Transfobia Gramatical

Sei que a reflexão que agora apresentarei não cumpre o agenda setting da sazonalidade das crises globais, que o Pride Month terminou e que o meu foco deveria estar agora nestes insustentáveis e inauditos vagalhões de calor à qual os nossos avós apelidaram erroneamente de Verão. Tendo em conta que considero estudar e discutir os elementos do clima tão fastidioso como assistir a Stranger Things estando sóbrio, pronunciar-me-ei sobre gramática, que domino com um bocadinho mais de familiaridade.

A prova definitiva de que a preocupação delirante com pronomes alternativos não é o reflexo de sensibilidades ou preferências individuais, mas sim mais uma importação das doutrinas perturbadas dos manicómios universitários americanos, é o facto de ninguém querer saber dos determinantes.

Os pronomes são utilizados para evitar a repetição de palavras já referidas; no limite, podem ser completamente evitados. Já os determinantes, no português, são pedidos pela língua, exigidos de cada vez que a expiramos. Até aqui, nestas curtas frases, já escrevi dezenas de determinantes, entre artigos, possessivos e contracções; e só usei um pronome aqui e ali. Eu não preciso de me referir a alguém como “ele” e “ela” se utilizar o seu nome. Já o uso dos determinantes, esse é ineludível. Alguém que vive o seu quotidiano dentro da língua portuguesa teria então no uso incorrecto dos determinantes, e não dos pronomes, uma dor de cabeça muito maior.

Até porque, em português, os determinantes assumem género: sejam artigos (o, a, os, as, um, uns, uma, umas), sejam demonstrativos (este, aquela, etc…), praticamente não conseguimos fazer referência a pessoa ou coisa alguma sem assumirmos um género para o determinante. Acontece que o inglês, essa língua bárbara moldada à imagem das cognições mais limitadas, utiliza raros determinantes e os que utiliza – tirando os possessivos – não variam em género.


Assim, por vicissitudes meramente gramaticais, simulamos uma artificialmente dramática indignação em relação a uma classe de palavras que não assume na língua portuguesa particular relevância nesta celeuma, demonstrando em definitivo que tudo isto não passa de uma monumental birra importada de outros registos gramaticais por seres mentalmente desequilibrados e que nós, se temos humanidade e orgulho nos nossos pilares culturais e civilizacionais, não devemos obedecer aos seus caprichos, mas sim mantermo-nos fiéis ao orgânico funcionamento das engrenagens do nosso sublime idioma sagrado e ancestral, que não merece ser manchado por estas pieguices mundanas de seres que o querem transformar sem o conhecerem.

Comments

  1. JgMenos says:

    Belo esforço racional, e por esse facto inútil perante a massa estúpida do seguidismo da doutrina de género.

    Em todo um tempo de esforço civilizacional de racionalização e de definição de padrões de normalidade, exigindo reflexão e estudo, sempre sucederam períodos de um qualquer fundamentalismo simplista e embrutecedor nos quais gente ociosa, sustentando-se em premissas que tomam por revelações, pretendem dispensar-se de apreender o muito adquirido para tudo questionarem e, por esse modo, obterem autossatisfação e protagonismo.

    Do primarismo dos impulsos sexuais e na ignorância de dados biológicos (ora exacerbando ora ignorando a sua acção) resolveram extrair consequências que entendem dever levar a reconfigurações de todo o tipo de instituições, e nem a gramática escapa!

  2. Paulo Marques says:

    Pois, olhe, lamento, o capricho das pieguices já ganhou e não pode usar “contracções”, “incorrecto” ou “praticamente.
    Sendo assim, estamos condenados à orgânica da sagrada mutação da língua face à sociedade, que lá começou a perceber que o género é em boa medida uma construção social. Nunca devíamos ter aceite que as mulheres usassem calças se queríamos outra coisa.

  3. Joana P. says:

    Não se percebe nada. Podiam explicar melhor? De preferência em português.

  4. José Maria says:

    Porque vos incomoda isso assim tanto? Coça-vos a vossa sensível virilidade? Eu, continuo a usar a linguagem como sempre usei, outras pessoas que a usem conforme quiserem, ou se sentirem. Não me incomoda nem um bocadinho, não interfere com a minha vida, com a minha liberdade…nem com a vossa. Vivam e deixem viver.

    Se todos os males do mundo fossem o uso de pronomes e outras coisas mais, não estávamos assim tão mal.