Geração criminosa

Tantas vezes me lembro de uma frase da saudosa Fernanda – a aventadora que nos enviava Bilhetes do Canadá e que nunca conheci pessoalmente, mas tanto me marcou. Escreveu-me a Fernanda, num dos emails em que contava coisas do passado, que não se orgulhava da sua geração. Estranhei muito aquela ideia. Primeiro porque o orgulho é um sentimento de que não gosto. E depois porque não me faz sentido identificar-me com uma geração em bloco, na qual, como em tudo o resto, há de tudo.

Mas pensar na nossa geração (ou não), se calhar, é uma questão de idade. E hoje percebo melhor a frase da Fernanda. Não passei a identificar-me com a “minha” geração. Mas uma coisa sei: esta geração à qual pertenço foi/é devastadora. Levou o planeta à beira do abismo e até mesmo na iminência do caos continua sintonizada no lucro e no esbanjamento, traduzidos em PIBs criminosos.

Basta ter umas luzes sobre o ciclo da água para se saber que as monoculturas vorazes no Alentejo e no Algarve estão a contribuir para a desertificação destas regiões. Pois continua-se a desventrar o solo para sacar mais água em forma de frutos para exportar, e a construir mais centros comerciais e mais resorts com mais piscinas megalómanas, e a destruir ecossistemas para atoalhar áreas gigantes com painéis fotovoltaicos * e a construir outra vez mais resorts e a abater árvores para parques eólicos e tudo são projetos de “imprescindível utilidade pública“.

Se da tua geração não te orgulhavas, Fernanda, eu a esta tenho vergonha de pertencer, se é que tem de ser, obrigatoriamente, a minha.

*P.S. Em notícia de última hora, parece que a APA deu parecer negativo ao projecto da central fotovoltaica de Estoi, que iria levar à destruição de 154 hectares, em área de aquífero. Milagre!

Comments

  1. Pimba! says:

    … a geração dos meus pais deu cabo disto, mas a minha, pela inacção, tambëm não ajudou muito à festa, diga-se de passagem.
    Na minha geração vejo ainda muitos dos tiques de viver amersindado dentro do popó, mesmo para fazer 500m, porque [desculpas esfarrapadas].

  2. Paulo Marques says:

    As gerações valem o que valem, sendo um producto de propaganda capitalista, mas a anterior vendeu-se em troca de um sucesso frágil, a nossa achou que ia mantendo alguma coisa com bolinha baixa e muito boa vontade até os unicórnios se resolverem, e resta ver se se consegue reerguer os valores supremacistas de respostas fáceis, que pouco tempo resistem, mas podem ceder poder que chegue para manter o estado de coisas.
    A parte boa é que durar, não dura; a parte má é que pode levar a civilização com ela.

    • Anonimo says:

      Um produto sem C ou um quociente com dividendos.
      Houve gerações bem melhores, gente doutra cepa, antes é que era bom. Vivia-se bem em todo o lado, igalté e fraternité.
      Então os 80, essa década tão querida, nada de pessoal a querer experimentar umas nukes nem de gente ávida de lucro.

      • Paulo Marques says:

        Não sei, é tudo artificial. Mas, não tendo nascido do nada, as gerações que nos garantiram o que hoje aceitamos deitar fora, da saúde universal até lá atrás às 8h de trabalho e segurança social, merecem algum reconhecimento, não?

  3. JgMenos says:

    «continua sintonizada no lucro e no esbanjamento, traduzidos em PIBs criminosos»
    E vai daí … o que fazer da luta por mais e mais consumo, mais isto e mais aquilo?
    Ilumina os incréus, Ana!

  4. Ana Moreno says:

    O nosso consumo é feito à custa de outros e do planeta. Temos, exactamente, de decrescer. E de tornar a sociedade mais igualitária. Os pobres não precisam de decrescer.

    • JgMenos says:

      O dinheiro não se come, nem veste, nem cura.
      Que tal começar pela tão odiada austeridade nos países com mais elevado rendimento?
      Para dar o exemplo, que tal começar por congelar carreiras e remunerações dos funcionários públicos?
      Ilumina-nos, Ana!

      • Paulo Marques says:

        Exactamente, comece-se por retirar do mercado os bens essenciais que o PIB desce logo, por definição, sem se perder nada excepto os rentistas.
        Ou acha que o decrescimento começa por o quê?

      • Tuga says:

        Olha que a tua parceira ideologica, 1ª ministra da Italia esta a decretar 40% de taxas para os ricos.

        Qual a tua opinião como contabilista ?

  5. whale project says:

    Ainda não percebi muito bem porque se decidiu chamar austeridade ao miserabilismo mas o iluminado Menos lá saberá. E,já agora, porque não taxasr a sério os lucros dos bancos e canaliza-los para projectos de requakificaçao ambiental em vez de contonuar a bater no bombo da festa de todos os camelos que se acham a ultima bolacha do pacote, os funcionários públicos? É que muitos funcionários públicos são pobres, não precisam de descer mais e bem congelam no inverno por não terem dinheiro para aquecimentos. Se soubesses, meu iluminado das dúzias, o que é ganhar ordenado de administrativo, ter de trabalhar noutro lado para completar o magro vencimento, andar sempre com meio metro de língua de fora, não saberes como é que ainda estás vivo, não vinham com a conversa de merda de congelar carreiras, logo salários, a quem os tem já tão miseráveis. mas cá me parece que nunca soubeste o que foi vergar a mola.

    • JgMenos says:

      O Baleia trabalha demais e ganha de menos, segundo ele.
      E, odiando o lucro, seguramente só quererá receber o valor que acrescenta com o seu esforço; nesses termos, o Baleia é pelo fim do crescimento, que o mesmo é dizer, pelo fim da acumulação de capital.
      Mas seguramente que acabará por explicar como podem os pobres melhorarem de vida sem que haja crescimento movido a lucros e investimento, tal como aconteceu – e de modo notável – desde que a liberdade e o capitalismo iniciaram o seu percurso há uns escassos duzentos e pouco mais anos.

      • POIS! says:

        Pois claro! Pelo contrário, JgMenos…

        É um paladino do crescimento, movido a lucros e investimento, como tem acontecido, de modo notável, desde que a “liberdade” e o “capitalismo” se meteram a caminho, há uns 200 anitos.

        E, ao mesmo tempo, um crítico acérrimo do consumo que, segundo o próprio, é o único objetivo da “cambada”.

        Pelo que aqui temos mais um revolucionário contributo de Menos (1) para a moderna Teoria Económica: o crescimento não é possível sem aumento da produção, mas os resultados desta não se destinam ao consumo (muito Menos ao da “cambada”). Pelo que o país deve agora aumentar drasticamente a sua capacidade de armazenamento, criando Parques Armazenais, cheios de amplas naves e frigoríficos, para guardar a produção enquanto não vai para o lixo.

        Não há, pelo Menos, um Nobel, nem nada? Cá p’ra mim aquela malta dos suecos saiu-nos, afinal, uma boa cambada!

        (1) A seguir ao da Lei da Oferta e da Procura, por ele já transformada na Lei da Oferta e da Agora Não Posso Porque Estou Muito Ocupado no Trabalho.

        • Carlos Almeida says:

          Pois

          para alem de

          “1) A seguir ao da Lei da Oferta e da Procura, por ele já transformada na Lei da Oferta e da Agora Não Posso Porque Estou Muito Ocupado no Trabalho.

          esqueceu-se de

          2 ) Quem trabalha, não tem tempo para ganhar dinheiro

          • POIS! says:

            Sim, mas esse é o grande objetivo, segundo a Sumidade Menos.

            A colossal tese deste Colossal Pensador é A a de que a “cambada” tem demasiado tempo livre, por isso só pensa em consumo.

            Por isso deveria ser colocada a produzir a toda a força, para haver crescimento, deixando o consumo para Altas Personalidades Intelectuais, de que é evidente exemplo o próprio Menos.

            Como a “cambada” constitui, com evidente e profundo desgosto de Menos, a maioria da população, daí a necessidade de arranjar armazéns e frigoríficos para guardar a produção.

            Menos comete a inusitada de, finalmente, desagregar completamente a produção do consumo!

            É capaz de encontrar, na já longa história da Economia, alguém capaz de tamanho feito? Duvido!

            Diga lá que não estamos em presença de um, pelo Menos, Fenomenal Colossal Génio?

          • POIS! says:

            No quinto parágrafo, falta uma palavra. É assim: “Menos comete a inusitada proeza de, finalmente, desagregar(…)”.

            Há outras gralhas, mas de somenos importância. Isto é obra do Menos! Passa os dias a enxotá-las para aqui!

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