo por um valor a que chamavam pátria, e em nome desse valor esfacelaram-lhe as mentes em tropas especiais, ensinando-os a matar, a matar, a matar! Ou empurraram-nos, à tropa macaca, para o matope, para barracões de zinco e tijolo no mato, para bombardeamentos sem hipótese de defesa, para trilhos minados, para emboscadas de morte ou martírio, e sequelas para toda a vida.
No final, injuriados, ostracizados. Olhados com desprezo. Até ao dia em que alguém se lembrou deles e criou umas esmolinhas, umas benessezinhas, uns titulozinhos de transporte, umas isençõezinhas de taxas moderadoras. E não é que, de repente, os antigos combatentes são olhados de lado porque têm benefícios que o restante povo não tem, anda de graça nos transportes, blá, blá, blá… E chega-se ao ridículo de o Estado, que hipocritamente se terá lembrado desta gente que vai partindo mais devagar do que seria desejável, pura e simplesmente não paga às empresas transportadoras com quem se comprometeu a satisfazer esses passes, saldando-se a dívida em vários milhões de euros.
Não, não foi para isso que, em Abrantes, numa sala às escuras, esperámos as canções da senha, Grândola e Quis saber quem sou… O Zeca e o Paulo de Carvalho do nosso contentamento.
Não, não foi para isto que aquele soldado açoriano, de serviço na ponte, ordenou: “Quem vem lá, faz alto! Levanta os braços! Avança ao reconhecimento”, para, depois de ver que era o capitão-“pide”, lhe atirar: “Meu capitão, já viu a altura da ponte?”
Não foi para isso que vi cabeças, que conheci de paz e serenidade, completamente apanhadas do clima, cacimbadas até à medula, em cenas de violência que não conseguiam controlar.
Não foi para isso que assisti, por mais de muitas vezes, a amigos meus, jovens como eu, regressados como eu, atirarem-se ao chão, mergulharem na máscara, quando alguém soltou o gás de um barril de cerveja, deixou cair um prato, ou ao ouvir os estalos do escape de uma moto.
Não foi para isso que vi homens grandes, gigantes da guerra, com medalhas, a chorar como crianças, sem mais nem menos, porque não conseguiam dormir, porque os pesadelos eram incessantes, e ninguém conseguia trazer-lhes paz. Porque se sentiam inadequados, com vergonha e estavam desesperados. Porque não conseguiam fugir das alterações de consciência, do isolamento, da desconfiança. Para alguns, a moto foi a solução, uma manhã, uma tarde, ou uma noite, depois de uma liambada e uns copos em demasia, um atirou-se contra um muro e outro, da ponte abaixo. Quantos mais?!
Por isso, eu acuso! Não com o savoir écrire genial de Émile Zola, no artigo dirigido ao Presidente da República Francesa, Félix Fauré, e publicado no L’Aurore de 13 de Janeiro de 1898, que o meu estro não chega a tanto, mas com a mesma indignação. J’accuse era um libelo contra aqueles que montaram um esquema assassino de carácter para condenar Dreyfus.
Mesmo assim, acuso aqueles que, tendo acabado com a guerra – e muito bem – não só não souberam negociar a paz como entregaram tantos guerreiros indígenas ao ódio dos que ficaram no poder.
Acuso aqueles que durante décadas se marimbaram positivamente para ex-combatentes com experiências traumáticas, pesadelos, reacções desproporcionais às situações que lhes lembram a guerra, que se escondem, se recusam a pensar ou a falar dos seus sentimentos no conflito, criaram distâncias emocionais e sociais de pessoas que eram tudo para eles, os alertas permanentes e o desencanto final, as explosões de fúria, os pensamentos intrusivos, os medos, as reacções dissociativas.
Não foi isso que nos prometeram quando nos engajámos, quando acreditámos, quando corremos riscos, quando rejubilámos, quando lutámos, quando, tendo feito de nós guerreiros, nos mudaram o chip para construtores da paz. Só quem esteve no mato e ali encetou contactos com os movimentos de libertação, assumindo todos os riscos e uma grande loucura de acreditar que podia acontecer – e aconteceu, só quem esteve no mato nessa altura é que sabe o que é ser herói sem dar um tiro, mas com a bala sempre na câmara. Só quem esteve no mato nessa altura tem o direito de falar, mais ninguém. E tem o direito de exigir dos políticos o verdadeiro reconhecimento da nação.
Sim, tenho o cartão de antigo combatente. Sim, uso a insígnia. Lutei antes e depois, sei o que é ter uma marca no meu cadastro antes de Abril, soprada por alguém em que eu acreditava cegamente, com quem bebia copos, com quem saía em grupo praticamente todos os dias, que me conhecia bem e aos meus. Um dia, regressado e depois de ter conseguido saber quem foi o delator, o bufo, fui ter com ele a um bar onde eu sabia que ele parava e toda a gente ficou a saber quem era a peça. Porque eu, embora tendo medos, não me acobardo! Talvez ainda lhe doa o murro, se for vivo.
O meu povo, e não só alguns Dreyfus da nossa sociedade, está entregue à vontade leonina e concupiscência predadora de uma maioria que tudo faz para puxar lustro à conquista nas urnas, vendendo a alma ao diabo e os impostos do povo à barbárie de algumas empresas públicas, onde se jogam interesses desmedidos, se pagam fortunas por demissões e se demitem gestores porque sim. Talvez porque as empresas públicas, notoriamente, não podem e não devem dar lucros.
Vá lá que nos sobra ainda uma réstia de esperança. Esta geração que vive à míngua de empregos, de ideais, de conquistas para os seus contemporâneos, que demanda o estrangeiro para ser reconhecida, que está a aprender a conseguir o que quer, que perdeu o medo do escuro, pode não ter vivido Abril, mas há-de saber interpretar os sinais que ficaram, que permanecem. E eu ainda acredito que as próximas gerações poderão revisitar madrugadas libertadoras. Porque esses jovens regressarão com novas ideias, novos ideais, uma visão mais ampla do mundo e do País.
A não ser que já não vão a tempo. Porque, entretanto, à cata de novas fronteiras, os senhores da guerra podem acabar com o pouco que ficou. Aí, nesse momento, a democracia que se cuide. Eu nem quero pensar – talvez já cá não esteja, o que me libertará desse trauma – que a democracia e a liberdade terão de se esconder de novo. Males que duram sempre décadas, quando um dia já é demasiado.
Não camarada, não vai melhorar antes de piorar; não é só a elite que anseia que nos venham chamar de porcos e preguiçosos, querendo que se dignem a dar-nos a atenção de dizer-nos como melhor os servir e a que custo.
Podiam ser melhores, com algumas coisas a funcionar algo melhor, que a ideologia era a mesma, o provincianismo periférico obediente à necessidade de empobrecimento para estar no clube dos engravatados.
Isto como está é para ir andando, que o Sebastião, agora Europeu, chegará.
Mais um tadinho vitimado e porta-voz de vitimados!
Isto porque ‘A paz, o pão, habitação, saúde, educação’ é coisa que sempre esteve disponível para todos os tadinhos não fossem os maus da fita que impedem que tal seja alcançado.
E assim, desde que o Afonso Henriques saiu dos muros de Guimarães se iniciou esse maléfico ciclo… Amém, oremos, etc:
Grande menos, mostra o teu currículo imaculado de antigo combatente, exibe orgulhoso os teus membros amputados em nome da pátria amada!
Está tão dramático Nabais!
Mas conforta-te, que o comandante supremo e presidente vai levar toda essa infortunada gente a pedir desculpa aos gajos que puseram as minas nas picadas.
E os povos que viram as suas vidas reduzidas à penúria pré-colonial, vão sentir-se finalmente justiçados.
Talvez a tua qualidade de “troll” te obrigue a ser básico ou talvez sejas mesmo básico, o que te impede de ser mais do que um “troll”. Zurrinhos fofos para ti.
É como queiras…desde que possas continuar a escrever as inanidades do corretês, que te importa?
A única pessoa que leio constantemente a vitimizar-se é o senhor. Perdão, senhor não, a peste.
Estamos a viver acima das nossas possibilidades e por isso temos de empobrecer porque as pessoas estão piores mas o País está muito melhor e emigrem para onde vos pagam bem e saiam da vossa zona de conforto. Voltaremos com novidades e bem servidos de fascistas a condizer, alguns com prática militar operacional.