Haverá corrupção no combate à corrupção?

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Por muito que nos tentem convencer do contrário, Portugal é um país onde a corrupção está enraizada nas diferentes estruturas da sociedade, dos serviços públicos às empresas, passando pelas autarquias, onde o compadrio grassa, e, claro, pelas estruturas de poder instaladas em Lisboa. E não, não é um problema inerente à democracia. Em ditadura foi igual, com a vantagem de ter ao seu serviço a censura, que impedia o debate e o acesso que temos hoje à informação.

Para ajudar à festa, parece que apenas 6% dos casos de corrupção, investigados pela justiça, chegam a julgamento. Os restantes 94% acabam arquivados, por falta de provas. Um desfecho feliz para os larápios do costume.

Fica a sensação – perdoem-me a conspiração – que, por trás de tantos arquivamentos, poderá estar um sistema de justiça, ou parte (significativa) dele, que estará a dar a mão aos corruptos do jardim à beira-mar plantado. Não ao ocasional sucateiro, claro está, mas aos tipos que vendem a alma ao diabo por uma caixa de robalos.

É possível que o combate à corrupção esteja corrompido por dentro. A verificar-se, ajudaria a perceber a impunidade com que neste país se corrompe, aos mais altos níveis do Estado. Nas autarquias, os casos de favorecimentos e arranjos que gravitam em torno do financiamento de campanhas, da atribuição de obras pública a financiadores e da distribuição de lugares – alguns criados de raiz para o efeito – entre lealistas partidários e outros boys e girls. No Estado é o que temos visto. Corruptos no Parlamento, corruptos no governo e até um certo primeiro-ministro, cujo nome não devemos pronunciar, que chegou ao fim do Monopólio (o jogo) da corrupção.

Os casos multiplicam-se, e, ao arquivá-los em massa,, o incentivo à reincidência é aproveitado pelos profissionais da área. Entretanto, Portugal vê serem subtraídos milhões de euros, todos os anos, dos cofres do Estado. Dinheiro que falta nos hospitais, que não conseguem contratar os especialistas de que precisam, na Educação, que não paga o que deve aos professores, ou nos serviços públicos e nos bolsos dos portugueses em geral, que não vêm retorno proporcional – ou sequer aproximado – face aos descontos que fazem. Poucos terrenos são tão férteis para germinar Venturas e outros neofascistas.

Comments

  1. JgMenos says:

    O cenário é sem dúvida miserável. mas importa ressalvar dois pontos:
    – Na ditadura a maior parte da corrupção no serviço público era a do funcionário mal pago que adiantava a feitura de um documento por uns poucos escudos. O que temos agora é a grande corrupção, mais próxima do cargoi elevado, de chefias a que se ascende por favor e com favores se paga.
    – E onde a miséria era o factor de tolerância à corrupção, hoje é a ausência de um qualquer código moral, um ‘se todos mamam, porque não eu’, que vai da acção individual à acção de corporações, até daquelas que incorporam na sua missão a defesa dos princípios vertidos nas leis.

    • José Peralta says:

      Pois “era”, ó “menos” !

      A corrupção da “cunha” ao pequeno funcionário, todos sabíamos e alguns até beneficiavam…

      Mas a manipulação da mentira que os “menos” como tu fazem, escondia a verdade da grande corrupção que a censura não deixava passar…aliás, como João Mendes bem explicita.

      Concursos públicos para construção de empreendimentos vários, por exemplo,viciados à partida (tal como hoje !), cambalachos entre empresários e/ou membros do governo e até o clero, atentos e veneradores do “botas”.

      Até ao ponto máximo da infâmia, um “ballet rose”, envolvendo desde ministros, Igreja e “patos bravos” de fortuna rápida, a alta finança e grandes “dignitários” da aristocracia, tudo “perfilhado” e escondido pela “tolerância” da censura e da pide !

      Nesse tempo, onde encontras o “código moral” que hoje está ausente ?

      • JgMenos says:

        Ora conta lá quantos casos de enriquecimento ilícito foram assacados aos políticos e quadros do Estado Novo após o 25A.
        Sobram-te dedos de uma mão? Quantos?

        • Paulo Marques says:

          Nenhuns, pá, até quando os afilhados do estado novo devolveram o produto do “trabalho” aos ilustres capitalistas a coisa correu uma maravilha.

        • José Peralta says:

          “Ora conta lá quantos casos de enriquecimento ilícito foram assacados aos políticos e quadros do Estado Novo após o 25A”.

          Não há nenhum ! Só tipos de má fé como eu, É QUE NÃO SABEM que toda essa gentalha de políticos, ministros, alta finança, clero, cardinalato, generalato quarteleiro, etc., fizeram voto de pobreza, apadrinhados pela santa madre…

          …enquanto o Povão tentacular, lhes delapidava os “parcos haveres” em treze anos de guerra colonial, passados no bem-bom do ar condicionado, do champanhe e do uísque, e, vejam lá o descaramento, até se “dava ao luxo” de morrer ou ficar estropiado…

          Um Povão ingrato, é o que é…

  2. Eu respondo à pergunta com uma notícia desta semana:

    “Portugal é o país que menos cumpre as recomendações do Conselho da Europa contra a corrupção”.

  3. Rui Naldinho says:

    Penso que seria demasiado mau para este país se houvesse corrupção no combate à corrupção. Tenho algumas dúvidas, Mas que há um “populismo justicialista” na nossa máquina da justiça, lá isso há. E também admito que possa haver algum clubismo, um pouco como na nossa justiça desportiva. O que também não deixa de ser grave.
    Pacheco Pereira tem um artigo muito interessante, neste último sábado, no Público, sobre o populismo moderno e o populismo à moda antiga.
    Para mim a nossa Justiça, hoje, em especial o MP, encaixa em muito, naquele perfil psicológico definido por ele, sobre o populista moderno.
    Existe uma a corrupção a sério, e uma corrupção imaginária ou inventada. Os meios de comunicação social, hoje, todos nas mãos da direita, através dos seus grupos económico e empresariais, desenvolvem as suas teias de interesses e ficções novelescas, com centenas de casos de pretensa corrupção, na Geringonça ou no período socrático, cujo único fim é alimentar o descrédito nas instituições democráticas. Explorados de forma mediática até à exaustão, com testemunhas e tudo, acabam por ser um monumental embuste, deixando no entanto várias vítimas pelo caminho. Daí eu ser contra a delação premiada, num código de justiça. Em países como o nosso, tal como no Brasil ou na restante América Latina, seria uma verdadeira caça às bruxas.
    Depois existe uma corrupção a sério. À vista de todos e sem margem para dúvidas. Pode é não conhecer-se bem os contornos dessa corrupção. Mas é precisamente à máquina da justiça que compete descodificá-la, investigar, acusar e condenar. Nesse domínio, vá-se lá perceber as razões pela qual pessoas condenadas há anos, com penas efectivas, estão a aguardar em casa a execução da pena, vivendo na maior das liberdades, sem que ninguém as atormente.
    Não acredito que haja corrupção, mas que o dinheiro pago a grandes gabinetes de advogados, lhes compram tempo de vida em liberdade através de expedientes processuais, com recursos e mais recursos, com atrasos nos tribunais, levando-os a uma espécie de distanásia, numa morte reputacional anunciada, lá isso é verdade.
    Mas a democracia é isso mesmo. O triunfo das liberdades cívicas em geral, no qual uns são mais livres do que outros, infelizmente.

  4. José Peralta says:

    (…)”Nesse domínio, vá-se lá perceber as razões pela qual pessoas condenadas há anos, com penas efectivas, estão a aguardar em casa a execução da pena, vivendo na maior das liberdades, sem que ninguém as atormente.
    Não acredito que haja corrupção, mas que o dinheiro pago a grandes gabinetes de advogados, lhes compram tempo de vida em liberdade através de expedientes processuais (…)

    Sem dúvida ! Quem tem dinheiro, tem “Justiça” e…compra-a !

    • Ana A. says:

      “Quem tem dinheiro, tem “Justiça” e…compra-a !”

      …e nesse caso a palavra Justiça deixa de ter a conotação que é suposto ter!

      Aceitam-se sugestões para baptizar a dita cuja…

  5. Julio Rolo Santos says:

    A corrupção é um flagelo nacional, fruto de leis permissivas, elas proprias feitas normalmente por corruptos, que põem em causa o sistema e incentivam á sua proliferação. Quando se descobre um corrupto e eles andam por aí, primeiro procura-se saber se ele pertence á estirpe de colarinho branco ou não, e só depois se desencadeia a investigação que é diferente consoante o autor.Tratando-se de um de colarinho branco ele aparece logo, mesmo ainda na fase de inquérito, rodeado de um séquito de profissionais da justiça que, á partida, limitam o trabalho da investigação. São notórios os casos de corrupção que se arrastam na justiça até á sua prescrição e consequente arquivamento do processo. Simplesmente lamentável.

  6. Paulo Marques says:

    O alegado atraso nacional é manifestamente exagerado. Basta olhar para os recém nomeados líderes europeus, a juntar aos anteriores, ao presidente americano, ao anterior primeiro-ministro coreano, vários ex-presidentes franceses, vários ex-primeiro-ministros espanhóis e por aí adiante. E isto são as pessoas que se conhecem de fora.
    A corrupção é endémica à sociedade, só que alguns mascaram melhor. É também nem toda é do mesmo grau. Mas se falta dinheiro ao estado para mobilizar recursos não é por isso, é porque se trata o dinheiro como um recurso, necessariamente escasso, como se ainda estivesse agrilhoado a um qualquer metal precioso que é preciso atrair a qualquer custo. Só deixando de tratar os supostos criadores de emprego com plicas e destruindo o seu encobrimento dos fluxos de capital, e consequentemente de poder de suborno, é que se pode criar medidas de contenção. Enquanto for trivial lavar dinheiro, não há muito a fazer. Mas também não precisamos de nós menosprezar face aos outros com o mesmo problema.

  7. Nuno M. P. Abreu says:

    Poucos terrenos são tão férteis para germinar Venturas e outros neofascistas, diz o Sr. Mendes.
    Serão esta notícias referentes a “Venturas” ?

    “PCP lucra há várias décadas com negócios de compra e venda de património imobiliário como forma de arrecadar receitas para o funcionamento do partido. Os negócios, desconhecidos até agora, envolvem terrenos de todos os géneros — agrícolas, industriais e urbanos —, andares e prédios espalhados por todos os distritos do país. Foram as mais-valias destas transações que permitiram aos comunistas equilibrar as contas anuais e evitar o colapso financeiro. Só em 2012, o montante total das receitas arrecadadas com a venda de património e rendas cobradas a inquilinos fez entrar nos cofres comunistas mais de €600 mil”. Expresso 1.12. 2016

    “Ricardo Robles, vereador do Bloco de Esquerda, é co-proprietário de um edifício em Alfama que está à venda por 5,7 milhões de euros. Robles e a irmã, Lígia, compraram o prédio em 2014 à Segurança Social por 347 mil euros”.
    Sábado 27.8.2018

    “António Costa e a mulher, Fernanda Tadeu, ganharam dezenas de milhares de euros com investimentos imobiliários nos últimos dois anos. O negócio mais lucrativo foi na cidade de Lisboa, a poucos metros do Largo do Rato, onde fica a sede do PS. O primeiro-ministro comprou um andar, na rua do Sol ao Rato, por 55 mil euros — e, apenas dez meses depois, vendeu-o quase pelo dobro do valor: 100 mil euros. “
    Observador 28 5. 2018

    • Paulo Marques says:

      Algum desse empreendedorismo é ilegal, socialmente reprimido ou sequer alvo de alguma tentativa de proibição legislativa?
      Ou é mau seguir as mesmas regras dos criadores de emprego porque lhes está reservado o direito de ser capitalistas?

      • Nuno M. P. Abreu says:

        Pergunte ao Sr Mendes, e aproveite para lhe sugerir que concretize o seu conceito de Venturas e neofascistas que prodigamente generalizou e assim ficarmos a saber se isso se aplica aos casos que me limitei a reproduzir, sem sobre eles fazer qualquer juízo de valor, ou apenas a quem ele odeia acriticamente.

        • Paulo Marques says:
          • Nuno M. P. Abreu says:

            Na falta de argumentoS coerentes chuta-se para a bancada.
            O que TEM Eco a ver com venturas, mendes, ou marques?
            Humberto Eco era bem mais lúcido de quem aqui, a despropósito, o invoca e por isso em “O Nome da Rosa afirma:
            “Os monstros existem porque são uma parte de um plano divino e, nas características horríveis desses mesmos monstros, revela-se o poder do criador.”

          • Paulo Marques says:

            E acha que o link tem o quê, bolos? Qualquer semelhança não tem nada de coincidência.

            But in spite of this fuzziness, I think it is possible to outline a list of features that are typical of what I would like to call Ur-Fascism, or Eternal Fascism. These features cannot be organized into a system; many of them contradict each other, and are also typical of other kinds of despotism or fanaticism. But it is enough that one of them be present to allow fascism to coagulate around it.

            The first feature of Ur-Fascism is the cult of tradition.
            Traditionalism implies the rejection of modernism.
            Irrationalism also depends on the cult of action for action’s sake.
            In modern culture the scientific community praises disagreement as a way to improve knowledge. For Ur-Fascism, disagreement is treason.
            The first appeal of a fascist or prematurely fascist movement is an appeal against the intruders.
            Ur-Fascism derives from individual or social frustration.
            To people who feel deprived of a clear social identity, Ur-Fascism says that their only privilege is the most common one, to be born in the same country.
            The followers must feel humiliated by the ostentatious wealth and force of their enemies.
            For Ur-Fascism there is no struggle for life but, rather, life is lived for struggle.
            Elitism is a typical aspect of any reactionary ideology, insofar as it is fundamentally aristocratic, and aristocratic and militaristic elitism cruelly implies contempt for the weak.
            In such a perspective everybody is educated to become a hero.
            Since both permanent war and heroism are difficult games to play, the Ur-Fascist transfers his will to power to sexual matters.
            Wherever a politician casts doubt on the legitimacy of a parliament because it no longer represents the Voice of the People, we can smell Ur-Fascism.
            Ur-Fascism speaks Newspeak.

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