Le processus révolutionnaire commence toujours avec et dans une crise économique. Mais cette crise offrirait deux possibilités. La possibilité dite néo-fasciste, où les masses se tournent vers un régime beaucoup plus autoritaire et répressif. Et la possibilité contraire : que les masses voient l’opportunité de construire une société libre dans laquelle de telles crises seraient évitables. Il y a toujours deux possibilités. On ne peut pas, par crainte de voir la première se réaliser, renoncer à espérer la seconde et à y travailler, par l’éducation de ces masses. Et pas seulement par des paroles : par des actes.
— Herbert Marcuse
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Há dois anos, em entrevista à Visão, Rui Zink falou de um dos seus livros (Manual do Bom Fascista), esclarecendo que
Não gosto muito de explicar os livros, isso faz parte do leitor. Senão, o fascista sou eu.
Efectivamente, sabe-se que, em português europeu actual, ao fascismo não é atribuída apenas a acepção de Payne, ou seja, um tipo de ultranacionalismo, ligado a um mito de renascimento nacional e marcado por elitismo extremo, mobilização das massas, exaltação da hierarquia e da subordinação, opressão das mulheres e uma visão da violência e da guerra como virtudes.
Em português europeu actual, fascismo tem igualmente a acepção de «acto ou prática autoritária ou intolerante», sendo concomitante e coloquialmente facho (ou fachola) uma pessoa partidária de práticas ou actos autoritários ou intolerantes. Isto presta-se a várias interpretações e, se quem esteve no poder em Portugal entre 1926 e 1974 tivesse sido inspirado por outras ideologias, embora igualmente autoritárias e intolerantes de facto, a entrada que hoje teríamos no dicionário correspondente a «acto ou prática autoritária ou intolerante» não seria facho, seria outra. Aliás, provavelmente, a entrada facho, nesta acepção, tornar-se-á obsoleta daqui a umas décadas e desaparecerá dos dicionários. Todavia, como ainda vigora, aproveitemo-la. Curiosamente, esta questão fachola é matéria que me interessou muito recentemente, quando perguntei se facho gramatical traduziria ou trairia o inglês grammar nazi.
Por estes motivos, é curioso que Zink diga o seguinte
Há, ainda, a treta de os jornais portugueses, em vez de tomarem uma opção, permitirem aos seus cronistas que escrevam de acordo com a ortografia “x” ou “y”, o que mostra fraqueza e medo – o tal amigo do fascismo. A solução é simples: o jornal toma uma opção e quem quer escrever lá continua a fazê-lo, com toda a liberdade, mas a ortografia é a aplicada pelo jornal e acabou-se. Aqui, às vezes, o jornal tem medo de perder a sua estrela. Mas sermos consequentes moralmente implica perdas..
No caso em apreço, “sermos consequentes moralmente”, entenda-se, é incentivar práticas autoritárias e intolerantes. Isto é, Zink cabe como uma luva na acepção de facho ou fachola há pouco explicada. Curiosamente, na entrevista à Visão, Zink fala do “debate, que devia ser linguístico”. O debate linguístico existe e a conclusão não é exactamente a preconizada por Zink:
A solução é simples: o jornal toma uma opção e quem quer escrever lá continua a fazê-lo, com toda a liberdade, mas a ortografia é a aplicada pelo jornal e acabou-se”.
Acabou-se, o tanas! — Portugal não é Moscovo.
Desejo-vos uma óptima semana.
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Todo o poder aos trabalhadores!
Óptimo texto.
Parabéns.
De facto, isto de aver ortografias é faxista. Cada um deveria poder escrever na ortografia qe qizese. Nos livros, nos jornais, onde lle aprouvese. Até nos comentários aos posts do Franciscu Migel Valada.
Antes de 1911 não havia norma ortográfica. Cada um escrevia como se lhe aprouvesse .
È claro que alguns para mostrar erudição imitavam Garrett ou Herculano. Ou então usavam o critério etimológico. Dai as “scyencias pharmacológicas” e os “archos architectónicos”.
E quantas pessoas sabiam escrever antes de 1911 ou até mesmo depois? Essa é que é a questão.
Já Roland Barthes dizia que a escrita é fascista porque coage e obriga. Claro que o desacordo ortográfico veio semear o caos numa norma que até aí era unanimemente aceite, dividindo os tugas em apoiantes e adversários do dito. Assim entramos na lei da selva onde vale tudo e o seu contrário. Agradeçam ao prof. Malaca Casteleiro, o insigne criador da caldeirada e deixem arder que o meu pai é bombeiro….
Já Roland Barthes dizia que a escrita é fascista porque coage e obriga.
Exatamente.
Curiosamente, alguns opositores à nova ortografia têm argumentado isso em relação a ela: é fascista obrigar as pessoas a utilizar a nova ortografia, enquanto que a antiga ortografia, essa, não era fascista – toda a gente a utilizava, presume-se, porque gostava dela, não porque fosse obrigada.
Se é para sermos anti-fascistas, então eu preferirei sê-lo totalmente, escrevendo da forma que melhor me aprouver – em particular, retirando os “h” mudos do princípio de todas as palavras.
Sou daqueles que acreditam que grande parte das nossas escolhas e das nossas causas têm origens mais prosaicas do que pensamos, ou do que gostamos de admitir.
Um exemplo comum é a política: a malta adora discutir o que disse tal político, o que fará tal partido, a estratégia, as tácticas, etc., como se fosse coisa séria. Mas 95%, sendo optimista, resume-se a tacho. Tacho, poleiro e mama. É tudo que há a discutir.
E quando alguém constata isto, é tratado como um desmancha-prazeres; como se estivesse a desconversar. Mas desconversar é tentar negar isto; é fazer de conta que não é assim.
Ou a direita: ah, eu acredito no mercado e tal… treta. Nasci rico, sou rico ou ainda aspiro a sê-lo, logo sou de direita. Ou a esquerda: muitos usam-na como bengala moral.
No caso do (des)acordo ortográfico, em que estou do lado do Valada, tenho também excelentes e nobres razões para rejeitá-lo. Mas sendo franco, boa parte resume-se a hábito – não estou para mudar – e desprezo por brasuquices. Era o que faltava.
Entranhou-se-lhe uma ponta de fascismo. Coitado!
Pois, para a esquerdalhada agora é tudo fascismo.