Taberneiras

Sabemos que nos aceitaram quando as mulheres da casa nos tocam no ombro ou nos enlaçam pela cintura. São mulheres duras, calejadas, resmungonas, e nunca desbaratam os seus afagos por cálculo ou hipocrisia. Podem chamar-te “meu amor” quando te perguntam o que vais querer jantar, porque as palavras valem o que valem, mas só te tocam se tiveres vencido as barreiras que elas mesmas levantaram. A partir desse dia, és da casa.

E como és da casa, ouves catarses. Cenas de gajas, gritarias, uma garrafa de cerveja atirada ao chão, logo se disfarça dizendo que escorregou. Insultos trocados entre cozinha e balcão, mas também risadas insolentes e piadas à custa dos engatatões. Mulheres frustradas, que não estão a ir para novas, e que do amor só conheceram a traição e o bafo de vinho. Têm o coração amarrado, castigadinho com cordas para que não as meta em apuros, e gostam de comentar, com um sarcasmo que nunca chega a ser cruel, as paixões das novatas. Consolam a amiga que veio ver se o homem estava a emborcar ao balcão, e se ele vier, se ele aparecer, hão-de servir-lhe só um copo, mesmo perdendo de vender, e mandá-lo para casa com um empurrão porta fora. [Read more…]

Olha o fado

Quem chega cedo à taberna (ó bela palavra que agora só me apareces com o penduricalho “gourmet”) ainda apanha os fadistas na esplanada, mesmo em frente ao rio. E é fácil reconhecer a mesa da fadistagem. Há os bazofeiros, que peroram sobre o fado, porque eles sabem o que é o fado, e como é que se canta o fado, e onde é que se aprende a cantar o fado, e já precisam dos dedos das duas mãos para contar as cenas de pancadaria que viveram por causa de um fado menor. Há os melancólicos, que não dizem nada e bordam com o dedo no tampo da mesa as palavras que mais os ferem. Há as jovens promessas, que ouvem em silêncio os mais antigos, umas deslumbradas, outras reticentes, e percebe-se logo, só pelo jeito, qual das novas estrelas do fado têm por modelo.

E há os que já não cantam, ficou-lhes um fio de voz, mas acompanham com o corpo, com um jeito de ombros, um suspiro. Foge-lhes o fado do corpo, e é como se lhes fosse o sopro da vida, uma coisa triste de ver, e por isso os cuidam tanto os actuais fadistas, achegam logo uma cadeira para eles, e procuram não deixar que a velhice os roube demasiado depressa.

– Ó Costa, iogurte?! Vais lanchar um iogurte?! Tu assim estragas-te, pá. Come uma isquinha, bebe um copo.

Que é como quem diz, não te entregues já. [Read more…]