Carta aberta a Rui Rio

Caro Rui Rio,

São vários os motivos que me levam a escrever-lhe esta carta, mas foi o medo o que mais me motivou. Conhece o velho ditado da política portuguesa, “quem se mete com o PS leva”? Pois bem, aqui pelo concelho da Trofa, a versão que melhor se adequa à realidade actual é “quem se mete com o PSD leva”. E alguns dos principais responsáveis locais do PSD Trofa estão consigo, a trabalhar activamente na campanha e em lugares elegíveis pelo círculo do Porto. Uns “bateram”, outros ficaram à porta a ver.

Ao longo dos últimos seis anos, fui várias vezes ameaçado e insultado por elementos do seu partido, que incomodaram familiares, amigos e a minha vida profissional, por ter a ousadia de tentar fazer aquilo que o senhor anda a defender há meses: dar um banho de ética à política local. Vou contar-lhe a minha história, na esperança de conseguir a sua atenção para este caso.

No ano de 2013, alguns meses antes das eleições autárquicas que levaram o actual executivo camarário PSD/CDS-PP ao poder na autarquia trofense, foi contratada uma empresa para gerir a comunicação da coligação. A empresa, de seu nome Comunicatessem, criou, por sua vez, um jornal chamado Correio da Trofa. Sobre os contornos da criação deste jornal de fachada, sugiro que se informe junto da sua colega da direcção nacional do PSD, Isabel Cruz, mandatária da campanha em questão e que colaborou com o referido jornal, ou com o candidato e futuro deputado trofense, Alberto Fonseca, que integrou o núcleo duro da campanha. Penso que ambos estarão habilitados a contar-lhe a história do Correio da Trofa.

Resumidamente, o Correio da Trofa foi, literalmente, a voz do dono. Serviu como meio não-oficial de propaganda da coligação, serviu como veículo para ataques pessoais à oposição, alguns dos quais sob anonimato, e serviu também, posteriormente, para caluniar quem, como eu, ousou denunciar inúmeras situações violadoras da ética que o senhor afirma querer defender e elevar.

Vencidas as eleições, eis alguns factos que passarei a relatar, que no meu entender, e no de muitos dos meus conterrâneos (e, estou convencido, no entender de muitos portugueses) representam uma clara violação da ética e da dignidade que ambos pretendemos para a política nacional:

  1. A então esposa do proprietário da empresa Comunicatessem foi nomeada Chefe de Gabinete do autarca eleito, Sérgio Humberto;
  2. Uma empresa constituída no início de 2014 pelo então director do Correio da Trofa, Pedro Póvoas, e pelo jornalista André Cordeiro, chamada Flexisílaba Publicações, Lda, adquiriu o jornal Correio da Trofa e, em Agosto do mesmo ano, celebrou um contrato no valor de 20 mil euros + IVA com a autarquia, na modalidade de ajuste directo (LINK AQUI PARA BASE.GOV), para a criação de uma publicação e organização de um concurso de fotografia. Ambos trabalharam na campanha da coligação PSD/CDS-PP;
  3. Também em 2014, dois meses após o ajuste directo supracitado, a designer do Correio da Trofa, Ana Soares, que também trabalhou na campanha da coligação e que o executivo havia já escolhido para exercer funções no Cinetrofa, uma das primeiras iniciativas da nova gestão autárquica, assinou dois contratos com a autarquia. Ambos para a área da publicidade, ambos por ajuste directo. Separados por um mês. O primeiro no valor de 26.304,00€ + IVA, o segundo no valor de 27.400,00€ + IVA, perfazendo um total de 53.704,00€ + IVA (LINKS PARA BASE.GOV AQUI E AQUI);
  4. Todos os cronistas, e até uma jornalista, da direcção da JSD, eram militantes do PSD e do CDS-PP, alguns deles eleitos para funções autárquicas, caso de José António Barbosa, Maria Emília Cardoso e, como já anteriormente referido, Isabel Cruz, hoje dirigente nacional do PSD;
  5. O director do Correio da Trofa que sucedeu a Pedro Póvoas chamava-se Miguel Ângelo Pinto. O mesmo Miguel Ângelo Pinto que, em Abril de 2016, surgia como contacto de assessoria de imprensa do PSD de Santo Tirso, concelho vizinho, na sequência de um comunicado que visava uma velha disputa territorial entre ambos os concelhos. Como deve saber, à luz do regulamento da Comissão de Carteira Profissional de Jornalistas (CCPJ), à qual todos os jornalistas estão vinculados, “o exercício da função de jornalista é incompatível o desempenho de: e) funções de assessoria política ou técnica”. Uma ilegalidade, portanto.
  6. Por ter escrito sobre o ponto 5 no blogue …e a Trofa é minha, fui abordado pelo jornalista Miguel Ângelo Pinto, que me respondeu o seguinte: “Boa tarde. Li com interesse o texto publicado. E de facto não há coincidências. O Miguel Ângelo Pinto de que fala é uma e a mesma pessoa. Eu. Com um ligeiro senão: já deixei há uns meses largos o jornalismo com a consequente entrega da Carteira Profissional de Jornalista. Como tal, não tenho qualquer ligação ao jornal Correio da Trofa, de que fui de facto diretor, nem tão pouco exerço no presente qualquer função jornalística. Mais informo que em momento algum acumulei funções como director da publicação em causa e com o emprego numa agência de comunicação no Porto. Não como assessor de imprensa do PSD de Santo Tirso. Quanto às considerações polítiicas sobre direita ou esquerda, vou relevar a insinuação, que acredito estar fundada no desconhecimento da situação em apreço. Melhores cumprimentos, Miguel Ângelo Pinto”
    Contudo, o seu nome continuou a figurar na ficha técnica do jornal durante várias edições. Não só a ficha técnica era fraudulenta, como o jornal funcionava sem um único jornalista nos seus quadros e a não-existência de um director violava o decreto regulamentar 8/99, publicado a 9 de Junho de 1999 em Diário da República, que, no seu artigo 17, refere como elementos de registo obrigatórios, para que um jornal esteja dentro da legalidade, entre outros, o nome do director designado.
    Nada disto impediu que, durante vários anos, até ao encerramento do Correio da Trofa, a CM da Trofa lá fizesse publicidade paga, com o dinheiro dos contribuintes, alimentando, desta forma, um veículo da sua própria propaganda. Não impediu o Correio da Trofa de ter o acesso habitualmente concedido a órgãos de comunicação social a actividades organizadas pela autarquia, inclusive o acesso à utilização de stands em grandes eventos locais, apesar de não elegível.
  7. Perante as dúvidas que toda esta situação me despertou, decidi tomar uma posição e reportar a situação à Entidade Reguladora da Comunicação Social. Expus literalmente aquilo que escrevi em cinco das seis publicações que escrevi sobre o tema, para as quais lhe deixo os links em baixo. A resposta, datada de 29 de Novembro de 2016, deixou-me perplexo. O Correio da Trofa, como jornal credenciado pelas autoridades competentes, não existia. Foi cancelado oficiosamente a 13 de Julho de 2016, depois de mais de um ano e meio sem responder às solicitações legais da ERC. Segundo a resposta que me foi enviada, e que poderá encontrar no último link em baixo, o último jornal enviado à ERC data de 31 de Janeiro de 2014. Desde então, três meses após as eleições que levaram a coligação encabeçada pelo seu partido ao poder, o Correio da Trofa deixou simplesmente de cumprir com as suas obrigações junto das entidades competentes.
  8. O nível de aparente promiscuidade é tal que, terminada a campanha eleitoral de 2013, o Correio da Trofa mudou-se de armas e bagagens para o exacto mesmo local que até então havia servido de sede de campanha da coligação PSD/CDS-PP. Será que alguma vez saiu de lá?

E porquê agora, Dr. Rui Rio?
Porque estamos no final do período eleitoral?

Precisamente.

Repare, Dr. Rui Rio, que eu não sou ninguém. Ninguém no sentido da minha voz ter, tal como a sua, amplitude nacional. E o que pode fazer um joão-ninguém como eu, que ninguém conhece ou tem interesse de ouvir? Um joão-ninguém que, tendo tentado fazer-se ouvir no seu concelho, foi atropelado por uma máquina política, tendo sido insultado, ameaçado e caluniado, a ponto de ter sido contratado um individuo que, não se lhe conhecendo um único escrito, se transformou em cronista do Correio da Trofa, com o objectivo de me insultar de 15 em 15 dias?

Perante a minha secundária condição e os ataques de que fui alvo por delito de opinião, escolhi este momento pelo motivo óbvio. Porque estando a campanha eleitoral na recta final, este tipo de caso tende a despertar o interesse da imprensa, mais ainda quando pelo menos dois futuros deputados da nação estão perfeitamente familiarizados com toda esta situação, tendo um deles, muito provavelmente, assistido ao parto do referido jornal. Tendo ambos sido entrevistados por um jornal sem jornalistas. Eles e, por exemplo, a nossa presidente da Assembleia Municipal, a sua colega Isabel Cruz, o presidente Sérgio Humberto, todos os vereadores e presidentes de junta do PSD.

Importa ainda sublinhar que este caso se traduz também em números, não apenas em momentos de opacidade. Por um lado, os ajustes directos para pessoas que trabalharam na campanha e no jornal, que rondam os 74 mil euros + IVA. A que se junta um número indeterminado, porque escapa à malha pouco fina do Base.Gov, de milhares de euros referentes a mais de quatro anos de publicidade paga pela autarquia e pelas juntas de freguesia do seu partido.

Sim, eu sei que este não é um grande tema da capital, que envolve grandes tubarões políticos. Mas a ordem de grandeza dos valores envolvidos não está muito distante do valor que a Protecção Civil gastou nas golas feitas pela empresa do filho do Secretário de Estado. E não estamos a falar no governo da nação. Estamos a falar de um concelho de pequenas dimensões, onde os valores envolvidos são verdadeiramente relevantes.

Porém, se o Dr. Riu Rio é um homem de palavra, parece-me imperativo que assuma uma posição perante este caso. Se é seu honesto propósito lutar por uma forma de fazer política e de conduzir negócios públicos mais ética, digna e transparente, o seu silêncio perante a ponta deste icebergue fará com que essa sua ambição, da qual partilho, pareça uma simples encenação. E eu estou convencido, e espero não estar enganado, que o senhor está determinado em levar a sua luta até às últimas consequências. Tomara eu ter a sua força e influência. Porque, infelizmente, a determinação de um joão-ninguém de pouco ou nada vale contra tão poderosa concelhia de tão poderoso partido.

Saudações democráticas!

Leituras adicionais:

Aquilo que a coligação Unidos pela Trofa não lhe contou: a origem do Correio da Trofa

Aquilo que a coligação Unidos pela Trofa não lhe contou: dinheiro público para colaboradores do Correio da Trofa

O Correio da Trofa hoje: coincidência ou ilegalidade?

Confirma-se: existe uma situação de ilegalidade no Correio da Trofa

Correio da Trofa, um jornal que não respeita a lei

Orgulho Trofense, ou o dia em que desmascarei uma fraude chamada Correio da Trofa

Comments

  1. Rui Naldinho says:

    Como eu compreendo o João.
    Também eu, antigo eleitor da Trofa, freguesia de São Romão do Coronado, votei nessa “avantesma” do Sérgio Humberto, da primeira vez que ele foi eleito, para de lá correr com a Joana Lima, ex presidente da câmara municipal da Trofa, outra incompetente, neste caso, do PS. A Senhora era uma nulidade completa. Mas entre um e o outro, venha o diabo e escolha!
    O problema dos portugueses e dos munícipes em geral, é constatarmos que por muito que queiramos mudar o país e os nossos concelhos, maioria das vezes limitamo-nos a trocar de oportunistas, cheios de manhas, quase sempre com um novo ideário, mas só no papel. Eleitos cafrealizam como os outros. Já estou a imaginar o PAN coligado com o PS a deitar para trás tudo aquilo que nos prometeu. Uma espécie de queijo limiano travestido de “fromage vegan”!

  2. Julio Rolo Santos says:

    Pode ter razão no que apresenta mas a altura e a oportunidade para o fazer é que me parece inoportuna e, por isso, cheira-me a oportunismo político. Se foi e é tão mal tratado pelo partido a que se refere é altura de o riscar das suas preferências de voto no próximo dia 6. Será isso que vai acontecer? É que o masuquismo, por vezes, leva-nos a reincidir no mesmo erro

  3. JgMenos says:

    Só não percebi qual era/é o outro jornal que existe/ia na Trofa.

    • abaixoapadralhada says:

      JgMenos

      Tu deves estar mais a par do que se passa com os Jesuitas de Sto Tirso

  4. Armindo de Vasconcelos says:

    Ó João, deixa-te de “masuquismos”…

  5. Ana Moreno says:

    Parabéns, João, pela denúncia. É dessa coragem cívica que mais estamos precisados.

  6. Miguel Nscimento says:

    Frustrante…a sua posição e determinação…
    O pior é que, provavelmente, existem centenas de situações similares.

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