Michael Hagedorn*
“Grândola, Vila Morena, Terra da fraternidade, O povo é quem mais ordena, Dentro de ti, ó cidade” – a canção mais simbólica do 25 de Abril voltará em breve a sair às ruas, por ocasião dos festejos do Dia da Liberdade.
Zeca Afonso escreveu a letra em 1964, após uma visita à Sociedade Musical Fraternidade Operária Grandolense, reduto da oposição à ditadura. Setenta anos depois, que significado tem a canção na realidade actual? O que encontramos hoje, se formos em busca desse espírito de luta popular e fraternidade em Grândola?
Em cada rosto igualdade, Grândola vila morena, Terra da Fraternidade
Com a sua Costa Azul de 45 km de comprimento, o município de Grândola tornou-se um centro de especulação imobiliária, com estâncias de luxo para celebridades e multimilionários de todo o mundo. O município, governado por uma maioria da CDU (PCP e PEV), promove proactivamente a venda e o licenciamento desta paisagem dunar natural única.
São nove, os resorts de luxo actualmente planeados ou já em construção, com uma capacidade de mais de 30.000 camas (população local: 13.000 habitantes). Incluem quatro campos de golfe com relvados verdejantes sobre o solo arenoso, hotéis, moradias, piscinas, espaços co-work, zonas comerciais, clínicas médicas, etc., arrasando milhares de hectares de habitats raros e sensíveis, ricos em biodiversidade, com várias espécies de flora protegida, com endemismos locais que constam da Directiva Habitats /Rede Natura 2000, no último troço de costa selvagem do país.
Igualdade? Uma população local em constante declínio e envelhecimento, ao lado de estrelas mundiais e da “upper class” de Portugal e do mundo??
À altura, o país indignou-se com o comentário da herdeira da família Espírito Santo sobre as férias das elites na Comporta: “Vive-se ali em estado mais puro. É como brincar aos pobrezinhos”. Mas desde a cavalgada amazónica de Madonna na paisagem imaculada da praia, a Comporta tornou-se um destino preferido dos “belos e ricos” deste mundo.
Desde então, a fraternidade é entre os políticos locais e os promotores dos projectos multimilionários, à custa da natureza e da população. Já só muito a custo é ainda possível aceder às praias daquelas áreas concedidas à aristocracia.
O povo é quem mais ordena
Quem em Grândola ordena, torna-se bem patente através do exemplo da estância de luxo “Na Praia”, pertencente a Sandra Ortega, filha do magnata têxtil espanhol da marca ZARA/Inditex. Trata-se de um investimento de 200 milhões de euros, numa área de 200ha com um hotel e três aldeamentos de cinco estrelas, num total de 506 camas. A história do projecto está cheia de inconsistências, a começar pelo facto de o terreno ter sido comprado por 3 empresas com um capital social de 1 Euro. O início da construção foi ilegal, já que o projecto só obteve uma licença precária da Câmara no dia em que a Associação Dunas Livres fez uma denúncia à GNR de que as obras estavam a decorrer. O parecer ambiental tinha sido altamente condicionado e os documentos de aprovação da Câmara Municipal (CM) de Grândola deveriam ter sido levados a consulta pública. Ao invés, esses documentos só foram fornecidos pela Câmara passados 2 anos de insistência através de um advogado e mediante o pagamento de 1.180 Euros de custos administrativos.
Neste processo, o Presidente da CM de Grândola, António Figueira Mendes, não deixou dúvidas sobre quem e em favor de que interesses ordena.
Com o apoio de mais dez organizações da sociedade civil, a Associação Dunas Livres introduziu uma providencia cautelar para suspender as obras de construção e a progressiva destruição do precário ecossistema. Eis senão quando, o Presidente da CM usou o tristemente afamado “truque legal” de declarar o projecto como PIN (Potencial de Interesse Nacional), permitindo assim contornar a providencia cautelar e, ao promotor, retomar de imediato as obras e a destruição, em transgressão de Directivas europeias.
Esta decisão autocrática só veio a ser ratificada dez dias mais tarde pelos vereadores da CM (com a aprovação de quatro vereadores da CDU e a abstenção de três do PS).
Afinal, Sr. Presidente e Senhores vereadores de Grândola, quem mais ordena em Grândola, Terra da fraternidade? E o que os levou a suspender o PDM em 2017 e a colocarem-se do lado dos especuladores imobiliários, entregando este habitat único à rapina e destruição, em vez de ser protegido e preservado para o bem comum e as gerações futuras?
Note-se que a atribuição do selo PIN a projectos duvidosos tem já uma longa história na Costa da Comporta. O caso mais famoso é o do ex-ministro Manuel Pinho, que utilizou os seus contactos e a sua posição para atribuir a qualificação PIN a numerosos projectos, favorecendo assim o grupo liderado por Ricardo Salgado e, que, segundo acusação do Ministério Público, terá recebido um total de cerca de 5 milhões de euros pelos favores prestados, sendo acusado de corrupção e crimes fiscais.
Jurei ter por companheira, Grândola, a tua vontade
Enquanto as associações ambientais contestam a destruição deste ecossistema único, há quem tudo aceite sem protesto, provavelmente embalado por promessas de emprego e prosperidade. Quantos serão afinal os empregos “dignos” e seguros que irão resultar destes investimentos? Seguramente nunca serão suficientes para compensar a destruição da biodiversidade, da paisagem dunar, do consumo desenfreado de água numa zona de escassez hídrica.
Infelizmente, o sistema político tem a falha capital de os políticos não serem pessoalmente responsáveis pelas decisões, por vezes catastróficas, que tomam. Quando o fracasso deste modelo de “desenvolvimento” se tornar óbvio, a natureza for destruída para sempre, as alterações climáticas destruírem as costas, as estâncias turísticas concorrerem com a população local por água ou o preço desta se tornar incomportável, os empregos prometidos forem precários e os custos de vida inacessíveis, nessa altura ninguém quererá ter sido responsável por tudo isto.
Em Grândola, haverá uma manifestação no dia 25 de Abril e Grândola, Vila morena, será cantada. Que venham muitos e a cantem alto, não como ritual anual, mas para lhe dar o significado que deve ter, o apelo à resistência, desta vez não contra uma ditadura, mas contra políticos autocráticos que vendem a comunidade, a natureza e o bem comum aos ricos deste mundo.
Vivo em grandola e posso confirma este autor não merece voltar a ser convidado
Vives na Vila com certeza.
Eu sei do que ele fala e é um verdadeiro alerta serio
Lisa e Carlos Almeida, poderiam ser um pouco mais específicos sobre a vossa posição? Porque não merece o autor ser convidado? O que significa “viver na vila”?
Quem vive na Vila ou Cidade de Grândola, pode não conhecer o que se passa entre Grândola, Santo André, Melides ate quase a Troia. è sabido que todos esses terrenos estão a ser comprados para fazerem o mesmo que na desgraça do Algarve. Isso é sabido e que esteja no meio sabe bem que é assim,
O que o autor do artigo escreve é verdade
Tem praia, por isso deve ser. Até a CDU deve ter contas para pagar.
“Até a CDU deve ter contas para pagar.”
O facto do FE QUE PE ter contas e muitas para pagar, agora que o Rolha morreu, não dá direito ao gangster do Viagra, comprar os árbitros, como faz há muitos anos
Tenho cara de ministério público? Vá lá com as provas, que ainda estão para encontrar a Paula.
Se a CDU tem contas para pagar então que as pague sem ser à conta do património natural e ambiental que esse ecossistema proporciona a todos os Portugueses.
Após décadas de assalto do betão às orlas costeiras no qual o resultado está à vista continuamos a assistir da parte dos munícipes uma passividade e subserviência ao poder local nos quais vegetam gente sem escrúpulos nem visão que se vão prostituindo conforme o numero dos cifrões. Quem acredita que o desenvolvimento do concelho de Grandola passa por este crime ou está enredado nesta teia municipal de favores e obediência ou então ainda acredita no PAI NATAL. Claro que agora é diferente é “lá prá gente rica que é outra coisa” em completa contradição dos tão apregoados valores de abril que ferverosamente defendem.
Referia-me às contas camarárias, não como comentário à governação da mesma, que não conheço, mas à do poder central que descentraliza desorçamentando.