Espécies

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Os telejornais, arautos de tudo o que se passa de importante, informaram: apareceram moscas na Herdade da Comporta! Os habitantes e os turistas, dizem, estão indignados.

Tomando chá com as suas amigas à sombra do alpendre da sua luxuosa vivenda, a Tia Batata sacudia, desesperada, umas moscas que tinham ousado poisar na mesa. Depois de sublinhar que poucas das tragédias que atingem a humanidade se podem comparar a uma praga de moscas, a Tia, enxotando a última mosca, bradava, virada para as suas companheiras, de anelado dedo em riste apontando aqueles insectos daninhos:
– “Seres horrorosos! Porque criou Deus bichos tão inúteis e repugnantes”?!

A mosca, pousada numa viga do tecto, afagava as asas com as patas e, fixando os seus caleidoscópicos olhos nas humanas que se sentavam à mesa, bradava, apontando-as às suas companheiras com a primeira pata anterior direita:
– “Serezz horrorosozzzz! Porque criou Deuzzz bichozz tão inúteizzz e repugnantezz”?!

Apetecia-me fazer um comentário jocoso, mas não o farei

Quando as moscas perseguem Barack Obama, até o barraco abana! Pronto, não resisto: será que o seu discurso cheira mal?

A mosca


está a chegar o verão, e com ele as moscas. as moscas ainda são piores que as pombas, essas ratazanas voadoras a que um evangelista em hora pouco inspirada atribuiu a visualização do espírito santo.

as moscas varejam, repetem-se, são a proto versão biológica do loop, com a diferença que o seu voo é menos matemático.

a mosca sacudida  regressa sempre. prega que tudo se resolve na próxima geração, que o ódio é assim não se resolve já. basicamente a mosca suga, sobretudo o trabalho alheio. e os seus olhos multifacetados nem num espelho a reflectem. uma mosca analfabeta nunca entenderá que não sabe nem ler nem escrever. se a sacudirmos apanha uma aragem, vai dar uma volta, e regressa. regressa sempre para chatear o meu braço, que deve ter tocado acidentalmente num qualquer mel, ou pedaço de merda, a mosca adora o bolo e o excremento, é da sua natureza.

já quanto à mosca ciclista, a que faltam asas porque um jornal se meteu entre si e o negócio da sua vida, corre para lado nenhum mas para um sítio certo.

tenho uma mosca no meu copo de vinho, bêbada com estava não leu:

Há várias teorias para o explicar, e também tenho uma, que não se aplicando a todos funciona bem para alguns.

enfiou um chapéu que nem sequer era para moscas mas para mosquitos sugadores e transmissores de maleitas, e agora é assim, vai ali, volta, larga a caganita, faz as suas acrobacias, tenta aterrar-me num braço, sacudo, foge, regressa, detesto o verão, o calor não se pode despir, mas esse seu acessório garantido, a mosca, e sobretudo a que não se mede, mentirosa perante si própria sob risco de falhando entrar em depressão absoluta, vai mentindo ao mundo, como se o mundo, mesmo sem os multifacetados olhares da mosca, não a tivesse topado de gingeira.

detesto insecticidas, e não me apetece nada ir vasculhar estórias velhas, do tempo onde as moscas ainda falavam. agora só varejam. lá vou de ter de sacudir o braço mais vezes. paciência. volta outono, e leva-me as moscas daqui para o estado larvar. quando menos chateiam.