[João Roque Dias]
Hoje, volto ao embuste de continuar a haver gente que acha que português e brasileiro são a mesma língua. Este achismo tem uma explicação simples: os achistas deste achismo acham que sim, porque sim. A apoiar o seu achismo, os achistas apresentam um argumento que tem, contudo, algo de verdade: como há ainda muitas parecenças entre o português e o brasileiro, os achistas ficam-se por aqui e acham que sim, que as parecenças são suficientes para acharem que têm razão. Quanto ao facto de uma e outra língua não servir para comunicação – natural e pronta, como devem ser as línguas – fora do seu espaço original, os achistas fazem de conta que não é verdade. Mas é! E quanto mais a língua, uma e outra, serve para comunicação especializada, mais verdade é. Como vamos ver, os achistas continuam a achar que não é, e acham que resolvem o problema com “glossários”.
E hoje, o embuste vem até profusamente ilustrado por uma achista com doutoramento e tudo, Margarita Correia. Conta ela, hoje, 9 de Junho de 2020, no Diário de Notícias (“E por falar em racismo…”), o seu encontro com uma brasileira, a Juliana, e as vicissitudes desta com a língua que, como ainda tem parecenças com a sua, ela achou até que era a mesma. E mais. Achou até que podia usar livremente, e com proveito, a sua língua (numa espécie de salvo-conduto), em Portugal. E foi a realidade, que é teimosa, que se encarregou de lhe demonstrar quão errado, e perigoso, é insistir neste achismo:
A Juliana era veterinária no Brasil e viera para Portugal com o marido em busca de vida melhor. Para exercer medicina veterinária em Portugal, é necessário diploma equivalente a mestrado e inscrição na Ordem dos Médicos Veterinários. A Juliana inscreveu-se num mestrado em veterinária (sic) numa universidade pública portuguesa. A parte escolar decorreu tranquilamente, com aproveitamento nos seminários. Então começou o inferno, a dissertação. Quando falámos, a Juliana tinha já entregado várias versões, todas invariavelmente devolvidas sem anotações relativas a conteúdo ou estrutura, mas ornadas de mimosos comentários do tipo: “Isto é brasileiro!”, “Eu não leio brasileiro!”, “Vá aprender português!”. Li a dissertação e percebi que, de facto, o texto apresentava falhas. A primeira era usar termos técnicos da variedade brasileira e não os equivalentes portugueses; foi criado um glossário e substituídos uns pelos outros. A segunda falha prendia-se com a escrita, i.e., faltava à dissertação estrutura e domínio da escrita académica. Esta dificuldade é o pão-nosso-de-cada-dia (sic) dos estudantes de mestrado, de qualquer nacionalidade, mesmo portugueses. Os estudantes chegam às licenciaturas e aos mestrados sem dominar a escrita académica. Cabe aos docentes e orientadores de mestrado ensinar-lhes a fazer ciência (formular questões de pesquisa, estabelecer objetivos (sic), escolher a metodologia e estruturar o conhecimento) e como se escrevem textos científicos. Acredito, quando leio uma dissertação mal estruturada, que a responsabilidade é mais do orientador do que do mestrando. Mas, claro, isto sou eu a pensar. Provavelmente estas ideias não são consensuais. Propus ajudar a Juliana com a escrita académica e, no final, obteve-se um texto que não envergonhava ninguém, para ser enviado à orientadora. Cometi, porém, o erro mais grave de todos: não “traduzi” o texto para português europeu, i.e., não usei a norma ortográfica de 1945 e não alterei a sintaxe própria do português do Brasil. A Juliana nunca chegou a ver a sua dissertação admitida a provas, mesmo depois de várias mensagens sem resposta enviadas à orientadora, à direção (sic) do mestrado e da faculdade, ao reitor. A Juliana desistiu do mestrado, mas eu ainda hoje me faço muitas perguntas. Será que aquela faculdade e aquele mestrado terão desistido de receber alunos brasileiros? Terão mudado alguma coisa? Será que esta forma de atuar (sic) é generalizada? Será que ainda hoje o panorama é semelhante? Será que as coisas são diferentes no Brasil para os estudantes portugueses? Quantas Julianas, falantes de português, haverá por aí, emudecidas pela sua variedade nacional, alvo de preconceito e racismo linguístico?
- «Então começou o inferno, a dissertação».
Para defender um embuste, nada melhor que começar por o diabolizar. Margarita ainda não nos disse porque acha que é “inferno” um estrangeiro usar a sua língua (estrangeira) numa dissertação (escrita, claro) apresentada em Portugal, mas já lhe chama “inferno”. É a velha artimanha de condicionamento do leitor.
- «Li a dissertação e percebi que, de facto, o texto apresentava falhas. A primeira era usar termos técnicos da variedade brasileira e não os equivalentes portugueses.»
“Falhas”, chama-lhes ela. A quê? Ela explica: «usar termos técnicos da variedade brasileira e não os equivalentes portugueses». Vale aqui perguntar se não é normal um especialista escrever um texto, NA SUA PRÓPRIA LÍNGUA, usando termos técnicos próprios da SUA PRÓPRIA LÍNGUA e se isso é alguma “falha”? É que, se não é, não há falha nenhuma, e o eufemismo “falha” não se aplica. Vale também perguntar se um especialista de um assunto tem, obrigatoriamente, de conhecer os termos técnicos de outra língua, presumivelmente, ainda mal dominada, quando escreve um texto NA SUA PRÓPRIA LÍNGUA (mas que, afinal, não é)? Pois! A defesa do embuste da “mesma língua” tem destas coisas: leva a becos sem saída e à defesa de coisas sem sentido.
- «foi criado um glossário e substituídos uns pelos outros.»
Não! O que foi criado não foi um “glossário”, mas um dicionário. A autora sabe muito bem que o que foi criado não foi um “glossário” (basta ver a definição deste termo num dicionário), mas se lhe tivesse chamado o que de facto é, um dicionário (bilingue, claro), a defesa do embuste da “mesma língua” ficava mais complicada, até mesmo impossível.
- «Cometi, porém, o erro mais grave de todos: não “traduzi” o texto para português europeu, i.e., não usei a norma ortográfica de 1945 e não alterei a sintaxe própria do português do Brasil.»
Ah, aqui o embuste complica-se e ramifica-se. Desatando o primeiro nó: porque teria o texto de ser “traduzido” para português europeu “sem acordês”, quando, é legítimo presumir, que o texto original em brasileiro já estaria devidamente acordizado? E vamos para o segundo nó: porque teria uma dissertação apresentada a uma universidade portuguesa em 2015-2016 (as contas são minhas, com base no que Margarita escreve no seu artigo) que ser redigida na «norma ortográfica de 1945»? Fica para o fim, o terceiro nó: «a sintaxe própria do português do Brasil». Uma sintaxe própria, pois claro, como é próprio de qualquer língua.
E, depois dos “nós”, mais uma coisinha: Margarita, acordista de primeira hora, mas que nem sabe quantas Bases tem o estropício (“Trinta e uma ou 32, nunca sei ao certo”; não, são 21), conhece, certamente, o argumento propalado pelos acordistas de que, com o mirífico acordo ortográfico, deixariam de ser necessárias traduções diferentes para português e para brasileiro. O uso de “traduzi” nesta frase do artigo não deixa de ser uma hilariante anedota. E «erro mais grave de todos» é mais um ardiloso condicionamento do leitor.
O embuste da “mesma língua” aqui fica explicado:
- Toda esta maquinação vem de se achar que o português e o brasileiro são a mesma língua, mesmo quando o seu uso não pode ser usado noutro lado.
- O embuste continua com exigir responsabilidades aos especialistas portugueses, por não serem capazes de ler e compreender escorreitamente a outra “mesma língua”, mas que, mesmo assim, têm de avaliar o que leram, mas não compreenderam. Mas têm de ser? Para defender o embuste, Margarita diz ainda que a responsabilidade é apenas de quem tem de receber e ler textos numa língua estranha, mas nunca dos autores dos textos, a quem deve ser deixada toda a liberdade de apresentarem textos estrangeiros a quem tiver, depois, a responsabilidade de os avaliar, não tanto pelo seu estilo linguístico, mas pelo seu conteúdo. Ora, é precisamente o conteúdo que vai ser avaliado, e a compreensão e o uso correcto da terminologia são partes fundamentais de tal compreensão.
- E a «sintaxe própria» da outra língua? Para Margarita, qualquer especialista português, seja em que área for, tem de conhecer as suas particularidades e idiossincrasias. Mas tem mesmo? E os «termos técnicos» da outra língua? Para Margarita, qualquer especialista português, seja em que área for, tem de conhecer também tais “termos técnicos”, nem que seja com um “dicionário” (eufemisticamente chamado “glossário”): “onde está a ler xxx, deve ler yyy”.
- Para os especialistas portugueses, seja em que área for, que não conheçam as particularidades e idiossincrasias da sintaxe e do vocabulário técnico brasileiros, e que, para lerem dissertações de mestrado, tenham que andar a fazer investigação terminológica com línguas estrangeiras e a traduzir as dissertações, Margarita reserva estes «mimosos comentários»: são «preconceituosos» e «racistas».
- Glossário: no parágrafo anterior, “mimosos” = “vergonhosos”.
Não sei se é racismo mas é sem dúvida corporativismo. Defender o emprego, só isso. Foi com os dentistas, será com outros.
A Universidade mais respeitada de todas as de língua portuguesa é a de São Paulo. Mesmo assim fica aquém do desejável. Por cá as fake news dizem que estar entre as primeiras quatrocentos é bom. É uma merda.
Aos defensores da língua portuguesa, versão Europa, só digo que ninguém lá fora vai perder tempo com o português europeu. Não tem interesse prático. Tem o valor universal do finlandês. Pode ser muita pura, muito autêntica mas não serve para nada. Divirtam-se com dissertações sobre Torga e Saramago. Por lá houve melhor.
Ah, Lobo Antunes..o génio que será esquecido logo que bater a asa.
De resto, há muito que me apercebi que os intelectuais brasileiros, quando bons, deixam a milhas a gentalha presunçosa do bairro. Saudade de lucia lupecki. Posso falhar no nome mas não na sabedoria e pedagogia dessa Senhora.
Registei a necessidade que sentiu para usar este espaço de comentário para defender a superioriodade do brasileiro e do Brasil e declarar a sua repugnância pelo finlandês. Lamentavelmente, como comentário ao que escrevi, disse nada.
O chaparro não tem nada para dizer, a não ser zurrar
Ninguém vai dar perder tempo com nenhuma versão do português. Se quer interesse prático, ensinem inglês.
“Tem o valor universal do finlandês”
E se for hungaro.? Ambos são linguas magiares, em minoria na Europa, mas é isso que faz a sua interessante diversidade.
Grande idiota. Deve ser do Porto. Escola Valada.
Este ultimo comentário foi demolidor!!!
Que argumento demolidor!!!…
Se não percebem, isto é coisa de tachinhos. Tradutor de português em organização internacional deve ser português. Só estes falam e traduzem como deve ser. Fora pois com os brasucas.
O diabo é que lá fora quando se interessam pelo português é a pensar no Brasil. Entre a maior nação da América Latina e o canapé na Europa de Dom João VI, qual é a dúvida?
A imagem do finlandês é má? Venha o nepalês.
Estes patetas ainda se julgam em 1800. Ainda acreditam ser império.
É coisa de comunicação clara, coisa além das suas qualificações e ordenado.
paulinho, pauleto,
Poverello, sei pazzo
Também ninguém quer saber do Italiano.
e que línguas fala? English? é isso? What a prat.
Quando um cidadão brasileiro vai a Londres tenta arranhar o inglês. Quado vai a Paris, faz o seu melhor para se fazer entender em francês.
Porque raio quando vem a Portugal não tenta falar português? Até é uma língua com bastantes semelhanças com o brasileiro…
Mas se eles falam crioulo do Brasil, língua derivada do português, tal como são o crioulo de Cabo Verde e do crioulo da Guine Bissau !
Qualquer ukraniano ao fim de 3 anos de viver em Portugal, fala melhor português, que brasuca ao fim de viver cá 30 anos
O autor acha que há uma ‘escrita académia’!
Qualquer escrita pode ser clara ou confusa, usando ou não termos académicos,
Para a língua brasileira, quando eu os vir escrever nacionau e legau, vou acreditar que se assumem como fazendo do caboclo língua nacional.
Pois, mas olhe que sim!
Há realmente uma “escrita académia”. É a dos universitários que passam a vida na boémica. A beber vinho nacionau e a comer batatas com bacalhal.
“Hoje, volto ao embuste de continuar a haver gente que acha que português e brasileiro são a mesma língua.” O que dizer do achismo deste ensaio. Só escrever este texto foi uma perda de tempo. Lamento ter lido esta panóplia de parvoíce.