Persistência

Como é habitual em mim, tenho essa premonição que o conceito de persistência é uma virtude dos seres humanos de todos os tempos. É sabido que não sou um homem de fé, mas é também sabido que procuro entender as palavras que usamos ao falar ou ao agir. Parece-me que a de persistência é uma dessas virtudes definidas em textos de várias confissões que possuem uma divindade perante a qual é preciso persistir. Ou, por outras palavras, os homens de fé prometem fazer um bem e não deixam escapar esse esforço para avançar na vida. Não me é estranho ler um dos livros sagrados da fé romana e encontrar um texto que diz: «Pregai que o reino dos céus está próximo. Curai os doentes» (Mt 10, 7 s), para acrescentar a seguir que se um doente não é curado, se a persistência de uma doença fosse sinal de que uma pessoa carece de fé ou do amor de Deus por ela, teríamos de concluir que os santos eram os mais pobres de fé e os menos amados de Deus, porque há alguns que passaram toda a vida prostrados. Não, a

resposta é outra. O poder de Deus não se manifesta só de uma maneira – eliminando o mal.

 

Não é nenhum tipo de fé em qualquer divindade, que me leva a esta definição. Pelo contrário. Acontece que os seres humanos da nossa cultura procuram, acreditem ou não em outra vida, consolo na divindade que, a seu ver, tudo pode e tudo faz. Este tipo de ideias foi a que levou Karl Marx, em 1835, a escrever o livro «A união dos cristãos segundo o Evangelho de São João». Tinha 15 anos, era persistente e confiava na bondade das pessoas. Esta persistência pode ser demonstrada na foto que abre o texto: o mar a bater com força sobre as rochas, sem as partir.

 

Estou certo que este seria um debate que faria a delicia de Luís Miguel Pimentel. Somos poucos os que tentamos procurar a hermenêutica das palavras, o seu sentido ou o seu significado profundo dentro do transcorrer do dia a dia. Quem quer ir em frente, persiste. De todas as definições por mim tratadas neste texto, a de Aristóteles é a mais esclarecedora, ao falar da impressão que causa na nossa memória uma lembrança que acaba por se indigitar à nossa experiência, «…Ainda que a percepção sensível seja inata em todos os animais, em alguns deles produz-se uma persistência da impressão sensível que não se produz noutros. (…) Os animais em que se produz esta persistência retêm ainda depois da sensação a impressão sensível na alma. E quando uma tal persistência se repete um grande número de vezes, (…) a partir da persistência de tais impressões, forma-se a noção universal (…). É assim que da sensação vem aquilo a que chamamos lembrança, e da lembrança várias vezes repetida de uma mesma coisa vem a experiência, porque uma multiplicidade numérica de lembranças constitui uma única experiência. E é da experiência (…) que vem o princípio da arte e da ciência.", como diz no seu texto de 320 antes da nossa era, intitulado «Segundos Analíticos»,  II, 19, 99b, 15 e seguintes. Aristóteles 320,ante da nossa era

 

A experiência é a árvore da sabedoria, como vários mitos genéticos, bíblicos ou muçulmanos, definem. O melhor texto para esta definição, é o livro rabínico Talmude, base da criação da psicanálise por Freud. O leitor tem a palavra. Calo, porque persisto nas minhas definições.

A persistência é tratada pelos analistas, como reminiscência da memória, pelas pessoas de fé, como virtude de perseverança. No conjunto das definições é possível entender que persistência é entender o decorrer da vida ou perseverança. Em síntese, a persistência é a luta para obter o que é mais conveniente para nós.