Calado e obediente: o país de Alexandra Reis

O caso Alexandra Reis teve a vantagem de trazer para a discussão pública uma das grandes maleitas de que padece a sociedade portuguesa, tantas vezes esquecida e menosprezada. Que é esta: a lei portuguesa alberga mil e uma escapatórias legais para todo o tipo de vigarice. Algumas são “só” imorais, outras estão “no limite da legalidade” e umas quantas seriam um crime apropriadamente julgado no primeiro mundo. Não que o primeiro mundo não as tenha, mas não consta que seja o ininterrupto espectáculo de variedades que temos por cá.

Portugal é exactamente isto. É a renúncia que dá direito a indemnização de meio milhão, é o contrato entregue ao familiar, é o ajuste directo para o tipo do saco azul da campanha, é o tachinho para o jota e o tachão para presidente da concelhia, é o escritório de advogados com meia dúzia de deputados em part-time no Parlamento, são os materiais de construção da obra pública que aparecem na casa do presidente da junta, é o ex-ministro no concelho de administração da empresa que tutelou, é a gamela do BES que deu de comer sem olhar a ideologias, são as empresas, os observatórios e as fundações públicas e é o primeiro-ministro que se passeia pelos tribunais, pela Ericeira e pelo Brasil há 10 anos.

Portugal é um país com medo. Que observa a bandalheira normalizada, calado e obediente. Na sua empresa, na sua freguesia, na câmara municipal, no Estado Social e no governo da nação. Calado e obediente. Com medo de ser o mexilhão que se lixa. Acabando lixado na mesma. Vergado ao seu fado, à TINA e ao futebol. Alexandra Reis e todas as Alexandras que vieram antes dela são o resultado deste Portugal que somos. Com medo, calado e obediente. And there’s more to come. Brace yourselves.

Comments

  1. Abel do says:

    Obdiente, sim; com medo, não me parece; calados, não. Por esses cafés e em todo o lado em que se encontrem dois portugueses deve-se falar do assunto, vociferar contra o governo, e que isto um dia destes, e cosa e tal. Mas fica tudo na mesma. O que falta para acontecer a revolução de que Portugal precisa? Será que alguma vez alguém que crie um movimento popular de oposição, de desobediência a este estado de coisas? Às vezes sonho acordado com esse momento, mas depois cai tudo no esquecimento.

  2. Paulo Marques says:

    Podia ser pior; podiamos ser um país de gente do bem onde tudo isso não passava de notícias falsas da conspiração judeo-bolchevique/nazi a serem castigadas, ou de um país onde quem governa era dono disto tudo a bem ou a mal, e, de qualquer forma, o FMI e o Banco Mundial, ou até a UE estavam bem com isso.
    Certo, certo, é que nunca chegaremos a um país em que isso não interessa para nada porque os nossos valores estão a ser atacados. Este meio-meio é que é uma tragédia que só neste país, somos obrigados a contar as migalhas onde outros chegam a comissários. Valha-nos Montenegro-Coisinho 2026.

    • Zé Povinho says:

      Você não fala das vigarices por todo o país ainda maiores e monstruosas, feitas pelo partido laranja, que você vem pr´qui apregoar para 2026! Aliás Sócrates também era um infiltrado laranja!!!

      • Rui Naldinho says:

        Você deve andar distraído. Se alguém malha no partido laranja e no rosa é o Paulo Marques. Arranjem-lhe outros defeitos, mas esse não.
        Não pode aterrar aqui de paraquedas e olhar para o primeiro comentário que lê, tirando ilações erradas. Se quer criticar o homem, vá buscar o que ele já aqui escreveu sobre negócios da política.
        A expressão por ele utilizada:
        “Valha-nos Montenegro-Coisinho 2026” é irónica.

        • Paulo Marques says:

          Por acaso não critico o PS que chegue, mas mais porque a alternativa realista é, bem, ainda mais do mesmo.

      • Paulo Marques says:

        Não falo porque, quer dizer, estão à vista; as reais, as imaginadas, e as por determinar.
        Mas também não gosto de falar de casos porque são casos, e resolvê-los mantém o sistema, cada vez mais a legalizá-los até o estado ser uma máquina de cheques a monopólios privatizados adquiridos baratinho pela metrópole.

      • luis barreiro says:

        SEgundo o teu pseudo pensamento a corrupção do ps é culpa do psd, do passos coelho, do cavaco e do salazar, tábem abelha.

        • Rui Naldinho says:

          Sim, sim. O PSD não tem corruptos. De onde vieram Isaltino Morais, condenado. Duarte Lima, condenado. Valentim Loureiro, condenado. Horta e Costa, condenado.

          • João Mendes says:

            É perda de tempo, Rui. A corrupção à direita, oriunda do PSD ou do CDS, tem sempre qualquer coisa a ver com o socialismo 🙂

          • Paulo Marques says:

            E aquele menino de bem, ligado ao MLDP, de Marco de Canaveses.

  3. Rosa Lourenço says:

    Só dentro da Assembleia da República poderá surgir alguém com coragem que exija uma revisão constitucional em que a solidariedade, (em vez de caridadezinha), a independência e autonomia económicas sejam bens próprios de cada cidadão e os valores morais, éticos e sociais sejam uma prioridade nacional e que o Interesse Nacional esteja bem definido, as omissões e lacunas legais sejam residuais …

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