Eutanásia – uma discussão pervertida

Eu até sou a favor da eutanásia. Não sou é a favor de visões ideológicas e trafulhas sobre o problema.

Desde o tão bronco quanto imbecil e desonesto dogma dos “direitos individuais não se referendam” até à fraudulenta “mentira” dos “avanços civilizacionais, a grande parte dos argumentos aduzidos são uma” mão cheia de nada”. O que, infelizmente, não deixa de ser lógico e expectável porque a questão que devia ser algo transversal a toda a sociedade e bem acima dos espartilhos ideológicos, foi ilegítima e asquerosamente “confiscada” pela esquerda. E como em tudo o que tem o selo da esquerda, a infalível conclusão só pode ser: estamos a ser “endrominados”.

Obviamente que qualquer direito pode ser referendado. Sendo ou não “individual”. Até porque sendo ou não “individual” (e essa questão só por si, já dava outros “quinhentos”), um direito (nesta acepção) por definição é uma prerrogativa que o seu titular detém e que se irá impor na esfera de terceiros. Ou seja, gera nos outros a obrigação de respeitar esse “poder” e por isso, a “necessidade” de reduzirem ou configurarem a própria actividade de forma a não violarem aquele privilégio.

Ora se a vida de terceiros é inelutavelmente afectada porque raio não podem ser os direitos individuais (?) ser referendados? Cabe às pessoas decidirem o que preferem: reduzirem a sua esfera de liberdade de forma a respeitarem a tal liberdade individual (?) que está em discussão ou então, por outro lado, não poderem eles próprios usufruir desse “direito” quando se encontrarem na situação em causa.

Já em relação à treta do “determinismo”, dos “avanços civilizacionais”, é mais uma “patranha” a que a esquerda recorre frequentemente e que não é nada mais que uma petulância intelectual que não tem qualquer hipótese de ser validada no momento em que é decidida. Os tais “avanços civilizacionais” carecem em absoluto da capacidade de ser como tal qualificados no tempo em que são discutidos. Só muito tempo depois, o futuro dirá se foram ou não verdadeiros avanços. Até lá, a perspectiva que deles se tem é apenas e tão só determinada pelo entendimento dominante nesse momento. E se há coisa que não caracteriza a humanidade nesta “altura do campeonato” é a lucidez e a sensatez. Num mundo em que as pessoas acham que têm direito a tudo só por existirem, que têm direito a tudo sem nada terem feito para o merecerem (é a corriqueira questão das medalhas e troféus que se entregam às crianças só por aparecerem e que não premeiam o talento, mas apenas a mera presença ou como em tantas vezes, nem isso), é mesmo muito complicado falar-se de “avanços nos avanços civilizacionais”. Mais, lembrem-se que nos idos dos “30”, na Alemanha, o nacional-socialismo foi considerado um “avanço civilizacional”.

Mas, voltando atrás, até sou a favor da eutanásia. Sempre, quando e apenas nas situações em que haja uma vontade lúcida, uma opção clara da pessoa que quer por termo a uma vida de sofrimento.

Mas não deixo de notar ressabiado que esta discussão onde se permite a morte de alguém que consegue exprimir esse desejo, gera muito, mas muito mais resistência que aquela outra em que o ser que morre às mãos daquela que mais o devia defender, não tem voz, não tem opção, não tem ninguém que o defenda: o aborto.

Mas não. Somos “claramente” a sociedade que pode determinar o que são “avanços civilizacionais”. 

Comments

  1. Anonimo says:

    Se a esquerda defende (o PS neste caso é esquerda? direita? centrão?), é bom. Inequivocamente e factual.
    E quem é contra é fascista e neoliberal, e também é contra os direitos dos homossexuais, a favor das armas e tem um poster do Trump no quarto, ao lado da capelinha.

    • Paulo Marques says:

      Quer dizer, se é contra as pessoas existirem de forma igual às outras, não espere que quem seja humanista lhe lamba as botas.
      Já o resto, não não é idêntico, como nem sequer sei de quem pode estar a falar.

  2. Paulo Marques says:

    Quem lê, até fica a pensar que são ideias que surgiram ontem para um qualquer concurso de popularidade na urna de voto. Não é que concorde com a estratégia das expressões mas são, impreterivelmente, porque as usa como expressão de liberdade, avanços de liberdade individual cuja única dúvida é quando serão aceites como naturais.
    Quem não gosta, tinha boa escolha, não ficasse à espera de melhores ventos e fosse à luta. Até porque, como se vai vendo, são perfeitamente capazes de a voltar a abandonar para o tal plebiscito, que não há nada de mais moral que o lucro e o tacho.

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