Sim, estamos todos sujeitos

bombs

Desde o dia em que Durão Barroso decidiu associar Portugal à invasão terrorista do Iraque, sob o pretexto da erradicação de armas de destruição maciça que afinal não existiam, que o nosso país ganhou o seu lugar no radar dos fundamentalistas islâmicos. Estávamos em 2003, dois anos haviam passado desde o 11 de Setembro e, nos dois anos seguintes, Madrid e Londres seriam palco de violentos atentados terroristas. Na estação de Atocha, em Março de 2004, morreram 191 pessoas e 2050 ficaram feridas. No metro de Londres, em Junho de 2005, morreram 56 pessoas e cerca de 700 ficaram feridas. Portugal escapou milagrosamente à barbárie jihadista. Já o Iraque, incomparavelmente mais violento hoje do que antes da invasão, assiste a atentados terroristas com uma cadência quase semanal. O último foi no passado Domingo, num estádio de futebol em Bagdade. Morreram mais de 40 pessoas mas o Facebook não se encheu com bandeiras do Iraque. [Read more…]

A torcer o pepino

©BBC Asia

A 1 de Julho de 2015, entrou em vigor, em Inglaterra, uma lei, genericamente conhecida como “Prevent Duty” (Dever de Prevenção), que obriga directores, professores e funcionários das escolas dos diferentes graus de ensino a relatar às autoridades qualquer manifestação de uma possível radicalização das crianças e adolescentes. O objectivo é lutar contra o terrorismo desde a mais tenra infância e promover “os valores britânicos”. Na prática, qualquer membro da comunidade escolar está obrigado por lei a denunciar qualquer acto, frase, sinal, por dúbio que possa parecer-lhe, de que as crianças e adolescentes estão em contacto com terroristas.

O primeiro caso, largamente noticiado pela comunicação social, aconteceu com um rapaz de dez anos, muçulmano, de Lancashire, que, numa composição, escreveu que vivia numa “terrorist house”, quando pretendia escrever “terraced house”. O engano valeu-lhe a visita da polícia, no dia seguinte. Entraram-lhe em casa, fizeram-lhe perguntas e inspeccionaram-lhe o computador. De nada valeu à família indignar-se contra o professor, que apenas tinha feito aquilo a que a lei o obrigava. “Ele não tem medo de escrever, de usar a sua imaginação”, ainda frisou a família. Bem, veremos se isso se mantém a partir daqui. O caso não foi mais além, já que apenas se conseguiu provar que o miúdo não relia os textos antes de entregá-los ao professor. [Read more…]

Pedro e o lobo

O compositor russo Sergei Prokofiev, decidiu, em 1936, compor um tema musical que permitisse explicar às crianças as sonoridades dos diversos instrumentos musicais que compõem uma orquestra. Pedagogicamente, cada personagem é representado por um instrumento.

No entanto, o mesmo título tem sido usado para identificar uma das fábulas atribuídas a Esopo (autor grego do Séc. VI A.C., cuja existência vagueia entre a lenda e a realidade), – embora também surja em algumas publicações como “Pastorinho e o lobo” – cujo enredo consubstancia, como é normal nas fábulas, uma mensagem também ela pedagógica, para crianças e adultos, e que ainda hoje, usualmente, é invocada.

“Pedro e o lobo” é, pois, mais conhecido como a fábula do pequeno pastor que de tanto brincar às falsas ameaças da presença de um lobo, resulta que quando o lobo efectivamente surge, já ninguém o leva a sério e ela acaba por perder as suas ovelhas.

Todavia, ambas têm inegável mérito: a composição musical de Sergei Prokofiev visa cativar e instruir a criança pelos caminhos das sonoridades e da música; a fábula, no seu natural pendor metafórico e alegórico, ensina que não devemos enganar os outros, cuidando do crédito das nossas palavras.

Aproximar as crianças à música, guiá-las nos caminhos dos sons, faz parte integrante de um saudável processo de crescimento. Mas, também, os adultos só têm a ganhar se se propuserem a essa mesma descoberta, educando e apurando os sentidos e a percepção.

O mesmo se diga de incutir responsabilidade e cuidados nos mais novos, ensinado-os a não enganar os outros, dando-lhes referências de cuidados a ter quanto ao que valem as suas afirmações. Um sentido de responsabilidade no que se diz, no que se afirma, na interacção com os outros. O mesmo valendo – de modo ainda mais vincado, porque a maturidade por isso demanda – para os adultos: para nos levarem a sério no que dizemos, temos de o dizer com seriedade. Sob pena de, tal como o Pedro – ou o Pastorinho – de Esopo, de tanta ameaça falsa, ninguém acreditar quando ela for verdadeira.