Je suis Uderzo

Hoje, morreu-me Uderzo. Esta construção verbal, não sei se uma reminiscência da voz média, é perfeita para exprimir que as mortes de outros nos afectam, que há mortes que nos matam um bocadinho.

Não cheguei ao ponto de chorar ou de ficar depressivo, nem sequer melancólico, até porque, por profundo egoísmo, fico satisfeito por saber que a morte de Uderzo não levou – nem eu deixava – os meus velhos álbuns das aventuras de Astérix, que continuam alinhados, sempre à espera de mais uma releitura ou, até, de uma consulta para recordar um diálogo genial criado pelo Goscinny ou um desenho brilhante do Uderzo. Pegar num desses álbuns (e cheirá-lo, claro) é, também, a garantia de que volto a ter dez anos e estou deitado ou sentado, a rir-me e a comer as raivas feitas pela minha avó ou pela minha mãe (ainda há migalhas arqueológicas espalhadas pelos livros).

Os desenhos de Uderzo, aliás, retiraram-me a possibilidade de fruir verdadeiramente os filmes que se inspiraram nas histórias. Não há competição possível: a realidade está nos álbuns – tudo o resto, mesmo com actores verdadeiros, é uma imitação insuficiente.

O nosso verdadeiro nome é aquele com que a vida nos vai baptizando, acrescentando aos dos pais, os dos amigos, dos escritores, dos realizadores, dos actores. O meu nome, neste momento, é muito maior do que alguma vez serei, maior ainda do que os dos reis e dos nobres. Lá pelo meio, desde há muitos anos, chamo-me, também, Albert Uderzo.

Imagem encontrada em https://www.asterix.com/pt-pt/os-criadores/albert-uderzo/

Comments


  1. Aventuras maravilhosas vivi nestes livros espetaculares