A honra de estar vivo

Há poemas tão nítidos, tão aparentemente prosa, tão imediatamente coração que é fácil percebê-los e ficamos surpreendidos com essa facilidade, cheios de palavras de outros que dizem exacta e misteriosamente tudo aquilo que pensamos. O sortilégio da literatura, aliás, é este: encontrar, nos outros, palavras que são nossas.

Este poema de Jorge de Sena, ampliado pela voz de Mário Viegas, é ainda mais fácil de perceber quando nos apercebemos de que estar vivo é uma honra, de que cada vida vale mais do que qualquer mundo, de que as pessoas são mais importantes do que a economia. A economia, aliás, embora pense que não, precisa desesperadamente das pessoas.

Um grande amigo, que estará sempre entre nós, contava-me que, um dia, na Cidade do México, a caminho de um qualquer evento luxuoso, entrou, por acaso, numa taberna do lado pobre da imensa metrópole, um sítio onde até os olhares cheiravam a miséria. “É nessas alturas”, dizia-me, “que um tipo tem de pensar na sua camisinha e na sua gravatinha.”

Não pensamos, nunca pensámos, o suficiente uns nos outros, habituados que estamos à camisa e à gravata. Nós, os privilegiados, temos uma dívida impagável para com um mundo inteiro de médicos, enfermeiros, padeiros, homens do lixo, uma dívida impagável para com todos os que ficarão desempregados ou com salários reduzidos porque a sociedade humana é pouco humana e ainda menos sociedade. O homem é lobo do homem. É lobo.

Se concluírem – e bem – que não passo de um burguês que persegue frases raras carregadas de belos sentimentos, acertaram. Faço pouco, eu sei, as frases nem sequer são minhas, os belos sentimentos são efémeros. Não sejam como eu. Sejam muito melhores. Para pior, já bastam excreções com pernas, como o Trump ou o Bolsonaro ou toda a corja que sonha com um crescimento económico que se faz à custa de milhões de miseráveis, como os que o meu amigo viu na Cidade do México, parentes próximos dos fuzilados a 3 de Maio de 1808. Sim, porque o empobrecimento que enriquece uns poucos é um fuzilamento em câmara lenta, um desrespeito pela honra de estar vivo.

Não vai ficar tudo bem. Isso é mais uma razão para tentarmos ser melhores.

Comments

  1. …” mais uma razão para tentarmos ser melhores.” ! depois de lermos este seu excelente texto /reflexão ” tão imediatamente coração”, António Fernando Nabais .

    Bem haja !

  2. JgMenos says:

    « O homem é lobo do homem. É lobo.»
    «o empobrecimento que enriquece uns poucos»

    Uma boutade e um disparate.

    Nem como literatura…

    • abaixoapadralhada says:

      Podes ser o que todos conhecemos, mas tens que ter pelo menos a decência intelectual de perceber que se eu tenho um bolo com 10 fatias para 10 pessoas, e se uma comer 8 fatias, os outros 9 ficam com apenas 2 fatias para distribuir por eles.
      Isto ate uma criança do infantário percebe.
      Se não percebes isto, para alem de intelectualmente desonesto, és um bocadinho limitado.

      • Democrata_Cristão says:

        O JgMenos é burro sim !

      • POIS! says:

        Pois mas é melhor arranjar outro exemplo.

        Parece que o JgMenos não gosta de bolos. Tente com garrafões de cinco litros que ele já entende.

  3. António Fernando Nabais says:

    Tens razão. Já outros escreveram o mesmo muito melhor. Vai ler, filho.

    “E eu pergunto aos economistas políticos, aos moralistas, se já calcularam o número de indivíduos que é forçoso condenar a miséria, ao trabalho desproporcionado, à desmoralização, à infâmia, à ignorância crapulosa, à desgraça invencível, à penúria absoluta, para produzir um rico?”

    Almeida Garrett, “Viagens na Minha Terra”

  4. JgMenos says:

    Boutade – Trait de mauvaise humeur; souvent proche de la contre-vérité.

    A lógica de que para que haja ricos é preciso que haja empobrecimento e um disparate, mas que soa como um salmo de louvor à cretinice esquerdalha.

    Para os esquerdalhos ainda mais mentecaptos:
    A necessidade de que haja miséria para que haja ricos coloca a questão de saber.se porque há miséria capturando o Estado tanta riqueza que aplica em tão variadas outras coisas que não por o fim à miséria. A resposta que derem para o Estado serve para os ricos,

    • António Fernando Nabais says:

      Tens muitas leituras em atraso. Aproveita a quarentena. Vai ao psicanalista, para ver se percebes os sonhos húmidos que tens com a esquerdalhada e os esquerdalhos. Até reviras os olhos, não é, filho?

      • JgMenos says:

        ò tio, olhe que não!
        Por acaso, ontem à noite pus-me a folhear um livro sobre história militar e não pude deixar de associar a esquerdalhada àquele espírito de rapina que estendeu o império.
        Certo é que os antigos arriscavam a pele e não ficavam à espera que o saque lhes viesse sem esforço
        Mas será do progresso ou da degenerescência, estamos neste pasmo algo repugnante.

        • abaixoapadralhada says:

          Mais um vomito, repugnante Sa Lazarento ?

          É melhores veres se não tens o COVID 19

          Se calhar a seguir vais ter dores de cabeça, isto se tiveres alguma cabeça para ter dores !

        • António Fernando Nabais says:

          Ó meu querido sobrinho, que grande confusão que vai nessa cabecinha cheia de traumas: queres ver que o Salazar-da-Angola-é-nossa-incensador-do-Portugal-que-vai-do-Minho-a-Timor era um esquerdalho que rapina? E essa ideia de que houve uma Idade de Ouro em que o saque, ou seja, a rapina era uma manifestação de grandeza, o que quer dizer que a esquerdalhada, afinal, era grandiosa?
          Só há mesmo duas possibilidades: ou finges que és burro, o que é uma pena, ou és mesmo burro, o que me provoca ainda uma compaixão maior. De uma maneira ou de outra, precisas de ajuda: ainda bem que tens estas caixas de comentários, porque estares sozinho contigo deve ser insuportável. A gente ajuda, anda cá!

          • JgMenos says:

            Titio parece-me que não vais poder ajudar-me.
            Entre o não perceberes o que te digo e o fazeres-te desentendido, o que fica certo é quereres dar-te ares de esperto; fazê-lo com um discurso estúpido não resulta bem.

          • António Fernando Nabais says:

            Não desistas, continua a passar por aqui, que mal não te faz. O que me resta da catequese obriga-me a pensar sempre nos desvalidos, em ti, querido sobrinho, em ti.

    • POIS! says:

      Pois temos de reconhecer!

      Que o profundo conhecimento de JgMenos em relação à técnica de utilização da Boutade com propósitos obscuros é um saber vasto e exercido, portanto de larga experiência feito.

      E a atestar esta afirmação está o facto de ter sido condecorado em França como “Grand Cheval-Hier de l’Ordre de la Boutade” justificada segundo o decreto presidencial como “pour recompenser ses excellents services de combat au esquerdallisme, contre tous ces qui vivent à la poitrine de l’état
      avrilesque et renient l’énorme héritage salazaresque, en particulier sur le blog Aventer”.

      Curvemo-nos pois perante tão grandecissíma enorme suprema sumidade.

    • Paulo Marques says:

      Os subsídios e perdões fiscais dos teus clientes hão-de ter alguma coisa a ver com isso, bem como aquilo que desvias.
      Se fosse pago para não perceber, se calhar também não percebia.

      • JgMenos says:

        Continuas parvamente a falar com o tipo que dizer eu ser.
        Diverte-te!

        • abaixoapadralhada says:

          Xuta para canto chulo. A gente conhece-te bem, guarda livros

        • brasuca pro brasil says:

          Diz o JgMenos

          “Titio parece-me que não vais poder ajudar-me.”

          Titio ? Titio ? Titio ?

          Querem ver que o JgMenos é GAÇADEU e anda aqui a disfarçar

          Brasuca pro Brasil

        • Paulo Marques says:

          Então é pior, queres ser escravo sem sequer por umas migalhas. O reino do céu é teu, pá.

  5. Obrigado pela partilha 🙂

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