Preconceito e racismo, diz ela

[João Roque Dias]

Hoje, volto ao embuste de continuar a haver gente que acha que português e brasileiro são a mesma língua. Este achismo tem uma explicação simples: os achistas deste achismo acham que sim, porque sim. A apoiar o seu achismo, os achistas apresentam um argumento que tem, contudo, algo de verdade: como há ainda muitas parecenças entre o português e o brasileiro, os achistas ficam-se por aqui e acham que sim, que as parecenças são suficientes para acharem que têm razão. Quanto ao facto de uma e outra língua não servir para comunicação – natural e pronta, como devem ser as línguas – fora do seu espaço original, os achistas fazem de conta que não é verdade. Mas é! E quanto mais a língua, uma e outra, serve para comunicação especializada, mais verdade é. Como vamos ver, os achistas continuam a achar que não é, e acham que resolvem o problema com “glossários”.

E hoje, o embuste vem até profusamente ilustrado por uma achista com doutoramento e tudo, Margarita Correia. Conta ela, hoje, 9 de Junho de 2020, no Diário de Notícias (“E por falar em racismo…”), o seu encontro com uma brasileira, a Juliana, e as vicissitudes desta com a língua que, como ainda tem parecenças com a sua, ela achou até que era a mesma. E mais. Achou até que podia usar livremente, e com proveito, a sua língua (numa espécie de salvo-conduto), em Portugal. E foi a realidade, que é teimosa, que se encarregou de lhe demonstrar quão errado, e perigoso, é insistir neste achismo: [Read more…]

Com sete letrinhas apenas se escreve a palavra Salazar

… e a ponte sobre o Tejo
— Pedro Ayres Magalhães/Heróis do Mar

T.V. is the reason why less than ten percent of our
Nation reads books daily
Why most people think Central America
means Kansas
— Disposable Heroes Of Hiphoprisy:
Television The Drug Of The Nation

Magro, sombrio, encurvado
sob o açoite do Pecado,
com que o persegue Satan,
o pobre gêbo parece o monstro do Lockness
ou um monge de Zurbarán.
— Roberto das Neves, “Salazar

***

Nasci no dia em que a PIDE assassinou José António Ribeiro dos Santos. Durante os meus anos portugueses, o 25 de Abril foi sempre vivido na baixa, na Avenida dos Aliados e arredores, quase invariavelmente na excelente companhia do meu pai. Nos meus anos alemães, comprava rote Nelken no Hauptmarkt de Trier e festejava Abril de cravo vermelho na lapela, enquanto pedalava a minha fiel Diamant, trauteando o E Depois do Adeus, no regresso à Olewiger Straße. Chegado a casa, eternizava Abril, depositando os meus cravos na jarra com água que projectava pela sala os raios de sol do quintal onde cresciam morangos selvagens. Ainda tenho essa jarra. Há bocado, aproveitei as compras semanais no supermercado ali da esquina e trouxe um perfume de liberdade em cravos a estes 44 dias de confinamento bruxelense. Estou eternamente grato a quem lutou pela possibilidade de Portugal ser um país livre.

Muita gente fica eufórica com este filme, no qual vemos a palavra SALAZAR a ser retirada à martelada da ponte mais a jusante do Tejo.

Não gosto deste filme. Efectivamente, eis um acto cheio de significado, baseado num princípio com o qual estou plenamente de acordo. Todavia, trata-se de um mero gesto de fachada. Os princípios de nada valem se forem materializados em actos para inglês ver.

Peguemos num princípio tão corriqueiro como ter o escritório de casa arrumado. Imagine-se agora que me dava para arrumar o escritório só quando tivesse visitas cá em casa. Obviamente, como sou uma pessoa de princípios, sentir-me-ia incomodado quando me definissem como sendo uma pessoa com o escritório de casa arrumado. Por esse motivo, deixei de receber visitas no escritório.

Com efeito, a carga simbólica da passagem de Ponte Salazar a Ponte 25 de Abril é imediatamente anulada pela persistente presença de Oliveira Salazar na toponímia portuguesa. Actualmente, Portugal continua a prestar vassalagem à memória de Salazar, da mesma forma que o Diário de Notícias o fazia no dia 27 de Julho de 1970, com o célebre (negritos meus)

Portugal está de luto. Morreu o Presidente Salazar. Esta manhã, às 9 e 15 deixou de viver um dos mais ínclitos portugueses da história de Portugal.

Exactamente (está à venda):

Em honra de Salazar, até existe uma alameda (uma alameda!) em Vila Nova de Gaia (em Vila Nova de Gaia!). Para quem não souber, Vila Nova de Gaia é o terceiro maior concelho de Portugal, ficando a dita alameda no Olival. Enquanto houver uma Alameda Dr. Oliveira Salazar em Vila Nova de Gaia, enquanto andarem por aí cantando e rindo, é escusado voltarem a passar o filme da ponte no meu televisor.

Há uma grande diferença entre o país ideal, com o cravo de Abril na lapela e com a Ponte 25 de Abril sobre o Tejo, e o país real, com a Alameda Dr. Oliveira Salazar no terceiro maior concelho do país e com o povo viciado em televisão a aproveitar a primeira oportunidade que lhe aparece à frente para fazer de Salazar o maior português de sempre, espalhando-se a notícia em inglês, alemão, eslovaco, francês, espanhol, checo, neerlandês, croata, etc. De facto, como previsto no Livro de Leitura da 3.ª Classe de 1937 (pdf), as gerações futuras haviam de “dizer baixinho, de olhos fitos no altar da Pátria – Foi um grande Português!“.

Escutemos essas horríveis palavras, na maravilhosa leitura em voz alta de Mário Viegas: [Read more…]

Os atuados, a toada e os acentuados

Depois do atuado ortográfico, da toada de Portalegre e do «acentuado arrefecimento nocturno», eis «a tendência de queda acentuada».

Boletim meteorológico

Cette arrogance est absolument insupportable. Mais pour qui vous prenez-vous? Mais pour qui vous prenez-vous, Emmanuel Todd? Vous ne passez plus les portes!
Alain Finkielkraut

I think that’s the way things work. You have some… It’s not that you… I mean, belief formation is often contingent on the outcomes that you want. You want a certain outcome and you construct a system of beliefs which makes that exactly right and just.
Noam Chomsky

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Efectivamente.

Efectivamente, estava eu a escrever, 2019 continua com dias de céu geralmente limpo (Magnolia foi há 20 anos). Há vento. Vento que vem, desde 2012, do outro lado do Atlântico, como se vê pelo contato, mas em geral fraco, devido a ‘respetivo’ em vez de ‘respectivo’.

Há possibilidade de formação de neblinas em forma de contatos todas as semanas.

O arrefecimento, apesar de lhe chamarem noturno, é nocturno (para si, minha senhora). Quanto ao mar, há ondas, muitas ondas, só ondas (my wave), só ondas (waves roll in my thoughts) e há espuma (Fort ans Meer! ans Meer! es schäume die Welle), muita, muita espuma. A temperatura da água do mar, como os pareceres, não interessa rigorosamente nada.

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A Arca do Dilúvio e a Pipa Apocalíptica

It’s hard to focus on ordinary economic analysis amidst this political apocalypse.
Paul Krugman

Blessed is he that readeth, and they that hear the words of this prophecy, and keep those things which are written therein: for the time is at hand.
Ap 1, 3 (apud, KJV)

Deslargue-me.
— António Lobo Antunes (p. 270)

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Hoje de manhã, li este belíssimo texto do António Fernando Nabais. Depois, regressei ao meu trabalho académico e devidamente arbitrado — felizmente, não tenho a infelicidade de ser nem autor nem promotor do Acordo Ortográfico de 1990.

Lido o texto do nosso Nabais e tendo terminado a minha table of contents, dei por mim a pensar: “efectivamente, chegou”. Ou seja, chegou o Apocalipse Now, isto é, o apocalipse agora. Apocalipse, sobre o qual, aliás, já tive a oportunidade de tecer breves comentários (e de citar os sempiternos GNR).

Apocalipse significa descoberta. Apocalipse significa revelação. Por esse motivo, depois de João Roque Dias ter indicado esta pergunta [Read more…]

Donald Trump e o Acordo Ortográfico de 1990

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© F.M.Valada (Washington Square Park, 4/11/2016)

Hablo de estructura como podríamos decir la estructura de esta mesa o de esta taza; es una palabra que me parece un poco más rica y más amplia que la palabra forma porque estructura tiene además algo de intencional: la forma puede ser algo dado por la naturaleza y una estructura supone una inteligencia y una voluntad que organizan algo para articularlo y darle una estructura.
— Julio Cortázar, “Clases de literatura – Berkeley, 1980

[P]sychological laws for Husserl express causally determined, exceptionless, connections in successions of events, stated with respect to an idealization similar to Chomsky’s ideal speaker.
— Jerrold J. Katz, “Language & Other Abstract Objects

Have you read Tom Wolfe’s book?
It’s so uninformed and distorted that it hardly rises to the level of meeting a laugh test.
Noam Chomsky

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Há cerca de dois dias, algures no Rockefeller Center, assisti a uma entrevista concedida por Anthony Scaramucci e fiquei a saber que  vários economistas, entre os quais oito vencedores do Nobel [Read more…]

Coimbra não é uma lição

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Imagem roubada ao João Roque Dias

Quem tiver a oportunidade de consultar, por exemplo, documentação medieval, deparará com grandes oscilações ortográficas, visíveis no facto de as mesmas palavras surgirem grafadas de maneira diversa muitas vezes no mesmo documento escrito pela mão de um único escriba. Entretanto, passaram alguns séculos e houve milhares de pessoas a pensar sobre as questões linguísticas, pedagógicas ou didácticas, o que inclui reflexões sobre a escrita e conclusões sobre as relações complexas entre a fala e a escrita e entre ambas e a aprendizagem da língua, do conhecimento e do mundo. [Read more…]

Grafia azul

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© LEHTIKUVA/Reuters (http://bit.ly/1nYg8Bx)

Acabo de saber, através de Brian Greene – a propósito, vale a pena assistir a este excelente debate entre Greene e Dawkins –, que o Nobel da Física foi atribuído a Isamu Akasaki, Hiroshi Amano e Shuji Nakamura, pela invenção de emissores eficientes de luz azul (convém ler o excelente texto de Teresa Firmino, no Público).

O Professor Jorge Manuel Torres Pereira lecciona a disciplina Fundamentos de Electrónica no Instituto Superior Técnico e explica (7.8) que

O díodo emissor de luz, LED – “Light Emission Diode”, é um dispositivo que converte a energia eléctrica em energia luminosa. A conversão está associada a transições electrónicas acompanhadas da emissão de fotões de comprimentos de onda compatíveis com a variação de energia ocorrida.

Contudo, segundo o Expresso,

O prémio Nobel da Física foi hoje atribuído (…) pela invenção do díodo eletroluminescente (LED), anunciou hoje o júri em comunicado.

Ora, independentemente de, por exemplo, por estas bandas, LED significar “diode électroluminescente” e até o Professor Lobo Ribeiro ter vacilado entre “díodos emissores de luz” (p. 6) e “díodos electroluminescentes” (p. 93), há um dado grafemicamente adquirido: eletroluminescente é grafia inadmissível em português europeu. Sim, eletroluminescente. Efectivamente, inadmissível.

Recordando as sábias palavras de outro Nobel da Física,

I’m not going to do this, I’m not going to simplify it, and I’m not going to fake it. I’m not going to tell you it’s something like a ball bearing inside a spring, it isn’t.

No, it isn’t. Se não souberdes o que significa ‘ball bearing’, não vos preocupeis. O Eng.º João Roque Dias explica-vos.

Continuação de uma óptima semana.

Pela suspensão imediata do Acordo Ortográfico

Há dois anos, João Roque Dias, António Emiliano, eu próprio e Maria do Carmo Vieira escrevemos uma carta aberta – que pode ser lida quer na Biblioteca do Desacordo Ortográfico, quer na página da ILC contra o Acordo Ortográfico – que instava o primeiro-ministro, o ministro dos Negócios Estrangeiros e o ministro da Educação a corrigirem um erro monstruoso e propunha uma solução simples e eficaz: suspender a aplicação do Acordo Ortográfico de 1990.

Há três anos – celebremos, por fim e com a devida pompa e a respectiva circunstância – o Expresso começou a adoptar o AO90… A adoptar. Pois… Na carta aberta, indicávamos que o AO90 “não foi objecto de discussão pública”. Se tivesse havido uma discussão pública, serena e esclarecedora, o AO90 teria, provavelmente, regressado definitivamente à gaveta de onde nunca deveria ter saído ou, no pior dos casos, suspendendo-se a aplicação, ter-se-ia evitado esta balbúrdia, da qual *contatos é uma das figuras emblemáticas, quer no Diário da República, quer no Expresso, quer alhures. Na carta aberta, referíamos que «[a] Nota Explicativa do AO (…) “explica” de forma confusa os aspectos mais controversos da reforma, p. ex. a consagração, como expediente de “unificação ortográfica”, de divergências luso-brasileiras inultrapassáveis com o estatuto de grafias facultativas”. Essa explicação “de forma confusa” será porventura a causa de, passados três anos, o Expresso se manter incontactável.

Sim, porque, para se contactar o Expresso, só através dos *contatos — e razão tinha o António Fernando Nabais, quando me dizia: “o Expresso emigrou para o Brasil”.

Depois, os *contatos conduzem-nos através de “contactos” que são “directos”, com o endereço electrónico do “director” e a referência a uma “Direcção Comercial”. O problema do Expresso – e não só – é que, como “poupa letras” onde não deve, depois gasta-as onde não pode. Mas até se percebe que, de vez em quando, as mantém. Enfim, é muito confuso.

Hoje, serei espectador

Serei um entre 51 800 espectadores na ArenA.

Subitamente, lembrei-me da areia/arena, mas não nos dispersemos.

No que diz respeito a espectador, recordemos um clássico da indecisão ortográfica (para outros clássicos, é favor consultar a versão actualizada da Choldra Ortográfica em Portugal, organizada por João Roque Dias):

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Além dos 51 800 espectadores na ArenA, haverá milhões de telespectadores atentos à grande final europeia. A propósito de telespectadores, não esqueçamos aquilo que foi escrito por José Carlos Abrantes, em 16 de Junho de 2011, relativamente à grafia adoptada para a designação do cargo de Provedor, na RTP:

Prov JCA

Seria importante [Read more…]

A CPLP e Maio. E o Keynes?

Ao ler estas informações acerca de «colóquio subordinado ao tema “O Direito Constitucional de Língua Portuguesa”» (tendo o programa chegado ao meu conhecimento através de publicação de Ivo Miguel Barroso de partilha de Jorge Bacelar Gouveia), deparo com o seguinte cenário catastrófico: uma *receção, oito *perspetiva, um *diretor, uma *subdiretora, dois *objetivo uma *atividade, uma *atuação, uma *ação, um *retroprojetor e, para rematar, dois Maio (exactamente) com maiúscula.

Sabemos, através de nota informativa, que o colóquio é organizado pela CPLP. Tendo o programa sido divulgado por Bacelar Gouveia e participando o próprio activamente no colóquio, convinha alguma cautela nas partilhas em redes sociais e que a organização fosse alertada quer para a extraordinária redacção da base XIX, 1.º, b), quer para o início desta reflexão de Bacelar Gouveia acerca do AO90: «Quem se der ao trabalho de ler esse tratado internacional logo perceberá que se trata de um conjunto de normas sem sanção, aquilo que os romanos designavam por lex imperfecta». Efectivamente, convém alguém “dar-se ao trabalho de ler esse tratado internacional”. A começar pela própria CPLP.

No caso de a CPLP decidir, duma vez por todas, ignorar o AO90, o processo, garanto, é reversível e a solução, como todas as coisas boas da vida, é bastante simples: mantêm-se os dois Maio e, quanto ao resto, não demora muito (uma recepção, oito perspectiva, um director, uma subdirectora, dois objectivo uma actividade, uma actuação, uma acção e um retroprojector). [Read more…]

Telespectador? Telespetador? Depende.

No dia 9 de Junho de 2011, depois de troca epistolar com José Carlos Abrantes (através de missivas no Facebook, datadas de 14 de Maio e 1 de Junho desse mesmo ano), escrevi o seguinte, numa “Segunda Carta Aberta ao Provedor do Telespetador [sic]”:

Vários falantes de português europeu oscilam entre a prolação e a não prolação de [k] (recordo que um levantamento da pronunciação de “telespectador” deverá ter este importante factor em conta). Esclareço: o mesmo indivíduo poderá no mesmo discurso pronunciar o C de telespectador e não pronunciá-lo. Convido V. Ex.ª a escutar com muita atenção as prolações de “telespectador” por parte dos apresentadores de programas da RTP e recomendo que a estes preste particular atenção, porque são a “referência” dos (passe a redundância e o aparente exagero) telespectadores.

Sete dias depois, José Carlos Abrantes viria a alterar a grafia controvertida*, alegando que «as duas grafias são possíveis segundo o Acordo Ortográfico em vigor». Mas, adiante, vamos àquilo que nos interessa. [Read more…]

O impacto do acordo ortográfico é tão grande…

… que o Expresso já lhe chama “impato”.

Acordo Ortográfico: o Porto deixou de ser a Cidade Invicta

O trabalho de sapa do João Roque Dias encontrou, em pouco tempo, mais um exemplo da supressão de consoantes que não são mudas. Neste caso, trata-se de uma afronta involuntária à cidade do Porto, orgulhosa de ser invicta há vários anos. No site do Colégio de Quiaios e numa legenda da TVI, o c de Invicta desaparece e o Porto deixa de ser invencível.

Já tive ocasião de notar alguns fenómenos semelhantes: Acordo Ortográfico: sabor a pactoAcordo ortográfico: a fissão da ficção e Acordo Ortográfico: consoante antes de consoante não se escreve.

A insegurança no uso da ortografia não é, infelizmente, um problema recente, mesmo nas escolas e na comunicação social, ambientes em que a língua devia ser mais bem tratada. O chamado acordo ortográfico, por ser um instrumento carregado de deficiências, serve para acentuar essa insegurança.

Num país a sério, com políticos a sério, a leviandade com que o AO90 foi posto em prática não existiria. Assim, é só mais uma acha para a imensa fogueira onde arde a irresponsabilidade das políticas culturais e educativas.

A deriva

Aproveitando o ponto 5 do comunicado da CPN do PSD, também “dou nota” da minha “preocupação relativamente à deriva”. De facto, é uma deriva e é constante.

Acordo Ortográfico: consoante antes de consoante não se escreve

Continuando a vampirizar o trabalho de João Roque Dias, descobri a palavra “adeto” (por “adepto”), em dois textos, um dos quais ainda está disponível. Antes do chamado acordo ortográfico (AO90), nunca me apercebi da existência de tal erro.

Não tenho nada a acrescentar ao que já escrevi em textos anteriores acerca deste efeito provocado pelo AO90: a supressão imprevista (?) de consoantes articuladas. Limito-me a lamentar que sejamos um país dominado por gente medíocre e corrupta: num país a sério, uma reforma ortográfica teria sido verdadeiramente estudada e debatida. Em Portugal, ficámos com o AO90.

Acordo ortográfico: a fissão da ficção

Descobri esta página, sempre graças ao trabalho do João Roque Dias. O projecto é louvável: levar as crianças a contactar com a realização cinematográfica.

O facto de se estar a lidar com crianças, aliás, deveria obrigar a um cuidado redobrado com o uso da língua. Os autores optaram por escrever segundo o chamado acordo ortográfico (AO90): em parte, conseguiram (maio, ação); por outro lado, esqueceram-se (didácticos, acção); finalmente, graças a uma reforma ortográfica pessoalíssima, retiraram o hífen de “público-alvo” e arremessaram para longe o “c” de “ficção”, inventando uma arrepiante “fição”. [Read more…]

COMENTÁRIO (quem estiver cansado, leia imediatamente e sff os pontos 9 e 10):

1) Chegámos a casa e soubemos, por Joao Roque Dias, que a nossa cidade (Porto!) andava em polvorosa: o Jornal de Notícias transcrevera comunicado da Associação de Estudantes da Faculdade de Letras da Universidade do Porto.
2) Lemos atentamente a transcrição.
3) Aproveitámos a deixa e lemos o comunicado.
4) Descobrimos que, no comunicado, a AE-FLUP escrevera “espetáculo” e “espectáculo” (o quê? sim, sim, isso: “espetáculo” e “espectáculo”, como a CPLP, mas só percebe “como a CPLP” quem leu o Público de 30/4/2012).
5) Desvendamos que, na transcrição, o JN se limita ao “espetáculo”, ignorando o “espectáculo”. Logo, não se tratará (pensamos) duma transcrição. Se no original está “espectáculo” e na transcrição está “espetáculo”, cremos (de “crer”) que algo se perdeu na transcrição e parece-nos (sim, de “parecer”, e assim de repente) que um cê andará perdido. Dão-se (“se” completamente indeterminado, não contem connosco [repare-se no ene mudo] para o peditório) alvíssaras a quem encontrar o cê.
6) Não percebemos o motivo de, na transcrição, “degradante” se encontrar entre aspas, quando, no original, aquilo que se encontra entre aspas é “espectáculo”. Não percebemos o motivo. Suspeitamos de (mesmo: tipo → a sério), mas não percebemos porquê.
7) Aliás, lamentamos que “degradante”, assim, entre aspas, tones down (é inglês: dá para atenuar, dá para esbater, dá para enfraquecer, vós decidis) o objectivo da AE-FLUP. Cabe à AE-FLUP queixar-se. A denúncia acaba de ser feita. Quem a fez fomos nós e fomos nós que a fizemos.
8) Desconhecemos direção [?], atividades [??], espetáculo [???], maio [????], atos [?????]. Lamentamos. A nossa ignorância confessamos. E continuamos a desconhecer. Tipo: hã?
9) Temos pena de que a direcção duma AE duma FL [Faculdade de LETRAS, seja UP, UC, UL whatever) não saiba que “melhor aplicados” não existe em português. “Mais bem aplicados”, sim. Existe. Explicamos: a forma comparativa do advérbio bem (mais bem ou menos bem) é utilizada obrigatoriamente (há quem prescreva, pois há, é assim) antes de um particípio. No caso que apreciamos, mais bem + particípio. Punkt. Melhor aplicados? Hã?
10) Como João Roque Dias, repudiamos “o uso do estropício ortográfico pela Faculdade onde os autores do comunicado estudam e que nunca lhes mereceu qualquer comunicado”. Disse João Roque Dias. E disse bem. Parece-nos. E ajudamos: «Julgamos que os recursos canalizados para este espectáculo degradante seriam mais bem aplicados em iniciativas culturais que fomentassem o espírito crítico do que em supostas tradições» é uma excelente frase. Espectáculo degradante = AO90.
Como amiúde diz António Emiliano (e bem, parece-nos): siga.

Acordo Ortográfico: a opinião de António Guerreiro

António Guerreiro, crítico literário do Expresso, escreveu um texto lapidar no suplemento Atual: aí faz a História do AO e deixa algumas críticas. Entre muitas citações possíveis, escolho uma: “Em várias e competentes instâncias, o AO foi criticado, desautorizado enquanto documento técnico-científico, considerado inepto e nefasto. Em sua defesa, porém, o mais que pudemos ler foram artigos em jornais, refugiados nas questões genéricas das supostas vantagens de um acordo, sem responderem aos argumentos dos críticos. É fácil perceber que a impermeabilidade à crítica e a imunidade do AO estavam garantidas pelo facto de se tratar de um instrumento político para servir a estratégia ideológica da lusofonia.” Para ler o texto completo, basta entrar por aqui na biblioteca do João Roque Dias.

Contra o Acordo Ortográfico: súmula e encadernação

Os interessados em reunir numa mesma página os oito textos que publiquei acerca do AO90 poderão seguir esta ligação. Entretanto, graças aos bons ofícios do João Roque Dias, a quem agradeço, os mesmos textos estão virtualmente encadernados. O debate continua, dentro de momentos.