O dia em que a realpolitik bateu à porta de Zelenskyy

Stian Jenssen, chefe de gabinete do secretário-geral da NATO, Jens Stoltenberg, afirmou, no início da semana passada, que uma possível solução para o conflito em curso na Ucrânia passaria pela cedência de território aos russos.

Em Kiev, as declarações foram recebidas com fúria, o que se compreende. E Jenssen, pressionado, tratou de se desdizer. Mas o dano estava causado. Porque a hipotética solução não foi algo que lhe ocorreu no momento. Foi, seguramente, um dos cenários discutidos na cúpula da Aliança.

Depois da fúria, o executivo Zelenskyy acordou para a realidade. E a realidade é que a cedência de território, para a NATO (logo para os EUA) é uma hipótese real. Porque a invasão dura há um ano e meio, as sanções, mais do que não surtir o efeito esperado, são permanentemente contornadas pelos países ocidentais (que continuam a comprar combustíveis russos), a contraofensiva está a léguas dos resultados pretendidos e as eleições americanas do próximo ano poderão muito bem resultar no fecho da torneira que alimenta o esforço ucraniano. E se Kiev não o sabia, sabe-o agora.

A realpolitik, para lá de novelas, sentimentalismos e maniqueísmos, impôs-se ao wishful thinking. Nem a Federação, que não tem problemas em continuar a enviar os seus para o matadouro, está de rastos (ou sequer a “perder”), nem os ucranianos, infelizmente, conseguem resistir sem o dinheiro americano e europeu, nem os americanos e europeus estão disponíveis para suportar aumentos intermináveis no crédito à habitação, nos alimentos e na energia. A bolha vai, eventualmente, rebentar.

É por isso importante que as partes envolvidas e interessadas iniciem, sem mais demoras, conversações para um cessar-fogo. E que tal lhes permita evitar mais mortes e destruição, criar condições de convivência e libertar a economia do esforço de guerra que afecta todo o planeta. Chamem-lhe putinismo, se quiserem. É-me indiferente. Mas antes isso do que acordar um dia destes com a Ucrânia abandonada e totalmente absorvida pela Federação Russa. Da mesma forma que se abandonaram afegãos, curdos ou vietnamitas. Não seria inédito. Muito menos inesperado. Excepto para aqueles que acreditam que os EUA estão nisto pelos direitos humanos e pelo bem-estar dos ucranianos, e não pelo interesse geoestratégico e pelo imenso ganho económico que a invasão lhes proporcionou.

Comments

  1. Anonimo says:

    A única solução viável é uma que seja desagradável para ambas as partes.
    Inclui perda de território para a Rússia. e que estes “patrocinem” a reconstrução e permitam entrada na NATO e quiçá uma basesita por lá

    • balio says:

      A única solução viável é aquela que estiver de acordo com as condições no terreno.
      E essas condições são, a Rússia conquistou uma certa porção de território ucraniano e a Ucrânia mostra-se incapaz de a reconquistar.

    • Paulo Marques says:

      Nenhuma dessas vai acontecer, por motivos óbvios. O sentimento de ameaça tem 30 anos, e, concordando ou discordando, é indiferente a mais promessas de segurança para quebrar. Ainda por cima porque o que restará na Ucrânia será a extrema-direita supremacista.

    • João Mendes says:

      Comecei a defender um embargo à Rússia em 2014, aquando da anexação da Crimeia. Chamaram-me comunista porque não respeitava a liberdade dos mercados. Mandei-os foder. Agora, julgo que será tarde demais para isso. A contraofensiva não avança, a NATO já fala em ceder território a Putin e uma possível eleição de Trump fecha a torneira que garante o esforço de guerra. WIshful thinking não resolve nada.

      • Paulo Marques says:

        Um embargo à Russia em 2014 e a extrema-direita alegremente cavalgava o continuado colapso económico na eurolândia. Quem sabe sem necessidade de um volte-face às relações a leste.

        • Paulo Marques says:

          Mas, já agora, a vontade dos crimenos vale mais ou vale menos do que a dos catalães, ou dos escoceses? Só para saber onde nos encontramos.

      • Nortenho says:

        “Comecei a defender um embargo à Rússia em 2014, aquando da anexação da Crimeia.”

        A Crimeia sempre foi Russa.. Só um pseudo esquerdista mas na verdade não um Yankee friend, mas um lambe botas de americanos com todas as letras, diria tal coisa.

        Finge que és de esquerda e chama nomes ás mães do outros se te dá gozo, mas já não enganas ninguém, com as tuas prosas longas e chatas

        • João Mendes says:

          Claro, és tu que és da verdadeira esquerda, meu murcão. As prosas são longas e chatas? E tu ainda perdes tempo a comentá-las? Então és ainda mais murcão do que aparentas. Não te trates, não.

          • Nortenho says:

            “Claro, és tu que és da verdadeira esquerda, meu murcão.”
            Que conversa de pos adolescente lambe botas

          • Anonimo says:

            Da esquerda é quem diz ser. E chama os outros de liberocas. Não se é por decreto.

          • Anonimo says:

            “Morcão”
            (mur-côn)

      • balio says:

        Se defendeu um embargo à Rússia em 2014, fez mal. Os embargos impostos por estados são sempre péssimas ideias. As pessoas e as empresas devem ser livres de comerciar entre si. Embargos são restrições à liberdade.

        • Paulo Marques says:

          Espero pelo mesmo sobre Cuba e Irão, já que são excelentes métodos de matar pessoas à fome.
          Mas também não há nada de livre no mercado, o poder aglomera-se.

          • balio says:

            Sim, claro que aquilo que escrevi também se aplica aos embargos a Cuba e ao Irão. Esses embargos são errados, tal como todos os outros.

  2. balio says:

    All we are saying
    is “Give peace a chance”

  3. Paulo Marques says:

    O governo ucraniano sabe-o, ou não fosse os que têm uma crise de consciência chutados pela porta o mais rápido possível; com uma táctica que também faz muito sucesso pela eurolândia, a descoberta milagrosa de corrupção que ninguém esperava!
    Importante, importante era antes de 22 de Fevereiro do ano passado, se o interesse fosse o alegado, mas isso nunca esteve em cima da mesa desde 1989. O grave é que o ocidente acreditou na sua própria propaganda, e atolou-se à espera que funcionasse e convencesse alguém externo. É a vida.
    Há, certamente, quem veja mais amplo e fique contente com o completo controlo de um país que servirá de modelo para a eurolândia e demais satélites, bem como a desmoralização do antigo adversário. Salva-nos que há mais por onde lucrar agora, e outro adversário que não se verga por muito que se atire as financeiras para cima. O louco que quer bombardear Moscovo pode servir de mártir aos fasços do sítio para manterem o investimento na ordem, que o lançamento das bombas estragava os negócios.

  4. JgMenos says:

    …entretanto a China vai estendendo as sua garras.
    Uma Rússia derrotada será europeia.
    Uma Rússia vitoriosa será apêndice chinês.

    • Paulo Marques says:

      E que tal, sei lá, ser a favor de que não haja esferas de influência?

      • JgMenos says:

        E que tal, umas novenas e ir a pé a Fátima?

        • Paulo Marques says:

          Isso é uma admissão de que prefere a exploração que alegadamente lhe dá privilégios?

    • POIS! says:

      Pois desta vez…

      JgMenos poupou-nos á sua homilia na celebração dominical da Igreja Universal Liberal do Reino do Pataco.

      Desta vez dá asas à sua amplamente reconhecida atividade divinatória. A técnica usada é a chamada Trotilmância, isto é, leitura das borras de vinho tinto depositadas no fundo de um garrafão de cinco litros após a sua completa ingestão pelo Professor Mestre Menos.

      Técnica arriscada, em que Menos sacrifica corajosamente o seu físico a bem da Humanidade!

  5. Júlio Santos says:

    E alguém acredita que a Rússia se ficaria por aí com o espaço cedido pela Ucrânia? Estes políticos são mesmo o super sumo da estupidez.

    • Paulo Marques says:

      Não, vai chegar a Lisboa no Natal, passando por cima da missão internacional, seja lá de quem for, que será essencial de qualquer forma.

  6. Cenários, suposições…….

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