Crónicas do Rochedo 35 – Turismo e Aviação

Aviao

Para quem se interessa pela temática do turismo uma das páginas web essenciais é a espanhola Turama. Foi nessa página que encontrei algo bastante preocupante para o turismo nos próximos tempos.

Segundo a Turama, que participou num evento realizado hoje, os especialistas do sector aéreo comercial Christoph Mueller (ex Emirates e Aer Lingus), Montie Brewer (ex United Airlines) e Tony Tyler (director geral da IATA) chamaram a atenção para várias questões e problemas que se avizinham no pós Covid 19.

A correr tudo bem algumas companhias aéreas poderão recomeçar as suas operações a partir de junho. Considero tal um cenário muito optimista. Ora, mesmo assim, será com muitas restrições, seja em número de voos, seja no número de passageiros permitidos por aeronave, seja no número de destinos. A OMS já chamou a atenção que as restrições em termos de liberdade de movimentos e distanciamento social são para manter. No fundo, sem vacina a normalidade estará adiada. A previsão será de os aviões só serem autorizados a usar um terço dos seus lugares. 

Como explicam os especialistas citados pela Turama, isso só será possível nas companhias aéreas que tiverem um forte apoio estatal. Dai alguns países já terem passado a mensagem de que estão a pensar em   nacionalizar as suas companhias (é o caso da TAP, American Airlines, Brussels Airlines, Swiss, entre outras). Depois temos as companhias aéreas cujos respectivos governos já avançaram com medidas de protecção económica (Norwegian, Emirates e Singapura Airlines).

É aqui que surge o problema mais complexo para o turismo português: a Ryanair e a EasyJet. Primeiro problema: Tanto uma como outra precisam que os seus aviões tenham uma taxa muito elevada de ocupação para operarem. Sem a vacina tal não será possível.

Segundo problema: A Ryanair nunca foi pública ao contrário da sua congénere Aer Lingus. Será natural que o governo irlandês nacionalize a Aer Lingus mas o mesmo não é verdade para o caso da Ryanair. O caso da EasyJet não é diferente. Com a agravante de o RU necessitar de salvar a British Airways, a Jet2, a Virgin Atlantic, a Longanair e a Eastern Airways.

Vamos aos números e vamos aos que tenho, os valores de 2019 e tendo como fonte a ANAC:

Em 2019 Portugal somou cerca de 59 milhões de passageiros nos seus aeroportos (12,6 milhões no Porto, 32 milhões em Lisboa, 8,9 milhões em Faro, já na Madeira foram 3,2 milhões e os Açores 2,1 milhões). 

Nestes números, a Ryanair representa cerca de 10% de Lisboa (3,2 milhões de passageiros) e é a segunda companhia aérea da Portela. A EasyJet é a terceira companhia aérea em Lisboa com uma taxa de aproximadamente 5% (1,6 milhões de passageiros). 

Por sua vez, no Porto a Ryanair é a líder em termos de passageiros (4,4 milhões) e a EasyJet é a terceira (1,2 milhões de passageiros). Já em Faro temos que a Ryanair é a primeira (com 2,6 milhões de passageiros) e a EasyJet é a segunda com cerca de 1,8 milhões de passageiros. Na Madeira a EasyJet é a segunda companhia com cerca de 350 mil passageiros (Ryanair não está no top 10) e nos Açores a Ryanair é a segunda companhia com aproximadamente 450 mil passageiros (a EasyJet não entra no top 10).

Tudo isto significa que a Ryanair e a EasyJet em conjunto representam quase 16 milhões de passageiros nos Aeroportos portugueses e, sublinhe-se, a Ryanair é a número um no Porto e Faro e segunda em Lisboa e nos Açores. A EasyJet é a segunda em Faro e na Madeira e terceira em Lisboa e Porto. Além disso, existem mais lowcost a viajar para os nossos aeroportos, como a Transavia ou a Jet2, entre outras.

Não esquecer, que as lowcost representam a larga maioria dos passageiros “turistas”. Sendo que o seu peso no Porto, Faro, Madeira e Açores é inquestionável. 

Em suma, na visão dos especialistas ouvidos pela Turama, num cenário que considero bastante optimista, a partir de junho temos uma perda garantida de 2/3 dos turistas que nos visitam através destas companhias ou seja, 10,5 milhões de turistas. O outro terço só acreditando que as referidas companhias vão manter os preços actuais – algo considerado, pelos mesmos especialistas, como impossível. Já para nem falar nos chamados voos charter, uma impossibilidade por motivos óbvios. Sem vacina dificilmente as coisas vão mudar.

A quem interesse estas temáticas pode sempre ler a Crónica 30 e a Crónica 31.

 

Comments

  1. Rui Naldinho says:

    O sector do Turismo foi em boa medida o veículo transmissor do vírus, e em má hora será o sua principal vítima. O transporte aéreo é uma das componentes do sector, com um peso económico muito grande. Logo, levará muito tempo a recuperar.
    A razão para que países como a Itália, a Espanha, a França, e por fim a Suíça, isto na Europa, tenham altas taxas de infectados, por habitante, resulta para mim, de uma combinação explosiva:

    São os países da Europa, com maiores taxas de ocupação turística, seja nas estâncias de Ski, seja nas praias onde milhares de reformados passam o Inverno. Têm fortes relações sociais. Conheço bem a Itália e a Espanha, isto já para não falar no nosso Tuga, e todos sabem que espanhol que se preze, tem de ir ao fim do trabalho picar uns bocadillos ao bar da esquina, seja perto do local de trabalho seja da residência .

    Os governos tardaram em tomar medidas?
    Se calhar tardaram, como se vê pelos números. Mas em face de economias com percentagens a rondar muitas vezes os 14% do PIB, na actividade turística, meter travão a fundo como muitos desejavam, logo no início, era pô-los a matar uma boa parte economia. Ou seja, os governos regionais e centrais tentaram mitigar os danos, sem perceberem que este vírus não é uma simples gripe de inverno, é pior, e transversal, não está associado aquele preconceito muito europeu, de que só acontece aos chineses, latino americanos e africanos porque tem falta de condições de higiene, são pobres, etc.
    A fúria da natureza não escolhe raças nem credos.

  2. Luís Lavoura says:

    Todo este post assenta sobre a ideia de que os aviões terão que voar com 1/3 da sua capacidade.
    Isso é necessário para que os passageiros estejam sentados a um metro um do outro. Mas, para o mesmo efeito, será necessário que no metropolitano ou nos autocarros urbanos se circule para aí a um quarto da capacidade. O que é evidentemente inviável – nenhuma cidade funciona com somente 1/4 das pessoas a circular no autocarro ou metropolitano.
    Eu diria que tudo isto é irrealista e que em breve se considerará, e muito bem, que a epidemia terminou e que se pode retomar a vida normal. Até que venha outra epidemia – o que é sempre possível, mas improvável.
    Não se pode viver permanentemente como se se estivesse sob uma epidemia. A partir de certo ponto, tem que se considerar que não há epidemia, ou então que há mas que ela não é suficientemente grave para impedir a vida normal (isto é, que a doença epidémica não mata tanto como a peste negra, a varíola ou o ébola).

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